Eu sou tão idiota.
Sequer sei pra quem estou escrevendo. Claro que tinha que ser tudo coisa da minha cabeça, e você, que não sabe de nada do que se passou até agora, deve estar perdido.
Bom, depois de um momento me acalmei pra terminar essa carta.
Como você talvez um dia leia, eu chamei Miguel para sair, pensando que ele era você.
Fomos assistir a um filme e a primeira coisa que ele perguntou quando chegou foi onde estavam o resto das pessoas.
— Ah, me desculpa se você entendeu errado… mas eu só convidei você — eu disse, sem jeito e tropeçando nas palavras.
Ele fez uma cara esquisita e disse para irmos comprar os ingressos.
Eu sabia das nossas conversas na praça que você é fã de filmes de terror, e que é bem ligado em cinema. Logo estranhei quando você sugeriu a gente assistir a um filme de ação explosivo logo que chegamos no lugar.
Até pensei em fazer ele mudar de ideia, apesar do meu estranhamento, mas já tinha acontecido aquele pequeno desentendimento no primeiro diálogo, então eu não queria entrar em uma discussão sobre o filme que íamos assistir.
Compramos os ingressos e ficamos na praça de alimentação até a hora da sessão começar e eu não fazia ideia de como as coisas podiam dar tão errado em míseros trinta minutos.
Eu estava nervoso ao seu lado na mesa. Minha cabeça estava inundada com um único pensamento. Tudo ao meu redor nem parecia existir. Talvez, se eu tivesse prestado mais atenção nele do que em meus pensamentos teria reparado no incômodo e na indisposição que estavam claras. Por não ter notado foi que consegui, de grão em grão, juntar coragem o bastante para falar.
E como se as próprias palavras tropeçassem pra sair da minha boca, eu disse.
— Você é o Corvo, não é?
— Hein? Como assim? — ele disse entre risadas que me atingiam como facadas, rasgando qualquer força de vontade que eu podia ter. Ainda assim, juntei os trapos que se soltaram e continuei.
— Se for… pode me dizer. Sério. Confia em mim. Tem meses que tô querendo falar disso com você — e foi nessa hora que tudo o que havia acontecido nos últimos meses se cristalizou sobre mim. Meus olhos encheram de água, mas era como se eu tivesse rasgado um buraco no meio peito e não conseguia estancar, os sentimentos simplesmente fluíam — Foi difícil, sabe? Não ver você lá como a gente sempre fez. Não sei se eu te assustei quando peguei na tua mão. Se foi, quero me desculpar. A verdade é que eu gosto mesmo de você, mas… não acho que você goste assim de mim. E tudo bem. Eu entendo. Só não queria que se afastasse. Você foi algo tão importante na minha vida. Não queria… que sumisse.
Terminei o meu monólogo olhando para o mármore da mesa da praça de alimentação. Nenhuma lágrima jorrou, na verdade eu me sentia ótimo. Parecia que um peso tinha saído das minhas costas e um otimismo inocente tomou conta de mim. Quase consegui sorrir, mas quando levantei a cabeça e olhei pro Miguel… ele olhava pra mim assustado. Talvez até com nojo. O otimismo que mal tinha acabado de nascer explodiu em medo e vergonha. Ficamos nos encarando por um tempo, com o burburinho das pessoas ao redor e o cheiro de óleo e carne processada no ar.
— Eu tenho que ir.
Ele disse e saiu. Fui atrás dele desviando de pessoas com bandejas pelo caminho. Quando consegui alcançar ele, pedi que esperasse e segurei seu antebraço.
— Olha… não encosta em mim, tá. Não sei o que você tá pensando — ele disse segurando minha mão e tirando ela, como se tirasse um inseto.
E ali, naquele milésimo de segundo, a ideia de que ele era você ruiu. De uma forma muito simples… a gente tinha a mesma altura e você era bem mais alto que eu. E tudo pareceu uma fantasia tão infantil que eu era simplesmente um idiota por ter acreditado tão piamente naquilo. Eu quis tanto acreditar que você estava ali, do meu lado, ao meu alcance, que eu afinei seus lábios, diminuí sua altura, clareei sua pele, e estaria pronto a dobrar ainda mais a memória que tinha, só porque não suportava a ideia de não te ver mais.
Em um único dia, fui do seu lado à mais distante do que nunca, e senti todo o medo tomar conta de mim novamente. Sem você, o que eu faria? Não ia suportar isso.
Fiquei plantado no meio da praça de alimentação vendo ele sumir com passos acelerados no meio das pessoas que passeavam. Ao meu redor as pessoas desviavam de mim, mas naquele momento elas poderiam até me atravessar se quisessem.
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