O dia se aproximava de sua metade no Reino Aka, com suas florestas avermelhadas, o território podia passar impressão de fúria e desordem pela sua coloração, mas isto não poderia estar mais longe da realidade.
O povo era governado pelo Rei, mandante de uma junta militar fortemente hierarquizada por aqueles com o título de Senshi. Cada um deles tinha sua influência política de acordo com sua posição no exército, por toda região do território.
Em uma delas, mais ao sudeste um pai tentava acordar seu filho em sua fazenda local.
— Yanaho!!!
— Ei pai! Calma aí… — dizia tentando voltar a dormir.
— Levante-se! — o empurrou da cama — Já está bem tarde, como espera que eu coloque comida na mesa acordando uma hora dessas!? Tome jeito e vá buscar mercadorias com a Chika.
Apressou-se, vestindo as roupas enquanto corria até a porta. Seu cabelo na altura dos ombros sequer estava penteado, apenas amarrava em sua cintura um acessório por dentro de suas vestes. Saindo de seu humilde abrigo, ele reparava nas pessoas ao redor, remoendo uma certa sensação que já lhe era familiar, que o fez refletir:
“Droga! Eu sou só mais um dentre todas as pessoas ainda? O que vai me tornar um destaque? Como posso fazer valer a pena?”, ele se aproximava de uma zona de comércio da região. Percebendo duas crianças brincando entre si.
“Nem ao menos tenho amigos por causa de tudo o que aconteceu… é injusto, preciso fazer algo a respeito e...", seu raciocinio era cortado.
— Imaginei que viesse mais cedo Yanaho — o chamou de longe uma mulher de trás das barracas — Como vai seu pai?
— Um pouco estressado, ele precisa dessas mercadorias — entregou uma lista à mulher que analisou.
Yanaho se distraía percebendo um dono de terras guiando um servo fazendeiro qualquer consigo.
“Ser seguido… ser um exemplo. O que me falta para ser reconhecido, mãe?”, pensou olhando para o céu.
— Ei garoto, está me ouvindo? — Chika chamava sua atenção.
— Opa! Desculpa, pode falar.
— Bem, você veio tarde, as refeições já acabaram. Tenho apenas algumas frutas. Daqui a pouco vai chegar alguns legumes. Terá que esperar por aqui.
— Droga… vai demorar muito?
— Não sei te dizer, deveria ter vindo mais cedo.
O menino aproveitou o momento para prosseguir observando os moradores da vila da providência. Percebendo as conversas alheias, alguns trocavam olhares reparando no garoto sozinho em um dos bancos.
“O que me falta são oportunidades… se eu tivesse uma chance”, voltava a refletir dessa vez encarando alguns militares na região.
Na direção que o jovem olhava, o comboio se conduzia a uma área na qual pessoas se alimentavam normalmente. Porém um homem logo foi arremessado pelas autoridades de vestes longas.
— O que é isso!? — Um civil se espantou.
O clima agradável de qualquer dia, se transformou em tensão nos arredores. O sujeito tentou se reerguer dos escombros de uma mesa quebrada, enquanto era cercado pelos seus agressores.
— Calma, está tudo sobre controle aqui, somos Cobradores da região! — um deles anunciava ao tempo que outro amarrava o criminoso pelas costas. — Este homem está sendo procurado por furtos de mercadorias e vendas inapropriadas a cambistas da área.
A princípio, Yanaho assistiu tudo distante, sem noção do que estava sendo dito. Sua curiosidade, entretanto, o levou a se mover em direção a cena. Percebendo que as pessoas ao redor se assustaram com a conduta dos Senshi’s, o homem rendido se aproveitava:
— Me ajudem, eu sou inocente!! Esses militares, só estão abusando de seu poder mais uma vez!
— Cale a boca!! Não está em posição de falar nada. Está diante da lei e da justiça — advertia um dos militares, socando o sujeito.
O pelotão já erguia o infeliz do chão para levá-lo. Yanaho já estava próximo do enquadro, para perceber o olhar de desespero do homem sendo conduzido. Nesse momento, ele tomou as dores da situação:
— Ei! Posso saber o que está acontecendo? Por que estão levando este cara dessa forma? Ele tava aqui sem arrumar problema…
— Cala boca moleque! Quem é você afinal pra pedir informação de algo? É só uma criança! — um deles interrompeu.
— Sou Yanaho Aka um cidadão deste vilarejo, uma pessoa assim como todos aqui! E você, quem é para ficar nos perturbando dia e noite atrás de impostos? Não vê que mal conseguimos nos sustentar? — disse determinado, franzindo as sobrancelhas.
— Ele até parece se orgulhar em não ter um sobrenome — disse um dos cobradores, com as risadas aumentando.
— Esse não é o sobrinho de Kenichi? Filho do aproveitador barato — disse outro tirando sarro.
— Não falem de quem vocês não conhecem! — respondeu as ofensas revirando os olhos.
Eles continuaram rindo no momento que o primeiro a interromper o garoto tomou a frente para responder sua pergunta de antes:
— Sou Yuri, comandante deste pelotão. Estou cumprindo com meu dever, não atrapalhe e nada de pior acontecerá com você... Pirralho.
Percebendo que seus protestos não moveriam os cobradores, Yanaho cerra os punhos, quando sentiu uma mão segurando seu antebraço. Chika aparecia por trás impedindo-o de agir sem pensar. Os dois caminhavam para fora da cena.
— Yanaho, o que estava pensando? Pensei que estivesse com pressa! Se chegasse outra pessoa teria que ceder as mercadorias que separei.
— Desculpa, eu só… me distraí de novo.
Após o ocorrido, o comandante acenava para um de seus homens que passou a seguir o garoto que voltava para o estabelecimento. Quando menos esperava algum imprevisto, uma figura maior chegava por trás, era alto o suficiente para causar uma sombra sobre o garoto.
— Olá Senhora, sou cobrador da área gostaria de verificar esta mercadoria dada ao menino — dizia com um sorriso cínico.
— Qual o problema agora? Já não causou confusão suficiente não!? — Yanaho desconfiava.
— Essa mercadoria não vai para o menino pois me tratou com rebeldia, irei confiscar.
— Você tá maluco!? Não aconteceu nada de errado aqui! — o garoto levantava a voz fazendo os outros notarem ao redor.
— Yanaho, deixe o senhor cumprir seu papel — Chika saía da barraca para segurar o garoto.
— Obrigado moça, tenha uma ótima tarde — ele disse sem nem ao menos olhar para o camponês.
“Não posso deixar! Meu pai não pode ficar sem comida em casa por uma injustiça dessas!!”, o menino se soltou dos braços de Chika em direção ao militar.
— Yanaho! — gritou espantada com a atitude do menino, que tentava arrancar a sacola a força do militar.
— Larga seu moleque, tá afim de ser preso nessa idade? — exclamou o homem.
— Isso é meu!! — Yanaho gritou.
O cobrador perdia a paciência frente às pessoas ao redor, puxando o saco com mais força, trouxe o garoto para perto, lhe dando um soco que o derrubou no chão.
— Chega, vá pra casa! — ordenou no momento que seus companheiros se aproximavam.
— Algum problema, Naoki? — perguntou o comandante.
— Nada, só aquele “zé ninguém” de novo.
As palavras do militar ressaltaram sobre a mente do garoto que se levantava, limpando sangue de seu nariz. Yanaho sacou sua espada e correu por trás do cobrador para atacá-lo.
Todos ao redor se assustaram com o feito, o barulho oco da arma se chocando a cabeça do Senshi ecoou pelo lugar. O homem virou-se para o garoto e percebeu que foi acertado por uma arma feita de madeira.
— Seu maldito! — os outros o imobilizaram no chão — Você está preso!!
Após algum tempo, Yoroho percebeu a demora de seu filho. E com extrema preocupação, corria até os comércios para entender o que havia acontecido. Com muita exaustão, encontrou sua velha amiga para se informar:
— Chika! Onde está Yanaho?
— Já estava na hora — ela colocava a bolsa de mercadorias em cima do balcão — Yanaho foi conduzido por cobradores. Seu filho anda um pouco fora da linha.
— Mas como?! Yanaho não é nenhum bandido ou ladrão. O que ele fez?
— Eles disseram que era um teste pra ver se ele iria respeitar as autoridades. Ameaçaram levar as mercadorias. Bom, não foi nada amigável — explicava enquanto os moradores passavam reparando em Yoroho.
O pai do garoto então percorria o caminho dos presídios da região para resgatar seu filho. Na estrada, ele encontrava uma figura bem conhecida.
— Olá irmão, algo para me contar? — disse Kenichi de forma sarcástica.
Após isso, os dois caminhavam até o presídio da região. Aproveitando resto do trajeto, o tio do garoto explicava o contexto:
— Foi condenado por desacato e ameaça de morte a um militar. Com outras passagens que ele teve com essa idade, foi difícil convencer os Senshi’s de que ele não é uma ameaça. Você tem sorte de eu ser um dos Titulares da região. Mas mesmo com isso eu não consegui livrar você dessa vez. Se continuar assim ele poderá ficar uns anos preso, e assim se tornar uma desgraça para o reino de uma vez.
— Como assim me livrar?
— Você é o responsável direto. Por ser o pai, vai ter que responder pelos erros dele. Como não tem como arcar com as multas, terá que compensar com um acordo de submissão. Vai se colocar à disposição do Reino Aka a qualquer situação em que for solicitado seu serviço, mesmo que seja uma atividade militar.
— Isso é o de menos, se for para que Yanaho não saia prejudicado, eu faço qualquer coisa. Enfim, obrigado meu irmão. Se não fosse por você, eu não saberia o que fazer.
— Aprenda a educar alguém como forma de agradecimento, é o melhor que pode fazer nessa situação. Como sempre, você não consegue fazer nada concreto sem uma certa falha. A reputação de vocês é ruim por conta disso. Às vezes liberdade demais, estimula o orgulho. Pense bem nisso, afinal não quero sujar meu nome.
— Tem razão Kenichi, pode ter certeza que não irá ocorrer novamente. Mas e essa prisão? Para que lugar levaram meu filho?
— Provavelmente o levaram para um cárcere para crianças desordeiras. Não costumam ficar muito tempo, é só um corretivo. E sobre não ocorrer novamente, eu vou me certificar disso antes de liberá-lo.
Chegando ao local, Yanaho se encontrava em um lugar fechado, escuro e frio. A cela foi aberta chamando atenção do garoto. A luz entrou, cegando o garoto por instantes, quando reconheceu seu familiar que estava com duas chaves em mãos.
— Rapaz, quem você pensa que é? Me responda! De forma sincera! — perguntou, olhando o menino de cima para baixo.
— Um cidadão.
— Cidadão? Cidadão com duas passagens por rebeldia, e até ameaça de morte. Isso pra mim é ser um criminoso. Um mimado que não sabe se conter diante de autoridades!
— Não é como se eu não quisesse melhorar.
— Veja bem, é melhor que você se submeta à lei. Independente se está se sentindo injustiçado ou não. Não cabe a você ditar o que é justo. Você tem apenas 14 anos, aproveite esta oportunidade que te dou como a última chance de não ser preso como um criminoso!
— Tio, eu preciso fazer minha vida valer a pena. Minha mãe e meu pai, me encarregaram disso, você sabe. Eu me sinto só como um camponês que não tem possibilidade nenhuma de treino ou de aprimorar minhas habilidades. Não tenho culpa disso! Eu sei que poderia ser só como as outras pessoas mas… eu tenho que fazer a diferença no mundo. Então… eu só queria ter uma oportunidade.
— Hm, por isso a espada de madeira?
— Sim… não queria usá-la para o mal. Eu juro!
— Entendo. Quando eu tinha sua idade sempre me colocava à disposição de seu avô para o que ele precisava. Não desrespeitava autoridades, pelo contrário, buscava aprender com elas. Então comece pelo básico. Se você é apenas um cidadão, se conforme com essa posição hoje.
— Certo — ele balbucia.
— Mas se o problema é a falta de oportunidade meu sobrinho... você já ouviu falar de uma Cidadela Restrita no território Shiro?
— Do que você está falando?
— Se você se comportar e se submeter às autoridades como o cidadão que diz ser, posso falar mais sobre. Aprenda a lição de nossa hierarquia, e então lhe darei uma chance. — Kenichi abria a cela para o jovem.
Quando todos os procedimentos foram feitos, Yanaho foi liberado e conduzido pelos corredores até a saída, onde reencontrou seu pai.
— Pai eu…
— Yanaho! — disse o abraçando com força — me prometa… que nunca mais vai fazer isso.
— Eu… Eu prometo.
No entardecer, eles seguiam em direção a fazenda que trabalhavam, onde ficava sua casa. O silêncio de Yanaho por toda a viagem acabou por incomodar seu pai.
— Que cara é essa? Estamos indo pra casa, fique tranquilo — disse já bem abatido.
— Eu fui repreendido de todas as formas possíveis. Não tenho problemas com os militares, eu só queria que as coisas fossem mais justas pra mim. Mas mesmo depois de tudo, ainda assim… não consigo ver justiça nisso. Ter que me desculpar com todos, tudo o que aconteceu poderia ser evitado… — de repente notou seu pai desabando ao seu lado e o segurou a tempo — Pai?! O que houve?!
— Não se preocupe… devo estar fraco por todo o susto e, sabe, ainda não comi hoje. A gente precisa de um descanso.
Os dois se aproveitaram de uma colina, que carregava uma boa vista do céu alaranjado.
“Se eu pelo menos pudesse ser melhor… se ao menos eu fosse reconhecido, se eu pudesse estar em um lugar para fazer a justiça valer. Você não teria que passar por isso”, refletiu olhando para seu pai.
— Pai, me desculpe por tudo… eu tenho sido apenas um rebelde que nem ao menos sabe o que é justo para os outros. Mal tenho conseguido ser alguma coisa pra você, quem dirá para o mundo… Então me perdoe por não ser o que minha mãe pretendia que eu fosse — disse se levantando do chão.
Percebendo a mudança em seu filho, o homem sorriu contemplando a vista, e questionou:
— Meu filho, olhe bem para o horizonte... O que você vê?
— Está anoitecendo.
— Olhe com atenção.
— O pôr do sol?
— Exato! A energia iro nos pertence, e envolve cada ser existente, na verdade acredito que até a qualquer coisa criada neste mundo. Em tudo pode se conectar, independente de sua cor. Mas nenhuma cor se sobrepõe à outra. Todas elas tem um momento, de acordo com um equilíbrio.
— Como assim?
— Simples, quando o céu está azul os Ao de certa forma são privilegiados. Ou até mesmo em um dia chuvoso. Com o sol escaldante, os Kiiro se aproveitam de sua potência. Já à noite, os Kuro têm vantagem. Porém, quando se aproxima a temporada do inverno, é o momento dos Shiro. E então tem o pôr do sol… é o momento de nossa ascensão com a energia celeste! — ele aponta em direção a paisagem — Em todos os casos há uma variável, não é sempre que uma cor está sendo privilegiada, nem prejudicada, o que há sempre são momentos.
O garoto se distraiu com a paisagem em sua frente, obrigando Yoroho a pegá-lo pelo ombro para terminar sua fala:
— Meu filho, dê tempo ao tempo. Eu e sua mãe acreditamos muito em você. Você não nasceu para ser um qualquer. Veio para esse mundo para obter sua ascensão. Como o pôr do Sol, você será a evidência para as pessoas. Então se quiser ser reconhecido, mude! Mude você, mude as pessoas, mude o mundo! Faça o bem… só assim poderá ditar sua própria justiça. E sempre… sempre acredite em si mesmo!
Quando terminou de ouvir seu pai, retornou a olhar para o sol se pondo. Então ele esticou sua mão em direção ao horizonte e disse:
— Eu Acredito! — finalizou fechando seu punho.
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