No cordioso castelo do Império Ao, o príncipe Suzaki despertava para a sua partida. Na medida que separava seus pertences para a viagem, o príncipe sentiu as mãos tremerem. Ele segurou elas com força para se controlar, quando ouviu a porta de seu quarto abrir. Imediatamente, ele virou-se, colocando os braços por trás do corpo.
— Algum problema, alteza? O imperador protesta contra sua demora. — disse Masao espiando.
— Não, nada. Eu já vou indo — Suzaki chega perto para fechá-la.
Após a visita surpresa, Suzaki olhou para o espelho ao lado da porta e fitou-se por uns segundos, puxando o colarinho da roupa para baixo. O tecido escondia uma cicatriz, pouco abaixo do ombro.
“Não posso ficar nervoso dessa vez. O que há de errado comigo?! Sabe o que vai acontecer se falhar. Você não pode ser um fracasso! Você prometeu não ser fraco!”, refletiu, soltando o colarinho, pegando suas coisas e descendo até o saguão principal do castelo.
Descendo as escadas em meio aos gritos do lado de fora, Suzaki encontra sua tia passando pelos guardas para cumprimentá-la.
— Toda essa demora para levar só isso? — reparou na bolsa carregada pelo menino.
— Não se preocupe. Estarei bem — explicou, enquanto continuava andando — Sinto muito, estou com pressa.
— Fugindo de mim? Mas sou eu que vou te acompanhar, garoto. Vamos, está dispensado Masao. — ela puxa o garoto para perto de si.
— É isso mesmo? — perguntou, ao mesmo tempo que o mordomo dava um aceno positivo.
— Vou te levar para sua apresentação antes da partida. Você esqueceu?
— É que o senhor Masao costuma me acompanhar para minhas tarefas.
— Pois bem, mas isso é uma missão, não uma tarefa qualquer. Fui eu que planejei a sua rota pelo continente então você é meu por agora.
Após isso, os dois caminharam por alguns metros, a curiosidade do garoto o levava a questionar o que sua tia havia planejado para sua viagem:
— E então, para onde devo ir primeiro?
— Pois bem, aposto que já viu um desses… — ela apresenta um pergaminho.
— São os registros das regiões, entre as seis cores e as cinco nações?
— É um mapa do continente, um dos nossos antigos, apesar de você só ter conhecimento de seu próprio território. Nós do Império temos noção sobre outra área que é fronteira para três territórios distintos.
— Que área é essa? E por que temos conhecimento dela?
— É a Floresta Hercínia. Ela fazia parte do nosso território, mas por disputas territoriais digamos que ela está sob vigilância dos Midori agora. Mas claro, ainda é nossa por direito. Se tornou inabitada pelo perigo que apresenta. Se conseguir atravessar pode se infiltrar facilmente no território vizinho, claro, se tomar cuidado.
— Certo, seguirei seu conselho. Agradeço pela assistência, tia!
— Que engraçado, quando seu irmão estava partindo a anos atrás eu dei a mesma dica para ele. A diferença foi a resposta dele. "Não preciso que ninguém me diga o que fazer.", o resultado foi um braço destroçado por um urso.
— Ele devia ter algum motivo para te dar essa resposta.
— Seu irmão é egocêntrico demais. Cá entre nós... se existe um nome ruim para herdar o trono de seu pai, esse é Satoru Sora. Mas você é diferente. Sua resposta prova isso. Por isso tem minha confiança, Suzaki!
Ele acenava positivamente com a cabeça, ao tempo que continuavam conversando e estabelecendo possíveis estratégias, no caminho para chegar até o local de apresentação.
Chegando na mesma arena que lutou há uns dias, Suzaki reparou numa quantidade maior de pessoas. Ele olhou para as janelas transbordando de cabeças, bandeiras esticadas pelas sacadas e diversas vozes gritando seu nome, cujos os rostos ele já não via há muito tempo. O pátio era cheio o bastante para o garoto precisar de uma escolta para chegar até seu pai.
Entrando no local aberto, se ajoelhou perante seu pai, que se levantava do trono frente aos líderes que compartilhavam o governo. Indo adiante Koji tomava fôlego para discursar ao seu povo:
— Eis que chegou o grande dia! Meu filho enfrentará o maior desafio que qualquer um de nossos Heishi's já enfrentou. Talvez, qualquer militar deste mundo. Tenho convicção que não falhará! Seu legado será selado eternamente após isso, recebendo a honra de ser o primeiro Heishi Celestial de nossa história e futuramente, o primeiro herdeiro a suceder o pai no trono do império! — diante das breves palavras, o povo gritava e festejava pelo grande momento.
Levantando-se e indo em direção à bancada, Suzaki precisava assinar um compromisso com o Império Ao, que estaria de acordo com o plano estipulado para a peregrinação. No tempo que encarava o contrato, ele se recordava da última reunião que teve com as autoridades, no qual ficou claro seu verdadeiro dever:
“...a verdade é que você irá como um espião. O verdadeiro plano para o rito de passagem é: Espionar e adquirir documentos e habilidades de todos os outros territórios! A fim de liderar o Império Ao no futuro, e quando chegar a hora, o continente inteiro..”, lembrava molhando um pincel em azul.
“...conheça os pontos fracos, as aberturas, relate tudo neste caderno de anotações. Não desvie seu olhar nem por um segundo disso. Ou se não, vai falhar em trazer os resultados esperados por mim.”
As palavras de seu pai saltaram à mente do garoto, enquanto terminava de assinar em azul o documento, mostrando-o a plateia que o ovacionou.
— Suzaki!! Suzaki!! — O povo gritava para a surpresa do garoto. Seu pai o abraçava com um sorriso de satisfação em seu rosto.
Todos se curvaram uma última vez para o príncipe ao final da cerimônia. Após se despedir de seus entes, Masao se aproximou de seu nobre para cumprimentá-lo uma última vez.
— Mestre Suzaki, se cuide viu? Estarei aguardando sua volta…
— Obrigado, senhor Masao. Sentirei sua falta.
— Que coisa, menino! — ele se espanta — Não deve sentir falta de um servo como eu.
Suzaki virou as costas e saiu andando para fora da capital.
“Também sentirei sua falta… alteza.”, pensou o criado acenando
Antes de prosseguir caminho ao encontro com as autoridades que o esperavam, o príncipe notou um encapuzado o observando próximo a uma árvore.
“Voce é…”, percebeu a manga esquerda da veste folgada, como se faltasse um dos braços.
Ele seguia o encapuzado que andava rápido em direção a capital, se aproximando tentou chamar sua atenção:
— Satoru, é você?! — o chamado de Suzaki fez o indivíduo parar ainda de costas.
— O que é que você quer?
— Não te vejo faz tanto tempo, por onde esteve?
— Pelas ruas como sempre. Agora me deixe em paz. — prosseguia em frente.
— Sei que deve ter seus motivos para ser assim.
— Para de dar uma de bonzinho. Quer que eu te deseje sorte? — se vira com os olhos brilhando em azul — Espero mais é que você fracasse assim como eu! Só assim vai sentir na pele e entender… —Interrompia sua fala de repente.
— O que há de errado?
— É que… Está indo para a floresta Hercínia, correto? É perigoso, se você morrer nosso pai pode ficar inconsolável — voltava-se ao irmão, com um os olhos arregalados.
— Pensei que quisesse meu fracasso.
— Veja bem, seu fracasso não pode significar sua morte. Eu estou aqui não estou? Quero seu bem, seu idiota! Olha só, ursos e outros predadores se fazem muito presentes por lá, para evitá-los corra, corra muito — disse Satoru já virando-se para tomar seu caminho — Arrogante como você é, seu maior erro é pensar que pode vencê-lo.
— Eu nunca pensei nessa possibilidade.
— Pois é. E por isso que estou avisando. Me agradeça quando nos vermos novamente. Espero que seja bem cedo.
Após aquelas palavras, Suzaki não soube bem como reagir, apenas observou seu irmão partir para a capital. Ele por sua vez seguia em direção oposta.
Se reunindo com as autoridades do império Ao, o candidato a Heishi Celestial, se despedia dos generais que o treinaram até ali.
— Vá meu filho — o Imperador guiou o garoto sendo o último que se despedia — Espero que depois desses anos, chegue aqui como um homem de verdade! Eu sei que você vai conseguir, porque eu escolhi você!
O jovem finalmente seguiu sua viagem sozinho em direção ao seu primeiro destino.
“Eu vou voltar. Estarei pronto para tudo que jogarem em minha direção, por tudo que meu pai sacrificou por mim… Eu serei o Heishi Celestial!”, concluiu acenando para trás.
Ele percorria a floresta fronteiriça com velocidade. Era um lugar hostil, com seus predadores selvagens e répteis venenosos. Quanto mais se aprofundava, mais percebia que a natureza, quando não esmagada pelos concretos da civilização, podia ser muito criativa na arte da morte.
“A quietude deste lugar me faz perceber o por que é inabitado. É provável que essa região só seja importante pelas suas fronteiras, mas então o que aconteceu para perdemos esse território?”, pensou usando sua arma para abrir caminho.
A luz do Sol penetrava com sutileza por entre as árvores, a escuridão fazia com que qualquer som fosse suspeito.
Essas circunstâncias lembravam o garoto de seus estudos sobre o assunto. Bem cedo em sua vida, os grandes botânicos, zoólogos do Império foram convidados para ensiná-lo sobre as florestas.
“Mantenha-se nas árvores. Predadores terrestres se camuflam e saem das sombras apenas para o golpe final. Armadilhas de caçadores também são difíceis de distinguir na escuridão. Nas alturas, deve se tornar alvo de serpentes, precisa se cuidar para não ser uma presa fácil…”
O garoto se recordava dos momentos com os professores. Abrindo caminho pelo matagal, em um piso descuidado acabou por furar levemente sua perna em um espinho.
“Em hipótese alguma, coma vegetais que você não tenha cultivado por conta própria. Tente se manter alimentado por animais caçados por você mesmo. A primeira coisa que deve fazer é procurar água na região…”, lembrou do conselho do botânico.
Pouco mais de uma hora se passou, e o jovem ainda vagava pelo verde como se estivesse andando em círculos. Estava perdido, precisava traçar uma rota de acordo com algum local familiar.
O príncipe distinguiu a origem de um som, como um rio correndo por ali perto. Ele se esgueirou para perto, molhou o rosto, bebeu um pouco e guardou o resto num cantil que trouxera
“Encontrei algo diferente por aqui, tomarei esse lugar como ponto de referência. Tendo água vou ter energia suficiente para…”
Seu raciocínio acabou por ser interrompido, após perceber uma fera nas margens da água. Um urso enorme, com grandes garras, se alimentava de peixes vindo da corrente. O jovem se surpreende por um instante, com o tamanho da criatura, mas logo começou a andar aos poucos até sua arma, que estava logo ao alcance do chão junto a sua bolsa.
“Como não notei isso?! Será que pela minha exaustão?, pensou, não desviando o olhar da criatura nem por um segundo, medindo seus passos.
Frente ao perigo, Suzaki se lembrava de uma das últimas orientações de seus professores.
“A vida selvagem não é algo exatamente almejado pelas pessoas. Portanto, todos tentam evitar estradas e caminhos por regiões mais hostis. Não espere conseguir ajuda. Você está lá para aprender na prática, não fazer amigos.”
Com a arma ao alcance, Suzaki ergue-a do chão. O barulho do metal provoca o urso, que tenta intimidá-lo com seu tamanho.
“Não houve um oponente que enfrentei que não fosse maior do que eu.”, pensou “Mas ainda assim, nunca um tão grande quanto esse”
A fera rugia e avançava em sua direção. As mãos de Suzaki tremiam na empunhadura da espada, quando se lembrou do conselho do irmão.
“Corra, corra muito”
Suzaki deu as costas ao animal e disparou em direção às árvores. Apesar de grande e parrudo, o predador chegou a tentar um ataque com sua pata. As garras passaram a um fio de cabelo do jovem, rasgando o tronco da árvore próxima. Em meio a floresta, o garoto mudava de direção constantemente, forçando aquela massa corpulenta a manobrar por entre obstáculos.
Ao desacelerar-la, Suzaki ativou sua aura e, com um giro, abriu um corte na barriga do urso. O animal tenta alcançá-lo com as garras novamente, mas o ferimento deixa-o exposto. Ele aproveita a circunstância para atraí-lo para mais perto de uma árvore.
“Venha mais um pouco…”, pensou conduzindo a fera para trás, preparando o último golpe.
— Agora!
Escalou a árvore de trás e saltou na direção da fera, em um golpe descendente e fatal, atravessando sua lâmina pelo pescoço do animal.
— Desculpe irmão, mas não posso fracassar — disse para si mesmo desativando sua aura — Mesmo assim, correr não foi a melhor das ideias. Na verdade, tenho a impressão de que só agravou as coisas.
Ele seguiu caminho para dentro da floresta, tendo passado pelo seu primeiro desafio longe de casa.
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