A correnteza castigava as rochas quando uma de suas vítimas era retido por elas. Em algum lugar entre a sobriedade e a inconsciência, o garoto forçou os músculos, agarrando a pedra como um tesouro precioso, enquanto a água tentava arrastá-lo.
Cerrou os dentes de dor. Algo estava preso na perna esquerda. Arrastou-se para fora do rio com a força de que tinha e olhou a coxa. Um pedaço de madeira estava cravado próximo ao joelho. Suzaki fechou os olhos, envolveu o objeto com os dedos e puxou.
Após engatinhar por alguns minutos, ouviu gritos e passos velozes vindo da floresta, que vinha em sua direção. O garoto enfrentava os protestos de seus músculos a dar alguns passos em terra firme, buscando esconderijo na escuridão entre as árvores.
— Anda, logo! Com o luar fraco assim, fica difícil voltar para o acampamento. Esse lugar já é um breu em plena luz do dia.
— Tá com medo do escuro, é?
— Atrasem mais um minuto e vou mostrar algo que bota medo de verdade.
O príncipe contou uma dúzia de homens. Todos armados, seja com espadas ou arcos. Eles coletavam água do rio em alguns baldes que trouxeram.
— Floresta estúpida, tarefa estúpida — um deles chuta o balde no chão.
— Ei, não é para entornar a água. Enche de volta!
— Pra quê?
— A grana pelo serviço é boa, a gente só tem que esperar.
— Já chega, os dois! É para falar menos e trabalhar mais. Querem receber? Então tratem de ajudar na sobrevivência.
—Tudo isso para uma criança mimada...
— Exceto que essa criança é da família real. Eu não espero mesmo que um cabeça oca como você entenda. Por isso que está aqui pegando água.
Suzaki encolheu-se atrás da árvore que estava e prendeu a respiração, refletindo:
“Outros atrás de mim? Os Midori cederam esse espaço para eles, podem estar cooperando. Mas quem além de mim e minha família saberiam sobre o Rito de Passagem?”
O jovem ia na outra direção do local, porém, sua busca por segurança não terminou com a distância imposta entre os primeiros homens que vieram ao rio. O cansaço e a perna ferida fizeram Suzaki tombar contra o chão em busca de abrigo. Podia ouvir o som de relinchos, anunciando a chegada de companhia. Ele rastejou para uma cobertura próxima, usando as folhagens para protegê-lo.
— Anda, esse vagabundo não pode ter ido longe — disse um dos transeuntes montado num cavalo.
— Eu quero minha comida de volta! — gritou outro passando logo atrás.
Um calafrio passou pela espinha de Suzaki quando um fio de luz da lâmpada da carruagem penetrou por entre as folhas. Mas a urgência do grupo, não os permitiu ver mais de perto quem ocupava aquele esconderijo natural. Para o príncipe, por outro lado, as luzeiras permitiram-lhe ter um outro olhar sobre homens. As roupas vermelhas acusavam sua origem.
“Aka, mas o que fariam tão longe do reino? Poderiam ter usado alguma rota que não percebi no mapa?”
Temporariamente livre dos perseguidores, ele olha ao redor e nota que não estava num arbusto. Os galhos eram maiores e estavam conjugados de maneira muito ordeira. Alguns até amarrados por cordas. Olhou para os pés e percebeu um laço abandonado, nó forte conectado à madeira como num mecanismo.
Quando pegou sua lâmina para cortar o laço, um projétil passou rente à sua face, arrancando sangue antes de ficar preso na árvore à frente. Quando ele se virou, foi atacado por um homem maior e mais forte. De costas para o chão a lâmina em suas costas não era uma alternativa.
Usou o pé que não estava ferido para chutá-lo no peito e levantar. Ele sacava sua espada quando seu oponente atirou o que parecia uma lança. Sua arma de metal chocou-se com a madeira num golpe preciso em seu centro. O corte partiu a arma em duas..
— Quem... É... Você? — perguntou o garoto ofegante.
Sem resposta, o indivíduo se preparou para outro ataque. Suzaki chutou a metade da lança no chão contra o oponente e usou a cobertura para buscar um corte na altura do abdômen.
Os passos para a investida o fizeram sentir uma dor aguda em sua perna. Apoiado na arma como uma muleta, Suzaki recuou e mudou de estratégia. Segurou sua lâmina com os dois braços e ativou sua aura. Bateu com o metal no chão descarregando uma corrente elétrica que estremeceu os arredores e derrubou o homem diante dele. Num esforço desesperado, ele saltou contra o inimigo e impôs sua espada contra ele.
— Me deixa em paz, entendeu bem? — disse pressionando o cabo contra o pescoço do sujeito.
— Eu nunca vi ninguém como você na floresta — tentava se afastar — Não é um dos bandidos?
— Pelo visto você também não. — o garoto recua seu braço.
— E-Eles estavam atrás de mim, mas você é só um garoto!
A realização do homem é interrompida pelo barulho de cavalos e mais homens, atraídos pela técnica de Suzaki.
— Droga, atraímos eles!
— Venha! — o homem tomava o príncipe pelos ombros.
— Para onde vai me levar? — sussurrou o garoto.
— Para meu abrigo.
Eles terminam sua fuga em uma caverna. Uma fogueira ao chão estava apagada, mas rapidamente, seu salvador o colocou no chão e a reacendeu.
— Sou Munny — disse, criando fogo.
— Por que me ajudou, Munny?
— Teve a chance de me matar, e não o fez. Já é um bom motivo.
— Me chamo Suzaki. Por que está aqui na floresta?
— Eu que deveria te perguntar isso. Quantos anos você tem?
— Olha, eu preciso sair daqui. Desse jeito não consigo chegar até Kiiro, poderia me ajudar?
— Eu não sou guia turístico, garoto.
— Minha incapacidade é temporária, você viu isso em primeira mão. Por favor, não posso esperar muito tempo — Suzaki tirava um saco de pano cheio de moedas do bolso — Eu posso te compensar.
— Só pode estar tirando sarro de mim — Munny deu um tapa na bolsa — O que eu iria querer com dinheiro? Escuta aqui, eu moro nessas florestas.
Por um instante, Suzaki olhou ao redor das paredes de pedra iluminadas pelo fogo. Peles e carnes separadas em um canto, lanças de madeira do outro.
— Então, a pessoa que roubou a comida dos bandidos era você! Aquela armadilha no arbusto era sua.
— Exceto que não é muito uma armadilha quando as pessoas rastejam invés de pisarem nela.
— Você conhece essa floresta. Pode me ajudar.
— Conhecia. Depois que esses marginais chegaram, tomaram tudo para si. Esse não é mais meu lugar pelo visto.
— Então, esses homens, se estou certo, querem a mim. Se conseguir me tirar com vida dessa floresta, eles podem ir embora depois de uns dias. E poderá ter sua floresta de volta.
— Ou eu poderia só te entregar para eles, agora que sei disso.
— Poderia, mas então por que teria me ajudado?
— Eu odeio espertinhos. Sempre querem ter a razão — disse franzindo as sobrancelhas.
— E então, o que irá fazer? — perguntou já levando a mão em sua arma por preucaução.
— Certo — suspirou Munny — Se eu te levar até a estrada que dá no deserto, não quero ver sua cara por aqui tão cedo.
— De acordo.
— Melhor ver essa perna. Se pensa que vou te carregar até a estrada, está enganado.
A dupla aproveitou o resto da noite para descansar antes de sua viagem, enquanto seus perseguidores retomavam o caminho para seu acampamento. Os cavalos trotam pela mata com calma para o fogo das lanternas penetrar a escuridão em busca de pistas. Foi quando um dos homens mudou de caminho.
— Ei, vocês viram isso aqui — apontou para o arbusto — Parece que tá tudo amarrado por cordas.
— Sai de perto, deixa eu ver — outro descia do cavalo para averiguar.
Assim que pôs os pés no mecanismo, o laço mordeu seu tornozelo. Seu corpo foi suspenso e os gritos vieram logo a seguir. Os galhos presos se desmancharam com a contração da corda e caíram em cima do grupo, mas não os feriram.
— Fica esperto, seu relaxado. Olha a besteira que você fez?
— Me corta logo, cara!
— Vou te cortar, sim — o bandido pegou uma faca de seu bolso e abriu a garganta do homem pendurado.
— Mas que merda você fez Sota?!
— Nada, ele foi morto pelo fugitivo. O chefe Isao, não vai poder nos negar essa busca depois de uma morte dessa. Nós perdemos o moleque de vista e quando encontramos, já estava assim, fui claro?
— S-Sim, senhor. E depois?
— Ele deixou algum rastro pelo caminho. Se acelerarmos as buscas com os cães pela manhã, podemos alcançá-lo até o final do dia.
O grupo retornou para o acampamento, restava apenas a espera pelo primeiro raio de Sol. De manhã, na caverna Munny erguia-se para apagar a fogueira, mas Suzaki já estava de pé, cuidando de suas feridas, ao lado de brasas já mortas.
— Ei, garoto, esse inchaço não parece nada legal.
— Achei que não fosse me carregar até lá — levantava do chão.
— Tô começando a achar que vou.
O menino ignorou a provocação e só seguiu para fora da caverna. A estrada até a encruzilhada foi tranquila, embora longa. Munny parou a viagem para abater um animal e Suzaki para trocar novamente seus curativos ao meio-dia. Os ventos cresciam em intensidade e o solo tornava-se mais empobrecido na medida que se aproximavam do destino.
Quando se depararam com uma bifurcação na estrada, o jovem príncipe nota um caminho bloqueado por troncos caídos e uma carruagem virada. Pegou seu mapa para comparar com o que lembrava, mas foi advertido por Munny.
— Esse não é o caminho, garoto. Kiiro fica mais à frente. Não dá para ficar enrolando nesse lugar.
— Estranho, essa estrada não está bloqueada no mapa. Um caminho para o reino Aka circundando o deserto — Suzaki então se lembra — Pode ter sido por aqui que eles vieram.
— Essa estrada está bloqueada há quase um ano.
— Então os homens que estão por aqui…
— Sim, um grupo Aka de marginais ocupou a região. Os mesmos que vimos ontem.
— Você tem razão, precisamos nos apressar.
Suzaki guardava seu mapa, quando pôde ver um rosnado vindo de trás. Ele puxava sua lâmina quando um cão saltou contra seu braço. Munny pegou sua lança, mas foi acertado por uma flecha. Três homens surgem com vestes vermelhas. Um equipado com um arco, dois com espadas, além de mais um cão logo atrás.
— Anda, pega, pega! — um deles soltava o último animal da coleira para investir contra Suzaki.
— Me entrega tudo, velhote — os outros bandidos cercaram Munny.
— Aquela caça era minha — Munny tomou uma de suas lanças para se defender — Se quiserem roubar minha comida de novo…
— Seria muito fácil se a sua caça fosse tudo que a gente quisesse. E o pirralho? É teu filho, é?
— Chega, é a mim que você quer. Deixe-o ir! — gritou Suzaki, jogando um dos cachorros para o lado.
— Ninguém quer um bebezão que nem você. Essa sua espada aí é só de enfeite, moleque?
Ao passo que um dos cachorros se feriu e correu mata a dentro, Suzaki pegou o outro e arremessou contra o atirador, que soltou seu arco ao cair. O príncipe o chutou no chão e tomou suas posses.
Os subordinados tentam impedi-lo de ajudar Munny balançando suas espadas contra ele, sem sucesso. Com sua baixa estatura, Suzaki desviou do primeiro ataque e defendeu o outro com sua própria espada. A seguir, girou o corpo abrindo um corte na barriga de seu primeiro agressor, que despencou incapacitado.
— Você vai ver só garoto! Eu vou te esfolar — o homem cai pressionando a mão na ferida.
Naquele momento, Sota já estava com Munny rendido. O último movimento de Suzaki abriu a ferida em sua perna, fazendo o sangue escorrer até os joelhos. O jovem puxou a flecha que tomara de um dos agressores e respirou fundo.
— Você é mais do que um rostinho de bebê. Mas essa sua exibição acaba agora. Qual é a sua com esse velho?
— Eu que devia fazer essa pergunta — Suzaki range os dentes — Podia ter nos deixado ir embora! Não fizemos nada a você!
— Não dá para deixar pontas soltas. Roubou de nós, vai ter que pagar.
— Eu nem tenho mais aquela caça. Estão aqui por nada — debochou Munny.
— Cala a boca — o agressor apertava-o mais forte — Devolve o arco e essas flechas, cara de bebê!
— Como quiser — relaxou os músculos e disparou contra Sato.
A ponta da flecha penetrou o antebraço que segurava a faca contra o caçador. O membro superior de Sato foi jogado para trás com o impacto, abrindo a brecha para Suzaki colocar outra flecha em sem ombro.
Indefeso, o assaltante tentou rastejar para longe, mas um pontapé de Munny o desacordou. Suzaki olhou para trás e percebeu que o homem ferido de antes havia desmaiado com o sangramento. Correu para realizar curativos nele, ao mesmo tempo que seu parceiro amarrava os homens nas árvores pela estrada.
— Desculpa, fiz uma bagunça e tanto.
— Eles estavam atrás de mim, não de você.
— Eles mencionaram uma criança de uma família real ontem, mas sequer demonstraram interesse na minha pessoa.
— Entrei nessa para me livrar dos caras e quem vai pagar por tudo isso vai ser eu. Que irônico isso estar acontecendo de novo…
— Do que está falando?
— Ficou bem falante do nada. Vai abrir a boca sobre onde conseguiu essa espada e como aprendeu a lutar? Então não vem querer saber demais sobre mim.
— Sinto muito. Eu juro que vou te compensar de alguma forma.
— Como pretende fazer isso? Quando encontrarem esses homens, não vão parar até me matarem — o caçador se dirigia com uma lança, próximo a uns dos criminosos desacordado.
— O que está fazendo? Não se atreva! — Suzaki salta na frente com a arma em punhos.
— E me deixar nessa floresta para morrer? Com isso você não tem problema.
— Não devíamos derramar o sangue de todos que travamos combate.
Suzaki não retruca e retoma sua tarefa de fazer os curativos do homem ferido.
— O que muda na sua vida se esse cara morrer ou não? Ele te atacou primeiro.
— Não posso matá-los, é errado. E se tiver alguém esperando por eles?
— Hm, que seja! A estrada em frente segue viagem para Kiiro. Ninguém vai atrás de você a partir disso — disse o caçador indo na direção oposta.
— Para onde vai?
— Essa floresta não é mais lugar para mim, espertinho. Vou encontrar outro lugar, um onde não me encham mais a paciência.
"Obrigado, Munny", pensou vendo o homem partir sozinho.
Deixado à própria sorte, Suzaki guardou sua ira para si. Um dos cavalos que trouxeram os bandidos estava um pouco à frente. A outra montaria, Munny corria para buscar, mais atrás. O garoto arrastou sua perna até o animal, ergueu os braços para acalmá-lo e preparou-se para assumir a montaria. Estalando as rédeas, a outra parte de sua jornada estava a começar.
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