Após o embate entre a princesa e Suzaki, ele girou rápido sua lâmina, obrigando a oponente a se afastar, iniciando sua fuga. Yasukasa seguia em seu encalço pelos túneis subterrâneos da torre no centro da capital Kiiro.
“Droga, não deu tempo de ver o rosto. Aquela lona no corpo estava muito larga, devia saber que ele escondia uma arma”, pensou seguindo até o elevador de onde viera, onde o fugitivo observou os contrapesos.
— Um intruso! Não o deixem escapar! — os gritos da princesa podiam ser ouvidos pelos Kishis de cima.
O jovem prodígio cortou a corda, desequilibrando o mecanismo. O solavanco o lançou até o alto com força, a ponto de fazê-lo saltar para fora da plataforma antes, com a inércia jogando o pedaço de madeira até o chão, onde se espatifou em vários pedaços.
— Droga! — disse Yasukasa abaixo, correndo por outro caminho.
Os Kiishis que ouviram o estrondo correram para parar Suzaki, mas foram incapazes de acompanhá-lo, quando tomou as escadas da torre e pulou por uma das janelas.
Ele tirava um tempo para descansar e decidir o próximo movimento, quando uma flecha passou rente ao seu rosto. A preocupação com os arqueiros, o fez descer para as ruas entre a população transeunte. O pouco que vira no telhado já permitiu que tomasse a noção de onde estava e para onde tinha que ir.
— Peguem ele! — A corrida se instalou pelas ruas da capital.
Seus perseguidores empurraram pessoas, trouxeram cavalos e causaram caos nas ruas. Os guardas o perderam num beco, porém uma única pessoa o seguiu por todo o caminho.
“Será que os despistei?”, pensou enquanto tomava fôlego.
De repente uma lança atravessa um muro fino, por onde Suzaki tinha pulado para se esconder. Sua ponta estava a poucos centímetros do rosto, fincada no concreto, seguido por sua retirada e outro ataque vindo do alto, que foi desviado pelo príncipe.
— Te peguei! — a princesa se revela novamente.
Reconhecendo sua atacante, ele puxou o capuz para perto e avançou. Como se empunhasse um cajado, ele desferiu um golpe de cima para baixo contra a lança de Yasukasa e girou para as suas costas. Suzaki usava os braços para segurá-la, pressionando sua nuca.
Ainda que desarmada, a princesa jogou a cabeça para trás, acertando o nariz de seu inimigo. Forçado a soltar, ele reagiu com uma rasteira, que a derrubou por um instante.
A brecha criada, concedeu-lhe o tempo para que agarrasse a lança e fugisse com as duas armas para mais longe. Yasukasa o perderá por preciosos segundos, mas ela tentava continuar a busca.
Ela seguia pela rua, quando os arqueiros gritaram do muro:
— Alteza, ele está fugindo! Uma carruagem para oeste. Reconheci pela lona.
Outros Kishis em seu encalço passaram por ela e ofereceram condução. Ela sobe em um dos cavalos e persegue a carruagem até uma encruzilhada na estrada. O condutor saltou desesperado do transporte com o pequeno exército atrás dele.
— Por favor, eu não fiz nada. Só me pagaram para transportar essas sementes! – ele se ajoelhou perante o Kishi.
Yasukasa poupou o trabalhador de seu próprio sermão e deixou os Kishis checarem seus documentos. Ela foi até o assento do passageiro e notou a ponta da arma à mostra, por baixo da lona.
Mas aquele metal era muito familiar a ela, não parecia com a arma que ela viu nas mãos do sujeito. Quando retirou a lona, suas suspeitas se confirmaram. A lança que Suzaki havia tomado dela estava cravada no saco de sementes, que derramavam no chão da carroça.
— Vamos andando! Fomos enganados. Não é um criminoso qualquer, ele leu documentos valiosos da dinastia. Temos que vasculhar todo o território, ele com certeza não está longe.
De saída da capital, Suzaki embarcava noutro transporte.
— Chegou bem na hora garoto. Saí da fila e lá estava você me esperando. Por que veio para cidade mesmo se já vai sair? — perguntou o cocheiro.
— A cidade não era tão receptiva quanto achei.
— A coisa tá tensa mesmo. Por isso que prefiro o interior. Ai, como é bom ter essa permissão de volta. A fila estava tão grande que pensei em desistir.
— Sorte minha, então, eu acho.
A viagem continuou a madrugada toda. O sol nascia quando os dois se despediram após o pagamento de Suzaki. O caminhar do príncipe seguiu o mesmo trajeto da ida, pelo rio. Uma vez mais, ele havia retornado a casa daqueles que o acolheram.
Do lado de fora, o filho deles brincava com um graveto quando viu o antigo visitante retornar. Ele levantou-se, e ensaiou correr, mas Suzaki ajoelhou-se para perto.
— Aqui, você quer? — ofereceu sua ocarina — Eu posso te ensinar.
O menino abriu um sorriso, mas ao mesmo tempo se segurou para aceitar o convite. Sua indecisão foi resolvida com uma voz vinda da janela:
— Então você voltou? – a mãe chamou por Suzaki.
Nesse momento, o pai da família saiu pela porta para acalmar o filho e saudar o viajante.
— Que bom que pudemos nos encontrar de uma forma mais amigável. Aliás, eu nem me apresentei: sou Okada. Esse grandão aqui — pegou o menino nos braços — é o Akio. E aquela é minha esposa, Rie. Entre, seja bem-vindo.
O grupo dividiu uma mesa juntos, mas Suzaki não tirava os olhos da lápide que vira na saída.
— Algum problema, meu jovem? Parece preocupado — perguntou a mulher.
— Não, nada. É só que... Minha viagem à capital não foi como esperava.
— Aquela gente é muito paranoica. Ao primeiro sinal de problema já saem levando Kishis para lá e pra cá sem motivo — disse Okada, usando mais força que o normal cortando legumes na mesa.
— Acalme-se, querido. Pelo menos aqui no interior não precisamos se preocupar com isso. Somos todos uma grande família, essa é a região menos militarizada do território.
— Isso só acontece porque a família real está ocupada demais para cuidar das vilas desérticas. Me pergunto até quando isso vai durar.
— Senhor, desculpe a curiosidade, mas isso tem algo a ver com aquela lápide? — após o questionamento de Suzaki, Okada paralisava.
— Akio, você já comeu bastante, pode ir para o seu quarto, amor — disse Rie ao seu filho que obedeceu de imediato.
Um silêncio tomou a sala de jantar. Okada levou as mãos à cabeça, sua esposa o abraçou por uns instantes, mas decidiu deixá-lo a sós, puxando Suzaki para uma conversa particular em outro cômodo.
— Por favor, não é muito bom falar disso sobre ele. Desculpa pela perda de postura do meu marido. Não queremos ser grosseiros.
— Eu nem sei o que está havendo, senhora, de quem é aquela lápide?
— Bom… aquele é nosso filho mais velho, o Hajime.
— Um Kishi?
— Tinha acabado de se alistar para uma missão emergencial da Dinastia. Nós o apoiamos, ele parecia tão animado em poder contribuir. Alguns dias depois, só recebemos uma carta da sua morte. Tivemos que ir até a capital para pedir o corpo de volta e enterrá-lo. Foi a última vez que todos nós pisamos lá.
— Deixe-me falar com ele.
— Nesse estado, não gosta de falar nada. Você só vai piorar.
— Nem que ele só me escute.
O príncipe retornava à mesa onde Okada tentava processar suas memórias. Puxou uma das cadeiras e sentou-se ao lado do pai.
— Eu não sei bem como aconteceu, senhor. Mas eu consigo imaginar a sua dor. Um pai não deveria sentir falta do filho. Eu sinto muito por ter perguntado, na verdade, por tudo. Julguei vocês mal.
Okada reagiu somente com soluços mais fortes. Seu choro piorava, porém durante todo o tempo, lá permanecia Suzaki ao seu lado.
— Sua família precisa de você, tem o dever de cuidar deles.
— Como você saberia? — balbuciou Okada.
— Porque minha família também me deu um dever a cumprir. Temos que ser fortes por eles, apesar das perdas. Era o que Hajime iria querer.
Okada concordou com a cabeça. Pouco tempo depois, Rie voltaria para a mesa para ajudar a consolá-lo junto com Suzaki. O candidato a Heishi Celestial pausou suas viagens por dois dias.
Era de manhã quando Okada o levou à colina atrás de sua casa. Plantada naquele lugar, estava a lápide de Hajime.
— Já tentei deixar flores, mas aqui no deserto, o vento leva tudo — descia Okada para olhar a lápide com cuidado — De vez em quando eu preciso voltar aqui para retocar as letras nela.
— Ele foi um Kishi. Por que não teve um enterro digno?
— Prefiro ele aqui do nosso lado.
— Um Kishi esquecido, sem reconhecimento, não sei se vale a pena.
— Ele pensava assim também,vivia dizendo que queria ser importante, que queria ser reconhecido. Mas a verdade é que pra mim, ele era nosso filho, nada importa mais do que isso.
Levantando-se das areias, Suzaki reparou nos Kishis marchando pela pequena cidade, do alto da colina.
— Veja que coincidência — disse Okada — Faz anos que eles não aparecem por aqui.
— E-eu preciso ir, agora! — descia com pressa.
— Espera Suzaki, mas para onde você vai?
— Sou um viajante, existe uma cidadela mais ao sul do continente, não se preocupem — disse juntando sua espada, enrolou-a na lona e já se preparava para abrir a porta.
— Você pode voltar quando quiser — se despediu Rie.
— Obrigado por tudo — abriu a porta dando de cara com um dos homens da lei que havia visto antes da colina.
— Jovem, chame para nós o homem dessa casa.
— Eh, claro, sem dúvida — despistou Suzaki olhando para trás, quando Rie surgiu para acudi-lo.
— Me desculpe, ele está um pouco ocupado. Vamos, entrem. É que o garoto já estava de saída.
— Entendo, mas para garantir a investigação, você deve ficar — insistiu o Kishi.
“Droga… se estiverem atrás de mim estou encrencado. Até porque começar um combate aqui poderia afetar essa família…”, pensava segurando sua arma com força, enquanto olhava para Akio com medo.
De repente uma figura que passava vagarosamente pelos homens de armadura chamou sua atenção. Ela pedia licença a cada Kishi que passava, agradecendo igualmente pela obediência, chegava até a criança acuada.
— Não tenha medo, sua mãe está ali… viemos proteger vocês — disse sorrindo levantando a criança.
A jovem era baixa, cabelos loiros na altura dos ombros e olhos amarelos que voltaram sua atenção a Suzaki.
“Essa não me parece ser uma Kishi.”, pensou percebendo ela se aproximando.
— Olá, isso deve ser chato para vocês passarem por isso, mas precisamos mesmo checar todas as casas. Prometo que seremos rápidos, não desejo atrapalhar nenhum de vocês.
Sem reação, Suzaki só podia acenar com a cabeça positivamente.
— Ótimo, pode me levar até os fundos? Estou conduzindo essa investigação, os Kishis vão fiscalizar o resto da casa. Garanto que se nos ajudar será liberado rapidamente, atrasá-lo seria desagradável.
— Bom… acho que tudo bem — respondeu Suzaki.
A convidada surpresa é guiada por seu anfitrião para o local, onde as plantações de Okada ficavam. O chefe da família era interrogado pelos guardas, Por sua vez, a moça olhava com muita atenção para o terreno, pisando com cuidado para não interferir no trabalho do dono da casa.
— O que estão procurando afinal?
— Quem quer que tenha fugido da capital, pode ter vindo aqui. Às vezes as pessoas daqui se tornam cúmplices e nem sabem. Uma arma enterrada no jardim, um item roubado que surge da noite para o dia no porão. Por isso, temos uma certa urgência. Não quero que essas famílias sejam castigadas pelos males de outros.
— E o patriarca? Ele também partilha da sua caridade?
— Quem cuidou dessa terra cavou bem fundo, mas as sementes não germinam. Talvez não sejam resistentes ao calor que faz aqui. Ele precisa de outras… — a garota virou-se para Suzaki — Oh, me desculpe, me perdi no que dizia.
— Você diz querer preservar as famílias, mas ouvi dizer que a dinastia mal envia segurança e suprimentos para essa região.
— Há muita tensão na capital e arredores — a garota deu meia volta em direção à casa — Qualquer pequeno crime pode se tornar uma traição, ou até uma declaração de guerra no exterior. Acho que esse tipo de desespero não é algo que precisamos ter, mesmo que tenham invadido uma região sigilosa na capital.
— Quem seria capaz de fazer uma coisa dessas? — acelerou o passo, colocando-se entre a inspetora e a porta dos fundos.
— Eu não sei, Kiiro fez alguns inimigos no passado. Mas quer saber o que eu acho? — esticou o braço pegando no saco de sementes numa mesa ao lado da porta, escrito “Aka” — Penso que nos importamos demais com inimigos das outras cores e esquecemos do nosso povo. Assim qualquer uma família que só quer passar o ano sem fome, se tornam um perigo.
“Ela já deve ter ligado os pontos… é minha chance de fugir.”, se aproximava enrolando:
— Então acredita que essa busca pelo invasor é fútil? — colocava Suzaki a lona com sua espada no chão, pronto para desamarrá-la.
— Se for para puni-lo, sim. O medo nos faz julgar rápido as pessoas — levantou sua cabeça para ver lápide no topo da colina — Conhecendo nosso suposto oponente, podemos apenas conversar e dar uma chance dele mudar de idéia.
Suzaki olhava fixamente para a garota na sua frente, esperando por uma reação. Um grito de aviso, um chamado por um Kishi, mas nada veio. Contudo, a sua resposta para aquela autossabotagem foi um mero sorriso.
— Desculpe, eu falo demais — riu a visitante — Está livre para seguir sua viagem.
— C-Como? Por quê?
— Ué, você não é um viajante? Estava de saída agora a pouco. Não se preocupe, eles estarão liberados em pouco tempo.
— Mas eu nem contribui na investigação — tomou sua espada amarrada na lona do chão.
— Ajudou sim, aliás, pelo pouco tempo que nos conhecemos, percebi que por trás de sua desconfiança, há uma pessoa digna e generosa. Tome cuidado, que você encontre o que procura em sua jornada.
— Entendo… eu agradeço. — disse partindo pelos fundos acenando com um sorriso discreto, sendo observado por um dos Kishis que acompanhavam a garota.
— Princesa Hoshizora! Por que o deixou partir sem nos contatar?
— Deixem de ser chatos! Ele só quer seguir viagem.
Já um pouco distante, Okada observava Suzaki partindo em meio às dunas. Agora, restava para o príncipe retomar a viagem rumo à cidadela restrita em território Shiro.
Arte de Hoshizora Kiiro:
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