Em um sono profundo, um garoto escutava gritos pelo seu nome. Durante o sonho, ficou diante de um homem. De costas para o garoto, não era possível ver seu rosto, mas portava uma capa branca que descia até seus pés.
“Yanaho”, alguém o chamava ao passo que um exército marchava por eles. Para além do som das botas castigando o solo e do chamado pelo garoto, um único barulho era grande o bastante para sufocá-los. Era uma batida de coração.
— Yanaho, acorde! — seu pai o balançou na cama.
Saltando da cama, Yanaho gritou antes de responder — Ainda nem amanheceu. O que houve?
— Está tudo bem? Está suando…
— Eu tô bem. Deixa para lá — disse Yanaho, levantando-se da cama — O que tem para eu fazer?
— Hoje é dia dos impostos. Preciso de um dinheiro extra, o senhor Akemi me recomendou num serviço. Preciso ir lá antes da chegada dos cobradores, e você vai me ajudar.
Yoroho tomou sua caixa de ferramentas e seu filho consigo e saíram de casa. Ao chegarem aos limites do terreno, Yanaho pulava por cima da cerca, arrancando um sorriso do rosto de seu pai, que cruzou pela abertura ao lado.
— Qual a graça?
— Opa, nada, nada, é só que acho que nunca te vi com tanta disposição antes.
— É acho que você tem razão… Eu não sei como explicar, mas me sinto mais vivo, como se estivesse em conexão com alguma coisa.
— Isso deve ser sobre a praticidade.
— Prati o que?
— Praticidade. Eu não sou especialista, mas quando se pratica algo, tudo fica mais fácil. Sua energia iro entra em um ciclo onde ela se adapta a rotina, de acordo com seu desgaste. Quanto maior e mais pesado os compromissos, mais essa energia é estimulada.
— Eu gasto mais energia para ficar mais disposto?
— A energia iro nos envolve meu filho. A cada movimento ou desgaste, ela se compromete em te manter vivo e estável. E é por isso que quanto mais se conecta com suas incapacidades, mas a energia se mostra capaz em você.
— Esperou eu começar a trabalhar para me dizer isso?
— Se dissesse antes, você diria que eu estava mentindo para te convencer a trabalhar. Achei que precisava sentir naturalmente, descobrir por um ato responsável seu. Não por interesse.
A dupla chegou em seu cliente e passadas muitas horas, seu trabalho estava concluído. Com o dia se aproximando de sua metade, eles retornaram às pressas para a fazenda para receber os cobradores. Entrando pela cerca, Yanaho repara em um conhecido, já na porta de sua casa.
— Ainda bem que chegamos a tempo — Yoroho dizia, cruzando a cerca — Imagina se a gente tivesse parado para comer o que nos ofereceram mais cedo?
— Espera, aquele ali é… — Yanaho dava um passo à frente.
— Olha ali, é o marginalzinho — disse o comandante Yuri.
— Sejam bem-vindos. Se quiserem, posso fazer algo em troca para ajudar — disse Yanaho, se curvando junto com seu pai.
— Pode mesmo? Se for assim, então venha comigo.
— É sério, mas o quê? — dizia Yanaho, sendo erguido por um Senshi e levado junto deles.
— Yanaho! O que estão fazendo? — exclamou Yoroho, levantando-se.
— Não temos nada contra você ou seu filho. Fique aqui, não se intrometa e vai ficar tudo bem — respondeu o Senshi segurando o pai.
Apesar de perplexo por outra condução como a de semanas atrás, Yanaho evitou resistir e permanecia seguindo o grupo em silêncio.
— Aí, rapazes, o marginalzinho foi bem adestrado — reparou Yuri — Naquele dia, por que estava com uma espada de madeira?
— Utilizava para treinos — balbuciou Yanaho.
— Quer ser militar, por acaso? Foi você quem fez?
— Meu pai me deu de aniversário. Ele disse para eu tomar cuidado.
— Devia ter escutado ele. Sabe que é errado ter qualquer arma sem nossa supervisão.
— Era pra ser apenas um brinquedo, mesmo assim eu peço desculpas pela omissão.
— Vamos ver se isso vai bastar quando chegarmos ao nosso destino, garoto.
Yanaho percebia que o trajeto era semelhante ao de quando havia sido preso. Por outro lado, o responsável por sua captura ignorava-o por todo o trajeto desde que o diálogo entre os dois se encerrara.
“Isso é injusto, estou sendo conduzido por algo que já paguei. Por que preciso aceitar isso? Por que chamou minha atenção pai? O que posso fazer?”, pensou assustado.
Seus pensamentos cessaram assim que chegou à base dos cobradores, no centro da vila da providência.
— Isso é uma fortaleza? É aqui onde os cobradores se juntam? — questionou Yanaho.
— Aprendeu a falar de novo, é? — ria o comandante — Sim, e é por isso que está aqui.
— Senhor Yuri, por favor eu não fiz…
— Calado. Não saia daqui até eu voltar! — interrompe a última súplica do garoto.
Os Senshis foram deixados do lado de fora junto com Yanaho, enquanto o chefe do bando fazia suas obrigações na base. Em poucos minutos, Yuri retornava com uma posse do pequeno fazendeiro.
— Parece que o pedido de desculpas serviu. Tome, isso é seu. — jogou a arma de madeira para garoto.
— Assim sem mais nem menos? — dizia Yanaho, verificando se sua arma não estava partida.
— Seu tio me contou da conversa que tiveram. Foi apenas um teste para ver se usa essa espada é por justiça ou por bandidagem. E, você me convenceu.
— Comandante Yuri, eu nem sei como agradecer.
— Quando eu tinha sua idade também queria ser um grande Senshi no futuro. Sei como se sente, mas tenha paciência. Nós lutamos pela justiça, pelo povo. Por mais injusta seja a situação que te coloquem, garoto, erga essa cabeça e lute pelo bem das pessoas ao redor.
— Sim, sim senhor — balançava a cabeça positivamente — Obrigado comandante. Posso ir, agora? Meu pai precisa de mim.
— Eu disse que não te trouxe aqui por acaso. Seu tio tem algo a falar com você. Pode entrar lá, ele está te esperando.
— E quanto a você? — perguntou Yanaho vendo Yuri tomar seus homens.
— Eu tenho coisas melhores a fazer do que acompanhar reunião de família. Já basta minha própria — disse Yuri, com um aceno de despedida.
Após a conversa, Yanaho corria para dentro da forteleza, subiu as escadas até o andar mais alto, entrando na sala dos Titulares. Lá, Kenichi o esperava. Ao vê-lo cruzando a porta, levantou-se da cadeira e estendeu os braços.
— Saudações meu sobrinho. Pelo visto você realmente progrediu.
— Sim, meu tio — se curvou.
— Até se curva diante mim agora? — Kenichi riu — Quando algo está em jogo as coisas são diferentes né?
— Sei que pode pensar que faço isso apenas por interesse, mas eu juro que vou me esforçar pra ser um cidadão decente de agora em diante. Eu estou pronto para a oportunidade.
— Bom, vamos ver. Você vai precisar de uma bússola.
Após o tio dar todas as informações sigilosas como havia prometido antes. O garoto saiu correndo pela porta da sala, seguido pelas escadas, abandonando a região. A pressa do garoto surpreendeu o comandante, que voltava de patrulha e foi de encontro ao seu superior.
— Ele saiu bem animado.
— É bom ver que está dando certo.
— Eu confio no garoto, ele me lembra meu filho.
— Estou dando um voto de confiança nele com a informação que lhe forneci. Afinal é a oportunidade que ele tanto queria, mas não é como se ele fosse virar um militar do dia para noite — disse Kenichi.
— Titular Kenichi! Tem uma visita importante, para o Senhor — anunciou um funcionário que tinha acabado de chegar.
No retorno de Yanaho, seu pai notou a inquietude do menino.
— Por que a pressa? Conseguiu a espada de volta, que bom!
— Eu falei com meu tio, pai, ele me disse algo importante. Preciso ir — disse Yanaho, tomando um mapa que guardara no quarto.
— Ir para onde? Espera.
— Depois eu explico, vou voltar antes do fim do dia. Tchau — saiu de casa carregando um saco com utensílios.
O céu tomava uma cor alaranjada quando Yanaho observou o mapa da região dado por seu tio e começou a recordar das informações fornecidas:
— O Reino Shiro era um reino próspero, foram como espelho para o Reino Aka ser o que é hoje. Eles acabaram sendo extintos por algo que ninguém consegue explicar até hoje, alguns acreditam se tratar de uma catástrofe natural ou algo do tipo. O território do antigo reino ficou sob vigilância nossa, assim como a cidadela em questão.
— Não há perigo nessas áreas?
— Perigo? Eu não sei dizer, são áreas inabitadas, apenas conservadas por nosso povo. É recheada por energia Shiro, e é disso que você pode se aproveitar para ter algo de diferente talvez para ser um Senshi. Você seguirá para o sul de acordo com o mapa, assim que chegar nos cercos. É só atravessar e usar a bússola para chegar até as construções antigas.
“Entendo, vou estar invadindo a fronteira dos Aka com os Shiro, e vou seguir até achar algo além de mata. Droga eu saí com tanta pressa que esqueci de falar do sonho com meu tio.”, pensou, correndo.
Atravessando os cercos, Yanaho penetrava cada vez mais na região. O Sol já caía para baixo do horizonte em terras Shiro.
“Droga, no escuro da noite não vou poder aproveitar muito. Tenho que andar mais rápido”
O camponês atingiu uma espécie de santuário cercado por ruínas. Empolgado, ele contemplava as estruturas que restaram de pé:
“Eu cheguei… essa é a cidadela restrita!”, refletiu com um sorriso, olhando ao redor, antes de se assustar com um movimento entre arbustos próximos. “O que foi isso?”
Deu os primeiros passos para dentro daquele mausoléu e percebeu como o salão era vasto, ocupado por grandes esculturas. Chegando mais perto das figuras, notou os andaimes no teto, mas não percebeu ninguém lá. Estava sozinho, mas sentia uma outra presença ali. Yanaho caminhou para a sala seguinte com os olhos fixos nas estátuas da sala anterior, mas tropeçou em algo, deslizando por uma rampa até o chão.
Ele subia os olhos para ver o que havia na sala e dessa vez não se tratava de um mostruário de estátuas. Aquela ala do santuário abandonado tinha um palco ao centro, erguido alguns metros acima do piso.
Na medida que Yanaho subia ao palco, ele era observado por alguém. O vigia seguia pelos andaimes e, assim que o garoto chegou ao topo, ele saltou sobre suas costas dizendo:
— Atrás de você.
Yanaho como em um reflexo, rolou para o lado, puxando sua espada de madeira. Sua arma durou pouco tempo apontada para a ameaça. Num movimento sutil como uma brisa e tão rápido quanto um piscar de olhos, o vigia partiu a madeira em dois.
— Ei, isso é meu! Espera! Quem é… — gritou se deparando com a figura encapuzada.
Seu oponente pulou na frente, colocando uma das mãos na boca dele, o rendeu segurando uma os braços de Yanaho por trás.
— Silêncio! Não quero machucá-lo, mas precisa me deixar ajudá-lo.
O jovem camponês relutou ao aviso, mas cedeu uma vez que percebeu a relutância do desconhecido em usar sua arma. Era uma espada de duas pontas em formato de relâmpago, tão alta quanto seu portador. O encapuzado soltou Yanaho de seus braços e permitiu que o garoto visse seu rosto. Os dois trocaram olhares e perguntaram em uníssono.
— Por que está aqui?
Yanaho olha de lado para as roupas da figura, tentando compará-la com sua memória.
“A capa dele… está muito suja para ser a do sonho.”
— Estou esperando que responda — o estranho insistiu.
— Foi você quem me atacou — Yanaho rodeava o outro sujeito, que tentava se manter frente a frente com o garoto — Está tentando esconder algo de mim?
— Pare de me olhar assim! Eu sou apenas um visitante e acabei me perdendo por essa região. Vou ficar por aqui, mas somente por pouco tempo. É o máximo que vai tirar de mim, agora é sua vez.
— Eu sou filho de um importante membro da realeza Aka. Um guerreiro bem importante também. É melhor que não tenhamos mais problemas. Vim para a região verificar ameaças à segurança do território — disse Yanaho.
— Então era você que estava me observando ontem?
— Do que está falando?
— Apesar de ser um viajante, reconheço um importante guerreiro quando encontro um — deu um passo adiante.
— Espera, melhor ficar bem aí se não…
— Se não? — o encapuzado em dois passos, aplica uma rasteira que derruba Yanaho antes e apontar sua arma até ele — está mentindo pra mim.
— Ei! Com quem acha que está se metendo!?
— Quem você trouxe para me pegar?
— Do que está falando? Eu estou sozinho!
— Tem alguém vindo de sua direção, pare de mentir e responda. Quem é você de verdade? — deixou sua lâmina se aproximar mais do pescoço do camponês.
— E-Eu sou Yanaho Aka!
O grito ecoou pelos corredores do mausoléu, quando um barulho pode vir dos andaimes do teto. De repente, vindo da escuridão um outro ser, mais alto, juntava suas mãos, liberando um sopro que afastou o encapuzado para a outra ponta do palco. O observador secreto se revelava por sua aura que brilhava em cor branca formando sua silhueta.
— Isso é… — Yanaho tentava completar a frase, contemplando seu salvador — uma capa branca?! — completou.
O viajante se recompunha retirando seu capuz. Ao invocar sua aura azul, Suzaki abre bem os olhos, processando o que acabara de acontecer. Um Shiro bem na sua frente. Trouxe sua arma para perto de si e continuou a olhar fixamente para o possível adversário.
— Fique atrás de mim, rapaz. Vai ficar tudo bem. Nada de mal vai acontecer aqui — disse o visitante.
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