Momentos antes do embate, o homem da capa branca chegava na base militar no centro da Vila da Providência. Quando subiu ao último andar, encontrou o Senshi Titular Kenichi o aguardando.
— Onochi, faz um tempo.
— Um mês ou dois, imagino. Mas como vai o garoto? Ele ainda está arrumando encrencas por aí?
— Desde a última, ainda não, queria entender, por que de tantos garotos você quer saber logo dele.
— Se fosse qualquer um, Kenichi, eu estaria bem longe daqui.
— Ele melhorou seu comportamento nas últimas semanas. Em troca o comandante Yuri devolveu aquela espada de madeira que carregava, e eu forneci a localização da cidadela restrita — falava Kenichi com os olhos nos papéis diante dele na mesa.
— Eu devo ter ouvido errado. Você disse cidadela?
— Sim, algo de errado? — dizia o tio de Yanaho, quando ergueu os olhos percebeu estar sozinho — Onochi?
“Aquele visitante de ontem… Será que?”, pensou Onochi se apressando em direção a localização do garoto.
Completou a viagem logo ao cair da noite, entrou nas ruínas pelo teto e acompanhou seu visitante pelos andaimes. Dentro de alguns minutos, o recém-chegado encontrava os dois garotos prontos para lutar dentro do santuário. Saltando entre os dois, o Shiro separou o embate, mantendo os olhos fixos no lutador com a cabeça coberta.
— E-Ele é um azul? — disse Yanaho espantado.
As auras de poder iluminavam a sala escura, permitindo Suzaki notar os olhos arregalados do homem diante dele:
“Então meu observador de fato, é um Shiro. Seria arriscado lutar aqui, ele parece ser bem poderoso. Mas não vou ter escolha…”, ergueu a guarda.
— Melhor irmos com calma, certo? — levantava suas mãos — Sou Onochi Shiro, um dos sobreviventes do meu povo, apenas faço a vigilância da área — sinalizou com sua aura se enfraquecendo — Vamos lá garoto, não precisa ficar nessa postura.
Confuso, Suzaki desativou sua aura, mas manteve sua arma em mãos. Por sua vez, Onochi virou-se para Yanaho, estendendo a mão.
— Você deve ser o Yanaho, certo? — erguia-o do chão — Eu queria falar com você, mas as coisas saíram um pouco do controle.
— Como sabe meu nome?
— Digamos que conheço seu tio, já explico melhor. Ei! Você aí — exclamou por Suzaki que estava de saída.
“Eu devo fugir? Sendo Shiro, se ele me denunciar, não leva muito tempo até os Kiiro ligarem os pontos e meu disfarce cair. Eu vou ter que…”, antes que pudesse raciocinar um segundo a mais, o homem já tocava sem ombro.
— Não é todo mundo que vem aqui, muito menos sozinho, ainda mais nessa idade. O que te traz aqui?
— Eu sou apenas um viajante. Em minhas viagens, ouvi falar dessa região e imaginei que pudesse aprender mais sobre a energia Shiro.
— O clima lá fora está tão tenso assim? Quando era menor quase ninguém falava daqui. Muito bem. E você aí! — apontou para o outro garoto — Chega mais perto. Se apresente e diga o que faz aqui para o garoto.
— Eu sou Yanaho Aka e quero aprender a usar essa energia também. Quero ser alguém importante.
— Achei que já fosse alguém importante — ironizou Suzaki.
— Nunca vi um simples viajante usando uma arma como a sua — respondeu Yanaho.
— Ora, que necessidade fútil de brigar. Foi tudo um mal entendido. Se os dois querem aprender mais sobre a energia Shiro e suas técnicas, então poderiam se ajudar.
— Vai mesmo nos ensinar?! — gritou Yanaho antes de se conter — Quer dizer, seria uma honra.
— Está ficando tarde e tudo aconteceu muito rápido. Seria melhor se me encontrassem aqui amanhã pela manhã. O dia será longo então tragam o que comer.
— Com certeza! — respondeu o camponês.
— E você o que me diz, garoto? — perguntou Onochi novamente ao jovem de iro azul.
“Mesmo que eu fuja, vou levantar mais suspeitas. Se eu for descoberto a missão será um fracasso.”, refletiu Suzaki, organizando sua resposta:
— Eu aceito sua oferta. Seria bom ter um lugar melhor para passar a noite — finalizou Suzaki, se curvando.
— Ótimo! Aguarde aqui porque preciso encerrar um assunto. Na volta te mostrarei onde vai passar a noite — sorriu Onochi — Agora, você vem comigo.
— É? Mas pra onde? — perguntou Yanaho.
— Vou te levar para casa.
Ao passo que deixava a região, o camponês notava Suzaki saindo por outro lugar. Às portas do templo, percebeu sua silhueta em um dos telhados da cidadela abandonada, acendendo uma fogueira. Já em terras Aka, Yanaho olhou para o homem ao lado da cabeça aos pés.
“Não lembro do homem do meu sonho ser gordinho assim”, pensou observando sua barriga destacada, mãos grossas e rosto arredondado.
— O que está olhando? — reparou Onochi na curiosidade da criança.
— Nada não — Yanaho desviou o olhar — É só que lembrei que não tenho uma arma para amanhã.
— Lutar é muito mais que ter uma espada. Mas não desanime, com essa vontade vai aprender a portar uma bem cedo.
— Obrigado, é…?
— Onochi. Meu nome é Onochi.
Após o caminho, chegando na fazenda onde morava descansando para o ansioso dia. Foi ali que o camponês permaneceu horas depois do amanhecer, o sol já saia de seu topo, com o raio de luz atingindo o rosto de Yanaho que despertava notando seu atrasdo:
— Droga!
Apenas o barulho da brisa que cruzava os corredores vazios do subterrâneo e balançavam as folhas das árvores, eram ouvidos por Suzaki e Onochi. A dupla aguardava Yanaho em um campo aberto, ainda verde, apesar de pouco distante de onde se encontraram pela primeira vez.
— Você disse cedo. Já estamos quase na metade do dia. Tem certeza que não é melhor começarmos? — questiona o príncipe.
— Você entenderá assim que ele chegar.
— Essa ausência pouco surpreende. O garoto sequer usava uma arma de verdade.
— Ele virá, tenho certeza. — finalizou Onochi.
Passado algum tempo, o garoto finalmente chegava na região ofegante, suado apoiando-se nas árvores mais próximas quando avistou os dois que aguardavam.
— Está atrasado garoto — acenou o Shiro.
— Me… Me desculpa… Por favor — disse colocando as mãos nos joelhos exausto.
— Não faz mal. Viu? Eu disse que ele viria.
Suzaki reparava na chegada do garoto. Os dois aproveitaram a luminosidade ausente na noite passada para dar uma boa olhada um no outro, ao mesmo tempo que Onochi alcançava uma espada que deixou descansando ao lado de um tronco à sua direita.
— Já que estão todos prontos, tome — estendeu a lâmina a Yanaho.
— Obriga… — seu agradecimento foi interrompido pelo peso do metal que acabou de receber.
“Como é possível usar uma coisa dessas?”, pensava tentando manter a arma erguida. O Shiro observava tudo contendo as risadas.
— É uma tradição dos Shiro iniciarmos o treinamento com este tipo de prática. Vocês dois precisam lutar até que os dois vençam a luta.
— O quê? Explica isso direito.
— Numa luta só há um vencedor. Isso não existe — perguntou Suzaki.
— Se vocês não puderem cumprir com isso, é melhor esquecermos tudo e…
— Não, vamos dar um jeito! — interrompeu Yanaho segurando a espada de pé com as mãos trêmulas.
— Antes de mais nada se cumprimentem. Yanaho este é Suzaki. Suzaki este é o Yanaho — disse o Shirou, trazendo ambos para perto.
O príncipe colocou a mão em seu peito, curvando sua cabeça. O camponês tentava imitar seu movimento, porém o peso da espada não o permitia curvar-se totalmente sem cair. Ao se afastarem, Yanaho espalhou as pernas, segurou a arma com força e esperou Suzaki fazer o mesmo.
“Droga, mas… como eu vou vencer esse cara? Ele até brilha! Olha aquela arma nas costas dele, é maior que eu”, uma gota de suor escorria pelo camponês, que engolia seco.
Tomando sua posição, Suzaki mantinha os olhos fixos em Onochi.
“O pobre coitado mal sabe segurar uma espada. Minha vitória é inevitável. O que esse Shiro está planejando? Pode ser uma distração, mas o que ele vai tirar de informação disso?”, pensou Suzaki, puxando sua lâmina.
— Certo, vençam! — exclamou Onochi, saltando para uma árvore atrás de si para observar.
“Como ele consegue saltar tão alto assim?”, se espantou Yanaho distraído.
Sem tempo a perder, Suzaki cruzou o campo de batalha lentamente arrastando sua lâmina de duas pontas pelo chão até seu adversário. Yanaho tirava os olhos de Onochi para recobrar o foco.
“Ele está vindo. Preciso fazer alguma coisa, ninguém pode vencer parado assim. Eu vou…”, pensou brandindo sua espada em direção ao oponente.
— Lutar! — gritou ao se lançar contra o príncipe..
A investida do camponês terminava com uma queda de cara no chão, como se o alvo que estava diante dele nunca estivesse na posição que vira segundos antes. Notando a sombra de Suzaki por trás, ele levantou rápido o bastante para esquecer sua arma no chão.
— Droga, ô branquelo! Como você quer que eu lute com esse cara?! — perguntou engatinhando para trás para pegar sua espada, na medida que o oponente se aproximava.
— Não quero que lutem apenas — Onochi ri — Quero que vençam!
Após as palavras do observador, o garoto com olhos azuis acelerou seu passo em direção a Yanaho, que continuou andando para trás. Quando foi interrompido por um tronco que o impediu de se afastar, em uma reação impulsiva ergueu a espada novamente atacando o oponente.
Com golpes sem técnica e desequilibrado, o príncipe se ocupava apenas de inclinar o corpo na direção contrária ao corte. Seu oponente mal conseguia encostá-lo. Até que o príncipe estendeu sua perna e empurrou o camponês contra ela por trás, fazendo-o cair mais uma vez.
— Acabou Onochi — apontava sua arma ao oponente rendido — eu venci.
— Pensei ter explicado qual era a tarefa.
— É impossível existir dois vencedores nessa luta. Ele mal consegue segurar a espada. Eu me recuso a machucá-lo.
— Enquanto um de vocês estiverem no chão e o outro em pé, a luta não acaba. Continuem!
Após as palavras do Shiro, Suzaki dava espaço para Yanaho se reerguer e partir de novo para o ataque. O príncipe desviava de três golpes antes de desarmá-lo com um giro de sua lâmina dupla e jogá-lo no chão com os pés. Uma vez após a outra, cada tentativa do camponês terminava com a terra do campo esperando por ele.
Com o passar do dia, o candidato a Heishi Celestial, sequer tinha um grão de poeira sujando seu traje. No próximo ataque de Yanaho, ele subiu sua guarda e aparou o golpe com a própria espada. Ambos dividiram a mesma posição, disputando força, quando o Aka soltou o metal com a mão direita bloqueada para pegá-la em queda livre com a esquerda. O movimento abriu espaço para uma estocada na barriga do príncipe.
— Agora! — gritou Yanaho.
Mesmo com a tática nova de Yanaho, Suzaki percebeu a tempo e girou para suas costas. Seu contragolpe veio com uma cotovelada na nuca do camponês, que cambaleia, mas não cai.
“Os olhos dele brilharam em vermelho no último ataque. Pensei que o Shiro estivesse testando o limite dele. Se fosse o caso, ele já teria parado essa luta.”, pensou Suzaki.
Os braços de Yanaho cederam completamente ao seu instrumento. A ponta da sua espada estava caída apoiada em braços flácidos. Contudo, nos olhos do garoto, não se via a mesma fraqueza. Seus grunhidos de dor para manter sua postura ecoavam pelo ouvido de Suzaki.
— Por que continua? — perguntou o príncipe.
— O que te importa? — disse Yanaho buscando subir sua espada.
— Sabe que não pode vencer. Mesmo que consiga me acertar por sorte, não será o suficiente. Talvez a sua vitória seja desapegar desse seu orgulho e desistir de uma vez.
— Eu preciso continuar — ficou de pé novamente — Posso não vencer, mas nunca vamos passar nesse teste se eu não continuar tentando.
— Que seja — se afastou de Yanaho, deixando-o recuperar sua arma — Venha!
Com a provocação o garoto cansado tinha golpes erráticos. Em um balanço desajustado, a força do golpe o fez ser carregado pelo peso da arma num giro. Suzaki salta no meio do movimento para interrompê-lo, com um golpe suave de sua espada. Imobilizando-o com as mãos entrelaçadas na nuca ele o adverte.
— Escute bem, isso não é um brinquedo! É uma arma que pode matar as pessoas — pressionou a nuca de Yanaho mais fortemente — Esse comportamento apresenta um risco para você mesmo. Se quer passar no teste precisa aprender.
Após a crítica do príncipe, o camponês foi liberado dos braços dele, caindo ao chão de joelhos respirando com dificuldades.
— Seus pés. Fique de pé e posicione-se direito. Segure o cabo da espada mais firme, com as duas mãos. Tente assumir uma postura confortável onde possa mantê-la erguida.
Aos poucos, o garoto fica de pé e corrige sua postura.
— Certo. Respire fundo e tente um golpe — o ataque saía com mais força, defendido por Suzaki — Distribua seu peso corretamente para atacar com força máxima. Vamos! De novo.
As dicas fizeram Yanaho desferir ataques em repetições que começavam a desgastar a guarda de seu professor improvável.
— Parece mais leve, obrig…
— Você precisa avançar seu ataque. Tente me surpreender como fez antes. Leia meu padrão de defesa.
— Seu padrão de quê?
— Só perceba onde estou deixando brechas e ataque ali. Não acerte minha arma, acerte a mim.
Para testá-lo, o príncipe estendia seu pé para desequilibrar Yanaho como havia feito antes. Reconhecendo o movimento, o camponês plantou seus pés no chão. Seu revide atingiu de raspão a jaqueta de Suzaki.
— Continua, Yanaho. Não pare! — disse apontando para o corte em seu braço.
Assim, continuaram durante horas sob o olhar de Onochi. Da defesa ao ataque, os fundamentos do garoto de olhos vermelhos melhoraram na prática, via tentativas e erros. Com a chegada do céu alaranjado, o confronto cada vez mais se transformava em uma luta de verdade.
— Ótimo, agora é minha vez — disse Suzaki limpando o suor da testa.
Pela primeira vez na luta Suzaki atacava com um golpe na vertical. Yanaho pensou ter defendido o golpe, mas foi atingido na canela pela lâmina de baixo do oponente. Seu contra-ataque pelos lados foi defendido por Suzaki, fazendo com que os dois cruzassem suas espadas se encarando.
Onochi inclinou-se para frente. Os olhos se arregalaram vendo a cena, com um sorriso espontâneo, que o fez descer ao local:
“Então esse é o marco histórico, irmão?”, pensou consigo mesmo.
— Ufa... — disse Yanaho se jogando para trás deitando no campo.
— Basta. E então, quem venceu? — cobrou Onochi sorrindo.
Suzaki então soltou sua arma, e se jogou imitando o movimento de Yanaho, respondendo:
— Nós dois.
— E como foi isso?
— Ensinar um leigo me fez entender um pouco mais sobre ele. Mesmo que nem ao menos conseguisse encostar em mim, ele não parou, deu tudo de si. Yanaho venceu em sua insistência.
— E quanto a você Yanaho?
— Nunca pensei que conseguiria lutar com uma espada de verdade. Ele venceu por sua eficiência em me ensinar e por ter me quebrado sem nenhum esforço. É sério, tô exausto…
— Parabéns, garotos — gargalhou Onochi — Vocês venceram. A vitória no treinamento não diz respeito ao resultado da luta tanto quanto o que se aprende com ela. Enquanto houver aprendizado, todos de alguma forma saem ganhando, esse é o dilema da tradição Shiro.
“Uma luta onde ninguém fracasse”, refletiu Suzaki quando olhou o anoitecer chegar, suspirando aliviado.
— Amanhã daremos início ao treinamento de vocês, como combinado.
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