O sol nasce na cidade e as poucas nuvens no céu fazem seu esplendor ser maravilhado por algumas pessoas. Inclusive por João, que toda manhã, antes de sair de casa, via o nascer do sol de seu terraço. Ele olha a hora em seu celular e desce as escadas pegando suas coisas para sair, mas algo chama sua atenção em seu pulso. Uma seta preta, virada para a direção de sua porta, parece desenhada, como uma tatuagem. Ele passa o dedo na pele e nada acontece. Ele leva o pulso a pia da cozinha, abrindo a torneira e esfregando a seta debaixo d’água.
Nada.
Ignorando aquilo para não se atrasar, ele deixa sua casa caminhando pela rua. Ao olhar para o pulso de novo, ele vê a seta apontando para outra direção. João acredita que poça ser o cansaço. Trabalhar e estudar ao mesmo tempo, cansa qualquer um. Por isso ele passa a ignorar e segue para o trabalho.
Não foi fácil esquecer. Durante todo dia a seta mudava de direção a cada vez que se deslocava, era como se estivesse indicando um caminho, um que ele deveria seguir. Ele se pegava encarando seu pulso por mais minutos que deveria em alguns momentos do dia. Aquela seta não parecia que desistiria. Por isso, o jovem toma a decisão de seguir o caminho assim que saísse do trabalho, seria como uma caça ao tesouro, e talvez pudesse trazer uma nova aventura. Ou apenas mais uma dor de cabeça.
Ao final do expediente, João deixa o prédio olhando para o pulso e seguindo seu caminho — ou da seta — passando pelas ruas próximas ao seu trabalho. Estava tão distraído pelo próprio pulso que, por uns segundos, esqueceu o mundo e nem percebeu a bicicleta vindo em sua direção, se não fosse pelo homem em cima dela gritando e desviando ele teria sido atropelado. Suspirando pelo susto, ele continua o caminho e as setas o levam ao metrô, ele passa pela roleta e a seta indica a plataforma certa. Enquanto ele espera, tenta pensar onde aquilo daria e ele nem se refere ao local, mas ao que poderia acontecer ao chegar lá e o porquê aquelas setas estariam o levando até lá.
Sentado no vagão, a seta aponta para o sentido que o metrô está indo, mas quando ela muda para a direção das portas, João entende ser o momento de deixar o metrô. Ele sobe as escadas quase correndo, a ansiedade acelerando seu coração. A cada passo dado pelas ruas, sua respiração acelera, assim como seu coração que parece que vai sair pela boca a qualquer minuto.
Quando a seta parece parar de mudar de posição, ele está chegando perto da praia, está cheia apesar do dia da semana, mas nada que seja tão absurdo de se locomover. Ele continua andando e olhando para o pulso, quando bate de frente com alguém.
☯ ☯ ☯
Pedro passou a manhã dormindo e a tarde tocando piano, ele nem ao menos notou algo diferente em si. Contudo, ao se arrumar para sair, para mais uma noite tocando seu piano em bares e restaurantes pela cidade, ele nota algo se movendo em seu pulso. Obvio que o primeiro pensamento dele é passar a mão rapidamente como se fosse um inseto ou algo assim, mas quando se mexe novamente, ele para o que está fazendo e olha para o pulso, vendo uma seta ali. Ele acredita fielmente ter sido feita por algum de seus amigos enquanto dormia. Por isso, ignora e segue seu caminho.
Andando até o metrô, ele nem percebe a seta mudando de acordo com seu andar. No entanto, assim que ele se senta, e vê que o desenho está diferente de antes, ele começa a andar pela estação vendo a seta mudar conforme se locomove. Fascinado pela descoberta, passa a seguir os comandos do desenho em seu pulso, entrando no vagão e seguindo o caminho. Ao sair do metrô e seguir caminho afora pelas ruas, ainda fascinado, ele desvia de corpos e objetos com a facilidade de alguém que está sempre andando rápido enquanto lê partituras para a próxima apresentação.
Quando Pedro avista a praia, ele sabe que vai precisar de mais atenção pelo aumento de pessoas, mas mesmo assim, não consegue evitar esbarrar em alguns corpos de tão fixado pelas setas. E quando ele colide de frente com alguém e está prestes a se desculpar, nada sai de sua boca ao ver a mesma seta no pulso do outro homem. Pedro olha fixamente para a seta apontada para si. O olhar de João desce para o braço estendido a sua frente dando um leve passo para trás vendo o desenho no corpo alheio apontar para ele.
Ambos parecem atordoados com aquilo, mas seus olhares finalmente se encontram após alguns segundos. A brisa que passa por eles, parece carregar toda uma história, os sons ao redor somem de seus ouvidos e tudo que eles enxergam são os olhos um do outro. Olhos que eles ainda não sabem ler, mas daqui a um tempo saberão como qualquer livro aberto.
João é o primeiro a desviar o olhar, abaixando a cabeça e levando os olhos para o pulso, o resultado disso é um novo passo para trás ao ver que já não existe mais uma seta ali. Em seu pulso, um novo desenho pode ser contemplado, o que era seta, agora é uma parte do símbolo do equilíbrio, Yin. O jovem volta seu passo a frente agarrando o pulso do pianista e vendo que seu desenho também não é mais o mesmo, além de completar o seu com Yang. Pedro desce o olhar vendo o mesmo que o outro e dessa vez é ele quem andando passo para trás.
Tudo parece loucura demais para os dois. Até mesmo para o pianista que acredita e se fascina com tão pouco. Ainda assim, mesmo parecendo loucura, com uma nova brisa passando e João ainda segurando o pulso dele, Pedro, aproxima-se dele, e sem dizer uma palavra, solta seu braço agarrando o do outro e o levando consigo para a areia da praia. Ele senta e puxa o homem para sentar ao seu lado. Quando João tenta dizer algo, Pedro o impede balançando sua cabeça e apontando para o sol.
Os dois assistem ao pôr do sol. Ambos em completo silêncio, absorvendo tudo que acabara de acontecer. Eles não sabem o que vem depois. Não sabem o que acontecerá a partir de agora, mas decidem em silêncio aproveitar aquilo que os conforta, a luz virando escuridão, o dia virando noite.
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