4, junho de 2024
19: “Opa.”
Quando Téo entrou na sala, ele esperava tudo, menos a cena que viu.
Ele encarou Anna. Depois, olhou para a besta no chão; uma besta de pelos cinza-escuro, tão alta quanto o próprio Téo e seus um metro e setenta e seis, ainda nas quatro patas. Estava deitada, com o focinho entre as patas, os olhos fechados e a respiração pesada.
O problema não era bem esse. Téo conhecia a besta. O problema era o veado semi-comido no tapete.
― Antes de qualquer coisa ― Anna começou, os cachos dourados balançando. ―, saiba que ele não machucou ninguém.
― Eu só estou pensando em como vou limpar as entranhas de veado do meu tapete, Annabelle. ― Téo esfregou o rosto, bufando. O tapete era novo, poxa! ― Como ele veio parar aqui?
― O veado ou o Danilo?
Téo olhou-a por cima das lentes dos óculos, já sem ideia se a amiga estava sendo irônica ou não. Ela soprou um riso e sentou-se na poltrona aos pés do veado morto, empurrando uma parte dos intestinos com a botina.
― Eu não sei, acho que o cérebro de cachorro dele quis te trazer um presente.
― Ele não é um gato.
― Mas te ama e acha que você não é capaz de caçar seu almoço.
Téo quase revirou os olhos, mas apenas sorriu. Era muito difícil que Danilo fizesse uma caça tão grande e a arrastasse para perto da cabana, geralmente, matava animais menores e deixava uns pedaços por ali. A primeira transformação da temporada costumava deixá-lo mais animalesco e com a consciência humana dormente.
― Me ajude a limpar isso aqui.
Annabelle sorriu e acenou.
A bagunça se tornou maior antes de ser limpada: Anna colocou as entranhas do animal num balde antes que ela e Téo pudessem pegar a carcaça e levá-la para a floresta, mas arrastá-la era mais fácil do que pegá-la no colo e correr o risco de mais órgãos caírem pelo caminho. Era melhor ter apenas um rastro de sangue para limpar do que pedaços carcomidos de estômago, ou um fígado.
A transformação de volta para um humano era interessante de assistir. Era lenta; primeiro, o corpo da besta diminuía, tranquilamente, como se a cada expirar a essência do lobo fosse embora. As características animalescas sumiam conforme o excesso de pelos desaparecia também. Em algum momento, a visão era assustadora, apesar de já arrancar boas risadas de Téo, porque Danilo parecia uma ratazana mutante com falhas aleatórias nos pelos.
Já eram nove e meia da manhã quando o humano Danilo estava completamente feito, a pele sendo banhada pelo sol, os cabelos escuros escorrendo pelos ombros e os músculos delineados cobertos por uma camada de suor.
Ele se espreguiçou antes de abrir os olhos. Anna esfregava o chão, Téo esfregava o tapete, ambos suados, cansados e risonhos – querendo ou não, já estavam habituados, as fofocas nunca acabavam e, bom, a transformação era mesmo engraçada no ponto da ratazana.
Danilo sorriu com os ombros encolhidos. Tinha caninos superiores e inferiores um pouco avantajados como consequência do lobo; os olhos amendoados eram doces.
― Opa.
― Opa, é? ― Téo resmungou, sorridente. ― O que deu em você?
― O lobo queria agradar vocês. ― Danilo deitou sobre a barriga. Ele tinha sangue seco no peito. ― Desculpe.
Téo queria enchê-lo de beijos. Anna gemeu em desgosto, mas Téo sabia que era só uma provocação: ela achava fofo quando o irmão trazia presentinhos.
― Vá se lavar, seu libertino ― Ela jogou a esponja com água sanguinolenta em Danilo, que quase rosnou em resposta. ―, e venha nos ajudar.
Téo limpou o suor da testa.
― Prefiro que ele se lave e faça o almoço.
― Hm, tem o veado lá fora. ― Danilo sugeriu.
― Mas você nem pense em fazer isso.
― Ei, é temporada de caça de qualquer maneira!
― Eu não vou comer nada que sua saliva de cachorro tocou. ― Anna resmungou.
Com um sorrisinho, Téo murmurou:
― Ela não tocou na cabeça.
― Se manca, garoto!
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