Todos dizem que o Destino não pode ser alterado e não há como ir contra ele. Mas quando o amor entra em jogo, tudo pode acontecer.
Fui criada para buscar as almas daqueles que não tem mais tempo na Terra e, dependendo da cultura, posso ser um anjo, ou um ser com uma capa preta que leva consigo uma foice e até mesmo uma caveira. Não importa como ou que eu realmente sou, quando chegar sua hora, você verá aquilo em que acredita, ou sua própria calmaria, mesmo que seja uma morte sem calma nenhuma, sua alma deve ser leve como pluma para mim. Já vi todos os tipos de almas, desastres, espécies, vidas e mortes. Mas nada, em toda a minha existência, poderia comparar-se a ela.
Ela é ser mais leve, e brilhoso que já pude experienciar. Estar perto dela é como estar sentindo o leve calor de um final de tarde durante a primavera, com o vento soprando seu rosto e trazendo com a brisa o cheiro das flores desabrochadas. Ela fora criada para acalmar as almas dos vivos, mas funciona com as almas dos meus mortos também. A beleza que vejo nela, ela viu em mim. A pureza, que ela carrega com os dias, é a minha calmaria, a minha Esperança.
Nós nos conhecemos em um hospital, onde eu estou sempre presente e ela sempre passava por lá. Em uma dessas passagens, nos esbarramos e meus olhos ficaram presos em seu brilho e esplendor. Seu olhar preso em mim, analisando cada parte do meu receptáculo. Os humanos costumam chamar isso de amor à primeira vista, encontro de almas. Não temos almas, mas nos encantamos com a presença uma da outra. Presença que não me deixou em paz por dias, fazendo-me querer que o Destino estivesse ao nosso favor para nos ver novamente.
Descobriríamos com o tempo que ele não estava.
Mesmo sem ter o Destino ao nosso lado, nos encontramos muitas outras vezes. Não seria nada difícil, é claro. Qualquer um que soubesse estar prestes a morrer poderia clamar por esperança, e ela surgia para manter as almas a calmo. Não funcionava só com as almas, com o passar dos encontros fui percebendo o quanto eu passava a ficar em calma completa. Em paz. Não sei dizer se era apenas alucinações ou minha vontade imensa que fosse essa a verdade, ou se era realmente isso, mas eu acreditava acontecer o mesmo com ela, que ela se sentia bem na minha presença.
O primeiro contato realmente levou alguns anos para acontecer, mas foram preciso algumas palavras a mais para eu entender que toda a calmaria era uma mistura com a paixão. Foi necessário alguns poucos encontros para ficarmos juntas. O amor falou mais alto e mesmo dois opostos não poderiam ficar longe. Mas, como disse, o Destino não estava ao nosso lado. Aquela foi a primeira tentativa de nos separar. Apagar nossas memórias, teria sido uma boa ideia, mas a Morte e a Esperança quase sempre andam lado a lado. Reencontrá-la e sentir tudo que senti pela primeira vez, foi ainda melhor. As memórias voltaram e aquilo pareceu apenas nos fortalecer. Entretanto, o Destino não desiste tão fácil. Houve outras tentativas, até o dia que ele nos levou para longe e fez a pergunta que com a resposta certa deveria mudar sua visão. Não foi o que aconteceu, no entanto.
— Por que vocês estão juntas, Esperança? São totalmente diferentes, completos opostos.
— Não somos tão diferentes assim. Eu carrego a esperança do mundo nas costas e ela os desastres. Somos o equilíbrio uma da outra. Eu sou a calmaria dela e ela a minha esperança. — Essa fora a resposta perfeita, mas o Destino não viu dessa forma.
Nós nos reencontramos não muito depois disso, e cada vez que nos separávamos voltávamos ainda mais juntas e fortes. Parecia ter um ímã ou uma corda que nos puxava para perto, e apesar de sabermos que não havia sido obra do Destino, acreditávamos sermos sim, o destino uma da outra.
— Não importa o que ele diga, vamos ficar juntas.
— Somos o destino uma da outra.
— Você é minha esperança.
— Você é a minha calmaria.
Como dito, o Destino não desiste fácil e nem uma boa resposta o faria desistir. Ele não parou de nos tentar separar. Inventando e repetindo estratégias e ideias para nos manter longe uma da outra. Mas nem mesmo o Destino fora capaz de tal façanha. Apesar das inúmeras tentativas ao longo dos anos, sempre voltávamos mais fortes que antes. Não irei mentir, houve algumas vezes em que pensamos em desistir primeiro que ele, mas estar no mesmo ambiente que o amor da sua existência e não poder fazer nada é agoniante, para ela e para mim. Com isso em mente, decidimos juntas continuar lutando sempre. Continuar passando por cada desafio como se fosse o primeiro e o último; como se fosse o mais fácil e o mais difícil, mas nunca o impossível. O Destino nunca havia chegado ao extremo, como tentar acabar com a existência de uma das duas, mas sabendo existir essa possibilidade, nós prometemos a nós mesmas e uma à outra, a jamais permitir isso.
— Dizem que a esperança precisa ser a última a morrer, mas serei a primeira se necessário para te manter a salvo.
— Eu não posso e nem consigo morrer, mas eu matéria qualquer um por ti, até mesmo o Destino.
A Morte e a Esperança andam lado a lado. São opostos, mas de alguma maneiram se completam. O amor entre dois seres tão diferentes é o mais belo e puro desse mundo. Nada pode nos separar, nem mesmo o Destino. Onde ela estiver, eu estarei. Onde eu passar, ela passará. Sempre juntas. Sempre ligadas. Jamais separadas.
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