Não, definitivamente não era um bom dia. Entre passos cambaleantes e pulsações no cérebro, Leonardo caminhava entre os móveis de seu pequeno quarto, seus longos cabelos loiros, originalmente lisos, jaziam emaranhados, caídos nos olhos, descendo as costas como um lençol úmido, toda a água contida no cabelo não era proveniente de nenhum banho recente, era puro suor.
Com o mundo inteiro girando ao seu redor, o som ensurdecedor da pulsação de suas artérias, raiva, caminhava sem rumo dentro de seu próprio quarto, logo alcançaria a porta e teria que tomar a difícil decisão de sair ou não do cômodo. A ressaca não era o problema, podia lidar com isso, o problema era o Pai. Não queria vê-lo sob qualquer circunstância, revoltado, o rapaz não podia entender como ele poderia ter feito algo como aquilo.
As mãos trêmulas insistiam em correr sobre o rosto, arranhando levemente a própria face, como uma tentativa frustrada de acordar de algum pesadelo terrível, quando encontravam a velha cicatriz horizontal que enfeitava sua bochecha de lado a lado, sentindo os pequenos caroços causados pelos pontos malfeitos, seus dedos se retorciam ainda mais. Os olhos cerrados, tentando encontrar algo que não estava ali, pareciam brigar com sua cabeça, que insistia em permanecer abaixada.
"Droga, que calor!" Ele murmurou, as palavras mal audíveis ao escaparem de sua boca.
Não estivesse sozinho no quarto, teria sido facilmente comparado a um monstro, apoiado com o braço direito na porta, tudo o que seu olhar cego de raiva podia ver - além de sua mão aberta à altura da cabeça, que parecia querer apertar algo - era a maçaneta, havia tomado a decisão, sairia do quarto.
Agora, mais do que nunca, Leo parecia um leão enfurecido, sem camisa, exibindo seus músculos tonificados, vestindo calças pretas, tomou as rédeas de seus pensamentos e prosseguiu, falaria o que bem entendesse.
A porta dava acesso a uma pequena sala, um sofá com alguns remendos ficava em frente a uma televisão de 17 polegadas, um programa infantil nada interessante era transmitido, mas os únicos notáveis e irritantes ruídos eram os das falhas no sinal da televisão, aquele maldito barulho, além de lembrar uma chuva forte, também lembrava que a antena precisava ser trocada urgentemente. Mesmo para os padrões de um jovem de 17 anos vivendo sozinho, o cômodo estava bastante desarrumado.
Ao lado, numa mesa de quatro lugares, feita de madeira, a pizza de frango da noite anterior se fazia apetitosa, as garrafas de bebida, quase todas pela metade, proporcionaram ao rapaz uma intensa ânsia de vômito, forçando-o a desviar o olhar. O móvel favorito de Léo era a estante de livros, lá estava parte de sua paz, mas o local onde um dia guardara incontáveis histórias parecia agora um retrato apagado de um tempo antigo, havia bastante poeira nos poucos livros que ainda estavam lá dispostos, muitos outros já não estavam mais lá, se foram perdidos ou emprestados, Leo já não se lembrava mais.
Perdido em seus pensamentos, andava pela pequena sala numa procura incessante por algo. Em baixo da caixa de pizza, entre as garrafas, nas almofadas do sofá, não importava quão desesperadamente procurava, não achava. Não demorou mais de um minuto para descobrir o porquê de não achar nada: ele simplesmente não sabia mais o que estava procurando. Sentou-se no velho sofá, derrotado, as duas mãos na cabeça, precisava descontar sua raiva em alguma coisa, e seus cabelos é que sofreram desta vez, eles geralmente sofrem com os surtos de raiva, são sempre os primeiros a serem puxados e arranhados, como se fossem culpados por alguma coisa.
O que aconteceu a seguir definitivamente não estava nem mesmo nos sonhos mais obscuros de Leonardo: um chamado desesperado vindo de fora da casa. O eco persistente de batidas frenéticas encheu a sala, enquanto o toque incessante da campainha competia ferozmente por sua atenção.
"Leo, pelo amor de Deus, abre essa porta." O jovem do lado de fora gritou, entre suspiros pesados e descompassados. "Eles vão me matar!"
Se havia uma coisa que o irritava mais que o barulho da televisão, era estar de ressaca, com raiva, suado, e ter que atender à campainha; os gritos de socorro do amigo, entretanto, foram suficientes para retirá-lo do sofá. Num movimento rápido, abriu a porta, se deixando ser empurrado pelo amigo que, ao ouvir o som da fechadura sendo destrancada, entrou na casa.
Com roupas rasgadas, o jovem magro de cabelos cacheados e olhos azuis estava tão suado quanto o anfitrião. Leo trancou a porta, abanando as palmas das mãos abertas em frente ao nariz, uma tentativa inútil de dissipar o odor pungente do visitante.
"Mas que merda você resolveu aprontar, agora?" Falou com uma voz firme, quase tão baixa quanto o ruído da TV.
"Eu não fiz nada, eu juro! Eles estão me perseguindo, vão me matar, por favor, me ajuda."
"Quem exatamente está atrás de vo..." Leo não teve tempo de terminar a frase. A porta voltou a fazer seu trabalho de porta: se manteve fechada e fez bastante barulho com cada batida violenta dos novos visitantes.
"Senhor, precisamos conversar, por favor, abra a porta," Um deles gritou do lado de fora. "Somos da Guarda Oficial; se você não abrir, teremos que entrar à força."
"Seu filho da puta, que merda você fez? Por que a Guarda Oficial está atrás de você? " Leo sussurrou, sinalizando com um gesto da mão para que seu amigo se escondesse em seu quarto.
Em um país devastado pela guerra civil, agora fragmentado em comunidades muradas e isoladas, surge um homem com um poder tão único quanto enigmático. Abençoado com a rara habilidade de controlar todos os seus sentidos, este dom extraordinário molda profundamente sua interação com o mundo.
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