Raios cortavam o céu, e o vento uivava ao seu redor, chicoteando seu cabelo e sacudindo a pequena barraquinha que ela lutava para manter de pé. Gabrielle não sabia como tinha acabado assim, no meio de uma tempestade debaixo de uma ponte, com a água da chuva encharcando suas roupas e seus sonhos.
— Tá, essa não é exatamente a cena glamourosa que eu imaginei — pensou, enquanto o vento ameaçava arrancar a lona de suas mãos. — Mas, fazer o quê? Nem tudo é como a gente espera.
Gabrielle abre os olhos bem devagar, sua cabeça dói como se tivesse sido atingida por um gigante martelo, ela olha ao redor, e vê, atônita, todo o entulho trazido pela tempestade.
— Ai, ai... Nossa! Que bagunça! Parece que passou um furacão por aqui! Bem… passou mesmo!
Ela para, respira, e olha com mais cuidado para toda a confusão causada pela tempestade da noite anterior. A sua casa, quer dizer, a pequena barraca de camping na qual Gabrielle passava as noites, embaixo de uma ponte, próximo à um canal, no centro da cidade do Rio de Janeiro, estava, agora, totalmente destruída!
— Ah!!! Minha casa!! E agora, o que eu vou fazer?
Ela olha desolada à sua volta. O estado do local, após a tempestade é dos piores, a própria Gabrielle está um caos. Sua saia, supostamente branca, está encardida, assim como suas blusas preta e azul, que ela usa, uma sobre a outra, para compor o visual, e se manter protegida. Ao ver os seus poucos bens enlameado, a garota se entristece profundamente, pensando que todo o seu esforço foi em vão!
Gabrielle Alves é uma bela jovem de 16 anos, 1,65m, longos cabelos loiros e olhos grandes e amendoados, na cor de um profundo castanho. Ela saiu da sua casa, em Armação de Búzios, à revelia de seu pai, para estudar teatro, na escola mais tradicional do Rio de Janeiro, após ter recebido uma das poucas bolsas de estudo disponibilizadas pela instituição. Tudo isso, para seguir o seu sonho de vida de se tornar uma atriz.
— Já até sei o que ele vai dizer…” — Reflete, Gabrielle, totalmente perdida, pensando em voz alta nos prováveis sermões que ouvirá de seu pai, e as consequências que enfrentará por ousar desafiá-lo!
“Eu já previa isso… esqueça esse sonho estúpido e aceite o destino que eu defini para você!”
Gabrielle abaixa a cabeça durante um instante, com uma expressão de lamento, porém se levanta firmemente, e exclama com todo o poder da sua voz, como se fosse para expulsar definitivamente aqueles pensamentos.
— Fique quieto! Eu não vou desistir!! Me fazer desistir, é o mesmo que me pedir para deixar de respirar…
Ao tentar se levantar, um brilho ofuscante, atinge os seus olhos castanhos.
Seus ávidos olhos, semi-cerrados, procuram pelo objeto brilhante, e se deparam com um curto e fino bule dourado, unido a um segundo objeto.
— Uau! O que é isso? Um bule? E… hã… tem uma outra coisa presa nele… o que é isso? Parece… um penico!? — Ela nota, também, que colado ao bule, está um pequeno papel. — …com um…papelzinho?
Gabrielle, curiosa, pega o papel colado ao bule, e lê atentamente. “Hum... a recém inaugurada Pousada Buraquinho… está contratando… início imediato… com moradia?!”
Um semblante de alegria preenche o rosto de Gabrielle, e ela começa a juntar seus poucos pertences que foram espalhados pela tempestade. "Eu não vou precisar voltar para casa!”, pensa ela, entusiasmada.
— Prontaaaa! — Exclama, Gabrielle, de forma exultante, após ter juntado todos os seus pertences em uma pequena mala de mão, feita de poliéster azul e fechada por apenas um fecho éclair.
Do outro lado da pequena porta, um jovem se sobressalta, como estivesse espantado com algo. Seus olhos transmitem um sentimento de exasperação, apresentando uma cor não humana, a esclera negra, a íris vermelha e a pupila amarela. Esse estado de odiosidade muda em poucos segundos, fazendo os olhos voltarem ao normal.
“Há um Djinn por perto… Eu posso sentir!!!” — Foi o pensamento que atravessou de forma imediata, a mente do jovem.
Do lado de fora, Gabrielle olha incrédula para o local, e completamente desanimada, toca a campainha.
— Já me vejo voltando para casa… isso deve ser um trote. — Murmura, em tom de desalento.
De repente a pequena porta se abre, e do outro lado, aparece o sorridente Guilherme Oshiro, um jovem de 20 anos, magro, medindo 1,79m, cabelos pretos e olhos castanhos escuros. Ele está usando, calça jeans, e uma camisa de malha vermelha-escuro.
— Bem-vinda à Pousada Buraquinho! Eu sou Guilherme Oshiro, o proprietário e gerente! — Exclama, o entusiasmado Guilherme.
Gabrielle se espanta e recua um pouco ao notar, subitamente, a presença do rapaz.
— Ai, Jesus… que susto!
Guilherme se aproxima de Gabrielle, e continua a falar — Me dê a sua bagagem, vá entrando… a casa é sua! —Guilherme pega a bagagem de Gabrielle e a empurra para dentro da pousada.
— Ei, espera… calma aí, moço!
Gabrielle entra pela pequena porta, sendo levemente empurrada por Guilherme. Ela fica surpresa ao perceber que logo após a pequena entrada, há degraus que levam a um andar inferior.
“Degraus?? Será que esse lugar é maior do que eu imaginei?”, cogita, Gabrielle.
Gabrielle desce os degraus às pressas, e se depara com uma sacada. Da sacada Gabrielle tem o vislumbre do que realmente é a Pousada Buraquinho. Toda a pousada é construída abaixo da terra! Além de ser um ambiente vasto, muito diferente de sua entrada, o local também é bastante aconchegante. A pousada é toda estruturada em madeira, com mais dois andares abaixo da sacada principal de entrada, possuindo uma enorme área de lazer, com uma piscina e ambientes anexos.
— Que lugar incrível! — Articula, uma empolgada Gabrielle. — Moço… — continua, se virando para olhar para Guilherme que está descendo calmamente os degraus.
Guilherme, que estava sondando o interior da bagagem de Gabrielle, fecha a mesma, no momento que a garota loira se vira para ele.
— Sim? Iria dizer alguma coisa? — Indaga Guilherme, em um grande sorriso.
— Na verdade… eu vim por causa da… — Gabrielle, bastante encabulada, tenta informar que estava ali para concorrer à vaga de recepionista.
— Está contratada! — Diz Guilherme prontamente.
Os olhos de Gabrielle se abrem em uma sensação de euforia, “Eu não vou precisar desistir dos meus sonhos!"
O cômodo era composto por uma cama de solteiro embutida nos armários de madeira mogno, aproveitando ao máximo cada centímetro do espaço. A colcha, de um amarelo pálido, cobria o colchão, acrescentando uma leveza sutil ao tom profundo da madeira.
À direita da cama, uma grande janela permitia que a luz natural banhasse o quarto, iluminando os móveis e trazendo uma sensação de calor ao ambiente. A vista revelava um pequeno jardim, com plantas bem cuidadas, assim como uma escada de concreto, que levava a um portão discreto, dando acesso à rua lateral à pequena entrada principal da pousada. Na parede oposta à janela, uma escrivaninha também de mogno completava o ambiente.
"Que estranho, ele nem me entrevistou… ah, que se dane! Agora eu tenho um teto, um trabalho, e vou poder seguir com o meu curso de teatro”, medita, Gabrielle, sentindo-se satisfeita.
Deitada em sua nova cama, Gabrielle olhou para o lado e viu sua pequena mala. Com uma das mãos, ela estendeu os dedos e tocou levemente a mala, pensando: "Foi só isso que eu consegui salvar da tempestade de ontem..."
— O que é isso? Não lembro de ter algo tão brilhante… — diz ela, intrigada.
Ela, então, retira o objeto brilhante de dentro da bolsa, e exclama surpresa:
— É o bule dourado que eu achei embaixo da ponte! — Diz, Gabrielle, contemplando o objeto por alguns instantes.
Foi só após se concentrar novamente no artefato, que Gabrielle repara no outro objeto que está pendurando ao bule: O penico!
— Meu Deus, mas o que é isso? Um penico? E dourado, igual ao bule… — Ao constatar que o novo objeto era mesmo um penico dourado, Gabrielle começa a rir.
— Ha, ha, ha… é mesmo! Eu lembro que ele estava junto com o papelzinho de anúncio da Pousada Buraquinho… eu devo ter trazido com as minhas coisas…
Ela, então, ouve um estrondo vindo do lado de fora, e em um sobressalto pula da cama, ficando de pé, em frente ao armário.
— O que foi isso? — Se pergunta, Gabrielle.
De forma abrupta e violenta, a porta voa na parede com um estrondo. Uma criatura inumana e grotesca emerge. O ser diante de Gabrielle era feito de puro pesadelo. Seu corpo, grande e musculoso, era coberto por uma pele escura como piche, com uma textura áspera como couro de réptil. Em suas costas, grandes e grossos espinhos cristalinos e pontiagudos surgiam da coluna vertebral, reluzindo de forma ameaçadora sob a luz. Dos cotovelos, lâminas de cristal afiadas brotavam, prontas para cortar qualquer coisa que cruzasse seu caminho.
O pavor sentido por Gabrielle, a faz perder as forças nas pernas, e ela cai como um peso no chão. Ofegante, ela tateia a cama ao lado, sem saber o que fazer. Ela olha assustada a porta do seu novo quarto, que havia sido arremessada em direção à parede oposta, e que estava completamente destruída… a visão do penico dourado, pendurado à lâmpada, torna-se turva.
— Onde está o Djinn? — Pergunta a criatura grotesca e disforme, com o corpo totalmente coberto pela mesma cor da escuridão.
Em um impulso para se proteger, Gabrielle agarra e segura contra o seu corpo, o penico dourado que estava em cima da cama, deixando o bule dourado preso a ele pendurado… seu corpo treme de terror.
— Uma lâmpada? — Vocifera a criatura, em êxtase, referindo-se ao bule dourado.
— Voltou para um lugar um pouco óbvio… Farid! — Brada a besta, em desprezo.
"Lâmpada? Quem é Farid?”, pensa Gabrielle, que está arfante de medo.
A aberração deformada aproxima-se de Gabrielle, e com uma das mãos, gigantes e disformes, como uma garra, desune a lâmpada do penico.
— AGORA VOCÊ VAI MORRER, SEU MALDITO!! HA, HA, HA! — Esbraveja a criatura, enquanto destrói com um só aperto o bule dourado, fazendo-o transformar-se em migalhas perante os assustados olhos de Gabrielle.
A besta, então volta suas atenções para a garota. Gabrielle encolhe-se, em total estado de pânico, atrás do penico dourado, rezando para que a criatura não a note e vá rapidamente embora. Entretanto, diferente do que Gabrielle desejava, a criatura avança lentamente em direção a ela.
— Agora que já acabei com o Djinn... vou destruir a Mestra!! — Vocifera a besta.
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