Eu não sei quanto tempo se passou, mas finalmente estou recuperando minha consciência. Que sensação horrível! Mesmo com meu corpo dolorido, eu sinto que meus movimentos estão mais naturais, e consigo utilizar minhas asas como “braços” para suportar meu corpo.
Eu gostaria de acreditar que meu encontro com Laz Auria não passou de um sonho surreal, mas, como se não bastasse a situação de meu corpo, o buraco de onde ela esteve flutuando continua ali, como prova da minha realidade.
Seja lá o que ela fez comigo, toda aquela dor contribuiu para algo benéfico. Minha mente está completamente desperta e meus pensamentos estão nítidos. Minha percepção está mais afiada. Eu consigo sentir dezenas de metros do ambiente a minha volta.
Além do som de uma cachoeira, este lugar não possui nenhuma presença a minha volta.
Suspiro!
— Mesmo minha mente estando focada, ainda existem lacunas em minhas lembranças. Contudo, eu não consigo lembrar dos eventos que levaram à minha morte.
Suspiro!
— Antes de compreender minha situação atual, eu preciso relembrar de como eu vim parar aqui em primeiro lugar.
Não existir nenhuma presença à minha volta será conveniente, pois poderei me focar completamente.
Naturalmente, enrolando em volta de meu corpo, eu fecho meus olhos, me aprofundando em reminiscência.
◆◆◇◆◆
Reino Nepturia, cidade de Nemuria. Nova Era, ano 134 (2280).
Sendo palco da primeira revolução tecnológica que levou à descoberta da Lei Natural, a cidade de Nemuria se tornou o polo central para investimentos de recursos e congregação de indivíduos das mais diversas raças e dimensões das quais a humanidade obteve contato.
Com uma população ultrapassando os 100 milhões de residentes, tendo uma média de 200 milhões de visitantes anuais que utilizam Nemuria para acessar outras dimensões ou conexão para outras cidades através da Terra.
Se vista do espaço, Nemuria parece ser um borrão branco na crosta da Terra devido à sua extensão, ultrapassando as centenas de milhares de quilômetros quadrados.
Porém, em meio a todo este “sol plano” existe uma mancha escura, ausente de qualquer luz.
Denominado como ‘Vazio da Ilha’, a área também é desprovida de população decente, excluindo pesquisadores e responsáveis pelo monitoramento e patrulha da região.
O responsável por criar tal vazio é uma ilha colossal que apareceu repentinamente no ano 126 (2272), que flutua como epicentro de toda a escuridão. Porém, a ilha em si não causa a escuridão, mas sim a descontinuação de recursos movimentados na região após o êxodo populacional, que fugiu das criaturas vindas da ilha e que se espalharam rapidamente.
Mesmo possuindo extensos recursos e pessoal, o Reino de Nepturia falhou em lidar com a situação prontamente, sendo necessários vinte e seis dias para conter a proliferação das criaturas, onde milhões de vidas foram perdidas.
Desde então, oito anos se passaram, mas o Reino de Nepturia juntamente com o Centro de Pesquisa, Análise e Gerenciamento de Portões Dimensionais (CPAGPD), não conseguiu recuperar mais do que 80 quilômetros dos 450 quilômetros perdidos pelo avanço violento das criaturas. Solidificando o status da região como área restrita, mantida diariamente sob extrema vigilância.
◆◇
A cidade de Nemuria é dividida em regiões norte, sul, leste e oeste. Cada região é dividida em quatro territórios que são controlados por uma Casa Principal. Cada território, por sua vez, é dividido em setores, onde quanto maior o número do setor, mais longe ele se encontra da região central.
Neste momento, na região leste de Nemuria, setor 8, no território da Casa Boronéa, um trio de jovens estão casualmente conversando num parque municipal.
— Vocês já ouviram o novo anúncio que a Casa dos Portões fez contato com outra dimensão?
A dona da voz é uma garota da raça dos Hongis. Mesmo tendo apenas 17 anos de idade, ela possui 2.1 metros de altura e corpo tonificado. Uma das características de sua raça que esbanja vitalidade superior à maioria.
— Mais uma? Já foram quantas até agora, seis?
Quem indaga surpreso é um jovem esbelto e alto, seus olhos praticamente fechados e cobertos pela longa franja de seu cabelo preto que disfarça o interesse pelo qual ele aprecia a foto de uma modelo de biquíni; sua beleza enaltecida pelas longas orelhas e cauda peluda.
— Sete. Bem, agora são oito. O nome da nova dimensão é Areantarde. O primeiro contato foi feito por volta de um ano atrás.
A terceira a responder é uma jovem garota, enquanto sentada no banco bebendo café para combater o frio do inverno que se aproxima. Seus cabelos possuem um tom azul-escuro com mechas brancas naturais. Seus olhos possuem um tom amarelo mesclado com laranja; sua pupila é vertical, provando sua linhagem mista, uma visão comum nos dias atuais.
Todos os três possuem alfinetados em suas roupas acima de seus corações, brasões com formato circular que possuem esculpidos diferentes símbolos representando suas casas ou linhagem.
— Kahaha! Vocês humanos não sabem o que é moderação. Deve ser por isso que sua cultura é tão interessante, em especial a culinária.
Exclama a jovem Hongi.
— Até parece que apenas humanos estão interessados em contatar outras dimensões. Atualmente, grande parte do interesse de expansão vem de grupos pertencentes a outras dimensões que almejam utilizar a humanidade como um “escudo” contra o primeiro contato.
Retruca a jovem sentada.
— É um fato que os humanos possuem uma insaciável curiosidade com o desconhecido. Então, a Terra é o ‘diplomata perfeito’ para outras dimensões. Entretanto, a Terra ser o centro da movimentação de tantos recursos é algo que, no fim, vale o risco.
Complementa o jovem, enquanto abre outro álbum de fotos da modelo.
— Isso é verdade. Porém, quando você analisa as possibilidades de tragédias como o aparecimento da ‘Ilha’, isso te faz questionar se realmente vale a pena continuar como um “escudo”.
Comenta a jovem sentada, para onde o jovem responde:
— Esta dúvida é compreensível, porém, para uma tomada de decisão assim, é necessário levar em conta que algo ‘ruim’ acontecerá, você apenas não sabe quando. Bem, não que eu conseguiria arcar com o peso de tomar uma decisão destas.
— Kaha! Realmente. Só tem uma pessoa que eu conheço que seria capaz de tomar uma decisão assim. Falando nisso, já está quase na hora marcada. Ele, por acaso, avisou algum de vocês que se atrasaria? — Complementa a Hongi.
— Bem, não é à toa que ele foi capaz de reunir três dos mais improváveis indivíduos para formar uma equipe. Só isso já diz muito de suas capacidades como líder. Entretanto, não. Ele não avisou. — Argumenta a jovem sentada. — Mas nunca dá pra saber o que ele está pensando. Não ficaria surpresa se ele avisasse que vai se atrasar por estar em outra dimensão!
Todos sorriem, imaginando a situação.
— Kahaha! Realmente, isso parece muito com algo que poderia acontecer.
TLIM!
Ainda rindo, a jovem sentada tem sua atenção voltada ao alarme de seu celular, apitando por uma mensagem recebida. Checando, ela sorri dizendo:
— Falando nele. É uma mensagem avisando que ele está alterando a localização do encontro. A razão sendo: “Eu cochilei e perdi a parada!”.
Todos caem na gargalhada. Rindo tanto que a Hongi precisa se apoiar no banco e segurar seu estômago.
Limpando as lágrimas de seus olhos, a jovem sentada explica enquanto se levanta:
— Ele disse que está a duas estações à frente, na entrada do setor 9.
◆◇
Comments (0)
See all