Capítulo 3 - Skullcrushers - os Esmagadores de Cabeças
Estava na metade de sua décima caneca de cerveja e claramente embriagado. Mordia sua língua enquanto se concentrava ao desenhar num pedaço de papel.
"Há! Perfeito!” Levantou os braços e gargalhou como um maníaco. “ZACH!”, olhou em volta procurando seu parceiro e parecia confuso por não vê-lo sentado à mesa. Ao perceber que o Pequeno não estava lá, imediatamente foi tomado por uma paranóia - obviamente fruto de sua embriaguez - e ficou em pé em sua cadeira para conseguir observar toda a taberna.
“OK SEUS PORCOS IMUNDOS!“ gritou e puxou sua faca. Ou tentou. Tinha esquecido que havia amarrado ela com vários nós para impedir Zach de retirá-la da bainha. “Um momento!” ele disse e voltou sua atenção em tentar desatar os nós mas estava bêbado demais para conseguir. As demais pessoas da taberna olharam para ver quem estava gritando e depois deram de ombros ignorando o que entendiam ser apenas alguém que bebeu demais.
“Filha da… PORRA! Ta quase… AHA!” Gritou ao puxar sua faca, mas o fez com tanta vontade que se desequilibrou e caiu em cima da mesa, derrubando o resto de cerveja sobre si. Algumas risadas podiam ser ouvidas ao redor.
Rob se levantou com a faca em riste, rangendo os dentes, enxugando a cerveja de seus olhos com a manga de sua camisa e olhando em volta como se estivesse cercado por inimigos. Eis que viu, então, o seu amigo chegando à mesa.
“ZACHY!” ele gritou e abriu os braços. “Eu já estava indo te salvar! Como você conseguiu escapar?”, agarrou os braços de Zach, sacudindo-o levemente, seus olhos esbugalhados.
Zach estava confuso. Ele nunca esteve em perigo. Bom, por um momento ele achou que teria o mesmo destino que seu tio Aristides, mas tudo não passou de um mal entendido.
“Chefe…”
“Para de me chamar de chefe!” ordenou. “Nós somos amigos. Me chame apenas de Rob.”
“Ok, Rob!” Zach disse e sorriu. “Eu achei uma maga poderosa para se juntar ao nosso grupo. Esta é a senhorita Azurya Bluestaff!” anunciou andando para o lado e floreando com as mãos ao fazer uma exagerada reverência.
Rob limpou a cerveja de sua densa barba ruiva com as mangas de sua camisa, respirou fundo, ajeitou sua postura e cumprimentou Azurya com uma curta reverência.
“Senhorita Azurya Bluestaff. Meu nome é Rob Griffin. É um prazer que se junte a nós.”, ajustou uma cadeira e gesticulou para ela sentar.
Azurya ficou parada olhando para aqueles dois, suspirando algumas vezes para tentar resistir à vontade de sair dali. Lhe incomodava não saber o que fazer. Suas decisões sempre eram bem calculadas e embora o seu cérebro lhe dizia que se misturar com esses dois era uma furada, um forte instinto lhe fazia insistir. Odiava quando seu instinto atrapalhava com a sua lógica. Sacudindo os pensamentos negativos de sua cabeça ela agradeceu com um gesto e sentou-se à mesa. Zach sentou-se no lado oposto a Azurya e Rob a seu lado.
“Senhorita Azurya…”, começou Rob um discurso ensaiado. “Eu sou o melhor arqueiro de todo o reino, mas existe um limite para o que uma pessoa consegue conquistar sozinha, por mais habilidosa que ela seja, num mundo tão perigoso quanto o nosso. Todos os reinos, de humanos, elfos e anões estão em expansão e entrando em conflitos com as hordas do mau. Monstros, dragões e criaturas abissais ameaçam a nossa mera existência. Mas atrás de todo problema existe uma oportunidade e um mundo cheio de perigos é um mundo carente de heróis. E é aí onde eu entro. Onde nós entramos. Junte-se a nós e juntos seremos invencíveis! Juntos seremos os SKULLCRUSHERS!” anunciou em voz alta mostrando para ela o papel em que tinha rabiscado.
"Está faltando uma letra L”, ela disse, nem um pouco impressionada.
Rob virou o papel para si e piscou várias vezes tentando desembaçar a vista. Arregalou bem os olhos e trouxe o papel para perto de seu rosto. Finalmente viu que, realmente, havia escrito errado.
“MALDIÇÃO!” bradou e buscou em sua mochila o seu estojo com a tinta e a pena de escrever. "Cadê essa porcaria…” disse, enfiando a cabeça dentro da mochila quando finalmente lembrou quem mais estava à mesa. E certamente lá estava Zach gargalhando ao desenhar uma caricatura de Rob bêbado em cima da cadeira.
“Me dá isso aqui!” disse Rob ao tomar a pena e a tinta de Zach. Molhou a ponta da pena em sua língua, mas a pena já estava molhada de tinta. Cuspiu a tinta de sua boca e depois mergulhou a pena novamente no pote de tinta. Pegou seu papel e escreveu um pequeno L que estava faltando logo após o primeiro. “Há!” exclamou e olhou feliz para sua obra-prima corrigida e depois mostrou para Azurya que suspirava desinteressada.
“Olha. Vamos ao que interessa”, ela disse. “Eu não tenho interesse em fazer parte do seu grupinho…”
“Skullcrushers…” ele a corrigiu.
“... o que quer que seja que vocês estão criando aqui.”, ela continuou.
Rob e Zach encolheram os ombros.
“Mas…” ela disse. “Me digam o que tem em mente e se eu achar que vale a pena eu vou com vocês e enquanto for benéfico para ambos, caminhamos juntos. Está bom assim?”
Rob coçou a barba algumas vezes e esticou a mão para a maga, que a apertou em seguida.
“Bem-vinda oficialmente aos Skullcrushers!”, Rob disse animado.
“Ei!” Zach reclamou. “Por que ela está oficialmente e eu temporariamente?”
“Ela é uma maga da Ordem. Ela claramente será muito útil. Já você…”
“Eu sou muito bom em achar coisas perdidas. Olha só…” disse, despejando na mesa uma sacola de objetos que havia ‘achado’ na taberna.
“VOCÊ ROUBOU…” Rob começou a gritar, olhou em volta e achou melhor continuar em voz baixa. “Você roubou tudo isso dessas pessoas?”, sussurrou incrédulo.
“Por que a surpresa?” disse Azurya. “Ele é um Wee.”
“O que você quer dizer com isso?” indagou Zach.
“Wees são notórios por serem extremamente ágeis.”, ela disse, no que Zach sorriu orgulhoso. Azurya continuou. “Embora ser ágil é sem sombra de dúvidas uma qualidade, eles também são incontrolavelmente curiosos. E essa curiosidade aliada a agilidade é o que coloca muitos deles e dos que estão à sua volta em perigos desnecessários.”
“Ah, isso.” disse Zach. “Isso é verdade mesmo.” ele sorriu e começou a espalhar os itens na mesa para ver se encontrava algo de seu interesse. Foi então que achou algo. “Oooh, que interessante!” levantou um colar prateado com uma caneca prateada de cerveja pendurada.
“PROFANADOR!” alguém esbravejou ao redor. “Tire suas mãos imundas do amuleto sagrado de Pulque!”
Pouco depois, um anão surgiu do nada e pulou de barriga na mesa, jogando quase tudo no chão.
“PUTA QUE PARIU!” Rob gritou ao levantar-se assustado.
Uma caneca cheia de cerveja foi ao ar e todo o seu conteúdo caiu em cima de Azurya, mas com rápidos gestos de seus dedos, ela fez a cerveja se acumular no ar como uma bola flutuante. Gesticulando com a outra mão fez a caneca levantar e depois despejou a bola flutuante de cerveja dentro da caneca.
Do lado oposto da mesa Zach gargalhava com a cena inusitada. Ainda deitado na mesa, o anão esticou o braço tentando pegar o colar segurado por Zach, mas Zach o retirou de seu alcance sorrindo.
“Maldição!” vociferou o anão, que rolou devagar para fora da mesa e caiu no chão. Depois levantou-se cambaleante e apontou para o Wee. “Esse amuleto sagrado pertence a mim e a meu Deus! Retire imediatamente suas mãos impuras dele ou picadinho de Wee será o novo prato da casa!”
“Por que todo mundo tá com vontade de comer Wee? Isso não é muito legal.”, disse Zach, colocando o colar na mesa perto do anão. “Você precisa ter mais cuidado. Isso estava jogado em cima de uma mesa. Eu apenas guardei pra você.”
Sem muita paciência para ouvir as desculpas esfarrapadas de um Wee, o anão pegou rapidamente seu amuleto, beijou o mesmo e fez uma curta prece antes de colocá-lo em volta do seu pescoço e por debaixo das tranças de sua enorme barba castanha.
“Desculpe o meu amigo.”, disse Rob, arrumando a mesa e as cadeiras. “Por que não junta-se a gente?”
“Não obrigado!” bufou o anão e começou a se distanciar.
“Eu pago uma rodada de cerveja.” continuou Rob, fazendo o anão parar e dar meia volta. Rob então acenou para a garçonete, pedindo mais uma rodada para a mesa.
“Bom, nesse caso eu acho que posso me sentar um pouco.” disse o anão e se sentou numa cadeira entre Zach e Azurya. Parecia se incomodar um pouco com a presença de Azurya, mas preferia manter mais distância de Zach.
“Ótimo!” exclamou Rob, batendo na mesa excitado. “Por que não nos apresentamos? Não apenas nossos nomes, mas seria bom que cada um contasse um pouco de si. Eu começo. Meu nome é Rob Griffin, o melhor arqueiro do reino, mais conhecido como ‘A Águia Careca’!”
“Há!” exclamou o anão, socando a mesa. “Eu te conheço!” apontou o dedo para Rob, que não conseguiu esconder sua surpresa, bem como Zach e Azurya, que voltaram suas atenções para o anão.
“Co-conhece? De onde?” perguntou Rob.
“Campeonato de arco e flecha dois anos atrás na cidade mercante de Tilissar. Você ficou em segundo lugar. Perdeu para um elfo. Eu achei que você ia ganhar.”
Rob cerrou os punhos com raiva.
“Aquele madito elfo teve sorte. Eu fui para a final com ele. Eu atirava depois dele, mas quando foi minha vez veio uma forte rajada de vento e mesmo tentando ajustar eu acabei perdendo por um ponto. Desde então eu venho tentando encontrá-lo em campeonatos para uma revanche, mas ele nunca mais apareceu.”
Nisso a garçonete chegou com as cervejas e Rob pegou logo a sua e bebeu metade da caneca para afogar suas mágoas.
“Eu sou Zacharias Longsleeves.” disse em seguida o Pequeno. “Eu sou o braço direito de Rob. Ou o esquerdo. O braço que ele precisar. Os Longsleeves são uma das linhagens mais antigas dos Wees e é comum cada núcleo familiar se especializar em um único ofício por pelo menos duas gerações. Meu pai é um exímio cartógrafo e me ensinou tudo o que eu sei. Eu estou viajando pelo continente a décadas, criando e ampliando minha coleção de mapas.”
O anão então olhou para a maga.
“Eu sou Azurya Bluestaff, adepta da Escola dos Elementos da Ordem dos Magos de Shalamar. Neste momento estou me preparando para o teste na Torre dos Elementos onde eu pretendo adquirir o grau de Mestre dos Elementos.”
“Você vai beber sua cerveja?” perguntou o anão à maga, sua caneca já vazia. Azurya acenou negativamente com a cabeça, no que o anão pegou a caneca e deu um pequeno gole para molhar a boca.
“Eu só posso beber de dois em dois. Para cada copo que eu bebo pra mim, eu tenho que beber outro em oferenda a Pulque.”
“Nunca ouvi falar dessa divindade.” disse Rob.
“Eu também não, mas gostei da ideia de só poder beber de dois em dois.” gargalhou Zach.
O anão limpou então sua garganta para se apresentar.
“Meu nome é Khelgar Grogbrew e eu sou um clérigo da Igreja de Pulque.” repousou a mão em cima de seu amuleto, escondido por debaixo de sua longa barba trançada que descansava sobre sua barriga. Assim como a maga, vestia a túnica de sua ordem, a Igreja de Pulque, tingida de um forte amarelo com bordado marrom, na mesma tonalidade de sua camisa. “Pulque é mais conhecido como o Deus da Cerveja e vulgarmente como o Deus dos Bêbados. Porém, ele é muito mais do que isso. No panteão dos deuses, Pulque aparece como um aliado do Deus da Guerra e oferece a bênção da coragem aos soldados antes das batalhas. Sendo assim, é minha missão eterna espalhar a bênção de Pulque pelo mundo, encorajando um número cada vez maior de guerreiros e buscando seguidores para meu Deus.”
“Khelgar, meu caro, você está na mesa certa!” Rob levantou sua caneca. “Um brinde a Pulque!”
Todos brindaram com Rob, exceto Azurya pois Khelgar estava tomando de sua caneca.
“Acontece, meu caro Khelgar, que você está sentando com o futuro mais famoso grupo de heróis do continente. Os SKULLCRUSHERS!” mostrou a ele o papel com o nome corrigido.
O anão olhou para o papel, olhou para Rob, olhou para os demais e parecia não entender do que Rob estava falando.
“Pense comigo.” disse Rob. “Nós começamos localmente, ajudando pequenos vilarejos, construímos nossa fama e depois começamos a ir para cidades maiores, cada vez pegando trabalhos mais perigosos. Na medida que nossa fama for aumentando, maior será o público disposto a nos ouvir para que você possa espalhar as palavras de Pulque por todo o continente. Reis irão erigir templos de Pulque pelos quatro cantos do continente. Bardos cantarão músicas de atos de bravura do clérigo de Pulque e de como o Deus da Cerveja embriagou os soldados com coragem rumo a vitória! Exércitos inteiros irão se inspirar em nossos feitos antes de cruzarem suas espadas com os inimigos. Junte-se a nós e juntos seremos imbatíveis!”
“Por Pulque!”, Khelgar levantou sua caneca e a terminou em um gole. “Contem comigo!”
Rob bateu na mesa excitado. “ISSO! PORRA! Agora estamos prontos para a missão.”
“Finalmente…”, reclamou Azurya, de braços cruzados.
“Oba!” Zach bateu palmas “Uma missão!”
Rob levantou-se e apoiou na mesa com as duas mãos e olhou nos olhos de seus companheiros. “Nós iremos caçar… matar… e trazer a cabeça do… VAMPIRO DE BERESPAR!”
“Uaaaau! Berespar tem um vampiro?” perguntou Zach. “Eu nunca vi um vampiro antes!”
“Por que você acha que todas as noites esta taberna fica lotada? Ninguém quer ficar sozinho.” disse Rob. “Ainda é incerto como ele chegou a Berespar. Seus ataques começaram tímidos e espaçados, mas ultimamente ele tem se tornado mais agressivo. Sua fome deve estar aumentando na medida em que ganha mais força.”
“Então é isso que te trouxe a Berespar.” disse Azurya. “Você veio aqui no intuito de matar o vampiro como o passo inicial para a consolidação da fama do seu grupo heróico.”
Rob consentiu.
“Sim. Esse é o plano. Amanhã nós iniciaremos a caçada a esse vampiro e em breve todos em Berespar nos tratarão como heróis e a notícia começará a se espalhar!!”, levantou seu punho fechado em um gesto triunfante.
De repente a porta da taberna se abriu violentamente com um chute. O vento frio da noite invadiu o local, incomodando todos os presentes. Um grupo de cinco aventureiros adentrou carregando um grande saco encharcado de sangue que deixava um rastro melado no chão na medida em que se aproximavam do centro da taberna. Pediram para as pessoas se levantarem e saírem de uma mesa. Seu lider, um guerreiro em armadura de couro que carregava o saco sangrento, subiu na mesa e mostrou o saco para todos os presentes.
“Boa noite, amigos de Berespar! Meu nome é Percival, líder do grupo Heróis Dourados…”
“Que nome bosta.”, Rob sussurrou para seus companheiros.
“Skullcrushers é bem melhor!” Zach concordou.
“É com imenso prazer que lhes trago uma grande notícia!”, continuou Percival e enfiou uma das mãos dentro do saco enquanto sorria para a multidão. “Eu lhes apresento…” disse, retirando de dentro do saco uma cabeça decepada, segurando-a pelos longos cabelos negros. Parte do sangue escorria pelos enormes dentes caninos da grotesca cabeça. “...o Vampiro de Berespar! Podem dormir em paz, amigos. O Vampiro de Berespar está morto!”
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