Capítulo 6 - Corram!
Rob acordou todos assim que os primeiros raios de sol encontraram seus caminhos entre a folhagem do bosque. Ele queria começar o dia bem cedo. Todos rapidamente ficaram de pé e começaram a se arrumar, menos Khelgar. O anão iria precisar de um pouco mais de tempo. A cada vez que se cutucava ele para o acordar, ele xingava horrores e rolava pro lado. O que apenas fazia com que Zach ficasse o cutucando diversas vezes, chorando de rir toda hora que o anão o xingava, até que Rob finalmente pediu ao Wee para dar um tempo para o anão.
Diferente das roupas que usaram na taberna em Berespar, nesta viagem eles estavam devidamente protegidos. Todos, com exceção da maga, vestiam armaduras de brigantina que era uma espécie de armadura mais leve, usando placas de metal presas entre os tecidos, permitindo maior flexibilidade de movimento.
“Já decidiu um nome para a sua nova faca?” Rob perguntou para Zach. Desde a luta contra o vampiro de Berespar que Rob presenteou Zach com sua faca. Depois do ataque que Zach desferiu no vampiro, permitindo sua posterior destruição, Rob sabia que a faca deveria pertencer ao Wee.
“Ainda não.” Zach respondeu indeciso, girando a faca a sua frente. “Pensei em chamar de Matador de Vampiros, mas eu provavelmente vou matar outras coisas com ela. Talvez Bebedora de Sangue. Hmmm, eu não gosto de nenhum dos nomes que me vem a cabeça.” disse desanimado.
“Não tenha pressa. Uma hora o nome certo irá aparecer.” disse Rob.
“Que tal Em Cima do Pinto.” resmungou o anão, finalmente sentando-se e se espreguiçando.
“Ei! Eu gostei desse nome!” disse Zach, sorrindo para sua faca.
“Eu falei zoando” o anão sacudiu sua cabeça para o Wee.
“Eu te batizo Em Cima do Pinto!” disse Zach, guardando sua faca na bainha.
“Esse vinho élfico me derrubou.” o anão bocejou e começou a se levantar.
“Tem certeza que foi o vinho élfico e não as sessenta garrafas de cerveja?” perguntou Zach gargalhando.
“Bah! Eu não fico bêbado com cerveja.” respondeu o anão, já bebendo dois goles de cerveja para começar o dia e pedindo a bênção de Pulque.
Azurya observava bem humorada a conversa entre o anão e o Wee. A descarga emocional na noite anterior parecia lhe ter lavado a alma. Porém, Rob acreditava que a maga reviveria esses conflitos internos mais vezes no futuro, pois as feridas que ela sofreu em sua vida eram muito profundas. Mas o que importava era que, neste momento, ela tinha encontrado uma maneira de seguir em frente sem se prender ao passado. Precisava de todos com foco na missão.
Após um reforçado café da manhã, voltaram para a estrada principal rumo ao norte. As folhagens do bosque bloqueavam a maior parte do sol refrescando o ar nas primeiras horas, tornando o descanso de Rob mais confortável em cima do cavalo.
O céu estava limpo esta manhã e depois de poucas horas não tinham mais o bosque para lhes proteger do forte sol que os fazia pingar de suor, arregaçar suas mangas e reconsiderar viajar vestindo suas armaduras. Khelgar começou a fazer oferendas para Pulque com mais frequência.
Zach demonstrava o seu conhecimento do reino, sua história e locais de importância. Ao longo das últimas horas, pincelava informações sobre as mais variadas fazendas da região, das famílias dos nobres a quem elas pertenciam, sobre um pouco da história de palácios e monastérios e até mesmo sobre bons lugares para comer em algumas vilas pelas quais passaram.
Já estavam a seis horas viajando quando viram mais a frente uma grande fortaleza ao alto de uma colina à esquerda da estrada, que seguia cortando em meio a um vale, formado por um conjunto de morros em ambos os lados.
“Atravessando o vale e seguindo a estrada por mais algumas horas, chegaremos no rio que irá nos guiar até o pântano.” disse Zach.
Rob deu um tapinha no ombro de Zach, agradecendo-o pelas valiosas atualizações durante a viagem. Zach agradeceu, mas viu que Rob parecia um pouco preocupado.
“O que foi?”, perguntou o Wee.
“A caravana mercante à nossa frente está diminuindo o ritmo.” Rob respondeu.
Além deles na estrada, havia apenas uma caravana mercante. Porém, era uma caravana bem grande. Havia um grupo de dez guerreiros mercenários montados a cavalo e um mago da ordem. Uma carruagem levava provavelmente o mercante e talvez algum familiar ou amante junto com ele. Fora isso, dez mulas carregavam enormes fardos e cada par de mula era guiado por um cuidador específico. Era um grupo de quase vinte pessoas no total e viajavam naturalmente num ritmo menor que o grupo de Rob. Era de se esperar que os alcançassem e os ultrapassassem eventualmente, mas Rob percebeu que começaram a se aproximar mais rápido de uma hora pra outra.
“Vou mais a frente ver o que está acontecendo. Mantenham o ritmo.” disse Rob aos demais e avançou na direção da caravana.
A fortaleza já se apresentava em toda a sua magnitude logo a frente, com as flâmulas do Escudo Branco sendo balançadas ao vento no topo das muralhas. Uma bifurcação na estrada subia a colina em direção aos massivos muros, feitos com enormes blocos de pedra e que subiam por mais de quinze metros do chão.
Rob alcançou o primeiro homem cuidando de duas mulas e assobiou em sua direção.
“Ei! Boa tarde, meu caro.” Rob o cumprimentou.
O homem não parecia confortável com a figura de Rob e apenas cumprimentou de volta em silêncio.
“Quem está liderando a caravana?”, Rob perguntou e o homem apontou para um dos mercenários usando um elmo com plumas amarelas. Rob agradeceu e seguiu na direção do líder.
“Parem!” gritou o líder da caravana, levantando o braço para todos os demais que prontamente obedeceram.
O mercante pôs a cabeça para fora da carruagem, claramente irritado.
“Por que paramos? O que está acontecendo?”
“O Sr Julius mandou pararmos, chefe.” lhe informou o cocheiro da carruagem.
“JULIUS! JULIUS! QUE PORRA É ESSA?” continuava berrando o mercante. Um dos mercenários se aproximou para acalmá-lo.
“Senhor, por favor volte para dentro. Foi para isso que você nos contratou. Provavelmente não é nada, mas precisamos verificar antes de seguir em frente.
“Não podemos atrasar, ou Xyxor descontará do meu pagamento! E se ele descontar do meu pagamento, eu desconto do pagamento de vocês!” apontou o dedo na cara do mercenário e recolheu-se para dentro da carruagem.
Rob não pode deixar de ouvir a conversa.
Quer dizer que essa caravana pertece a Xyxor? Pensou Rob. Talvez alguem aqui conheça o filho dele e possa me dar mais informações que me ajudem a encontrá-lo.
“O que você pensa que está fazendo?” perguntou um dos mercenários, bloqueando a passagem de Rob, quando viu que ele se aproximava da carruagem.
“Eu preciso falar com o seu chefe.” respondeu Rob. “Acho que ouvi chamarem ele de Julius.”
“Julius não precisa falar com você. Agora dá meia volta e some.”
O sangue de Rob ferveu mas não queria arrumar confusão com pessoas que trabalhavam para Xyxor.
“Meu caro, eu estou aqui para ajudar. Na verdade, eu também trabalho para Xyxor!”, disse e retirou de sua mochila o contrato para a recuperação de Sullivan Fystan, o filho do mercante, e mostrou para o mercenário.
O mercenário leu rapidamente o contrato e em seguida seu comportamento mudou.
“Me desculpe, senhor.”, disse, devolvendo os papéis para Rob. “Estava apenas seguindo ordens. Pode seguir.” e sinalizou para os demais de sua equipe que estava tudo bem.
Rob agradeceu e juntou-se em seguida a Julius, que observava o morro à direita com uma luneta.
“Olá, estranho.” disse Julius enquanto ainda olhava através da luneta. “O que você quer?”
“Olá. Meu nome é Rob Griffin.” respondeu. “Eu também trabalho para Xyxor.”
Julius fechou a luneta e apertou a mão de Rob. “Julius. Prazer. Em que posso ajudar?”
“Meu grupo está logo atrás da sua caravana. Eu percebi que vocês diminuiram o ritmo. Algum problema?”
Julius tirou o elmo e o descansou na sela, deixando a vista seus grossos cabelos loiros, amassados pelo elmo e pelo suor. Abriu seu cantil, jogou água no rosto e na cabeça e passou a mão nos cabelos, puxando-os para trás. Depois deu um longo gole e ofereceu a água para Rob, que recusou com um curto gesto.
“Eu vi algo ali em cima.” suspirou pesado. “Merda de calor…” disse, cuspindo na estrada. “Tenho quase certeza que vi o sol refletir em algo metálico. Mas esse calor está tão forte que fico pensando se não estou imaginando coisas.”
“Posso?” Rob disse e esticou a mão, pedindo a luneta emprestada. Julius a colocou em sua mão e Rob começou a escanear o topo dos morros.
Os morros não eram muito altos, talvez duzentos metros de altura, e eram cobertos por longas lâminas de gramas balançadas pelo vento. Não havia mata densa. Apenas pequenos grupos de arvores espaçados.
“Também não vi nada.” disse Rob, devolvendo a luneta. Olhou para trás e viu que seus amigos já se aproximavam. Tinham acabado de conversar com o primeiro mercenário com quem Rob tinha conversado inicialmente e viu Zach apontando em sua direção e tendo a sua passagem liberada logo em seguida.
“É. Não deve ser nada.” disse Julius, colocando novamente seu elmo e sinalizando com o braço para a caravana prosseguir.
“PORRA! FINALMENTE CARALHO!”, ouviu-se o grito abafado do mercante de dentro da carruagem.
“Então. O que ele disse?” Perguntou Khegar, se juntando a Rob.
“Ele acha que viu o sol refletir em algo metálico em cima dos morros à direita. Vamos ficar atentos e viajar por enquanto junto com eles.”
O anão concordou. “Fico so imaginando o prejuizo que Zach vai dar a essa caravana viajando no meio de tantas cargas.” Disse gargalhando e em seguida ofereceu um gole de sua cerveja para Rob, que recusou.
Azurya cavalgava mais atrás, perdida em seus pensamentos quando de repente alguem lhe chamou pelo nome, mas não era nenhum de seus companheiros.
“Olá, Azu. Quanto tempo...” disse, com um sorriso, o mago que acompanhava a caravana. Aproximou-se da maga para cavalgar a seu lado.
“Z-Zique?” ela disse, incrédula. “O que você está fazendo aqui?”
“Pelo que ouvi da conversa do seu líder com Julius, o mesmo que vocês. Contratado por Xyxor Fystan.”
“E qual exatamente é o seu trabalho?”
“Xyxor tem um contrato com a Ordem. Não sei os detalhes. Só sei que há três anos eu sirvo como interlocutor e mensageiro entre ele e a Ordem, e faço o ocasional auxílio na proteção de caravanas, como hoje. Mas…” ele disse e então pegou na mão dela e olhou dentro de seus olhos. “Eu não quero falar sobre Xyxor. Quero saber de você. Eu não parei de pensar em você todos esses anos. Me conte… me conte tudo.”
Ela ruboresceu e hesitou antes de puxar sua mão e fechar a cara. “Não tem muito o que contar. Você me largou e desde então eu foquei apenas nos meus estudos.”
“Ah, vamos Azu. Eu não tinha opção. Você sabe disso. Nós éramos apenas adolescentes. Eu tive que me mudar com meus pais….”
“Sim, éramos adolescentes. Não era nada importante. A gente nao sabia o que tava fazendo.”
“Voce não acredita nisso. Eu sei que não acredita.” Ele disse, tentando pegar sua mão denovo mas desta vez ela o impediu, segurando-lhe firme pelo pulso e encarando-o com raiva.
“Ezequiel. Eu não sou a garotinha órfã que você conheceu na Ordem dez anos atrás.” ela disse, afastando a mão dele. “Eu sou uma Adepta dos Elementos e em breve farei meu teste para adquirir a maestria. Tudo o que eu consegui é mérito meu. Meu trabalho! Meu esforço! SOZINHA! Sem a ajuda de ninguém. NINGUÉM!”, ela continuou, com os olhos começando a lacrimejar. Era perceptível a dor com que ela proferiu essas palavras. “E eu pretendo continuar assim. A última coisa que eu preciso é de um romancezinho de infância se meter na minha vida e me tirar o foco só para depois sumir de novo." ela concluiu e enxugou os olhos, cutucando seu cavalo e se afastando de Ezequiel que ficou observando confuso sua antiga namorada.
Será que eu falei alguma coisa errada? Azu, o que aconteceu com você nesses anos? Ele pensou. Ela realmente mudou. Eu também mudei. Mas o que eu sinto por ela não mudou. Eu preciso dizer isso pra ela. Eu preciso que ela entenda. Por que outro motivo Myandra cruzaria nossos caminhos dez anos depois se não fosse para entrelaçar nossos destinos?
“Você não parece ser muito bom com as mulheres.” disse Zach, se aproximando de Ezequiel.
O mago sorriu, meio perdido em pensamentos e depois virou-se para o Wee. “Talvez você esteja certo. É o preço a se pagar por passar uma vida inteira estudando as artes arcanas. Ezequiel…” disse, esticando a mão para cumprimentar Zach.
“Zacharias.” disse, apertando a mão do mago. “Você é muito corajoso, por sinal.”
“É mesmo? Por que?”
“Nunca vi alguém chamá-la de Azu, ou pegar na mão dela desse jeito. Um dia eu quase encostei no cajado dela e ela ameaçou me comer no jantar.”
Ezequiel deu uma gargalhada. “Ela é bem arisca assim mesmo. Mas depois que você consegue atravessar a enorme barreira que ela ergue em volta do seu coração, depois que você ganha a confiança dela para ela se mostrar vulnerável, ela se torna a mais doce, meiga e carinhosa pessoa que já conheci! Em meus vinte e dois anos eu nunca conheci alguém como ela! Além da beleza, ela é muito inteligente e talentosa. Já era para ela ter ascendido ao rank de Mestre na Ordem. Mas como ela não vem de família nobre, o caminho dela na Ordem será mais difícil que o dos demais.”
“Vocês eram namorados?” perguntou Zach.
“Talvez ela esteja certa. Era um romance inocente…” ele disse, pensativo. “É… talvez… mas e você? Existe uma senhora Zacharias em algum lugar?”
(Oportunidade de um foreshadowing e evolucao do personagem inserindo um possivel par romantico futuro)
O vento então mudou de direção, descendo dos morros à direita e carregando um cheiro forte bem distinto para o olfato dos experientes viajantes.
Julius ordenou a caravana a parar e olhou para Rob que consentiu. Ambos trocaram olhares de que perceberam a mesma coisa.
“Fiquem atentos. Acho que teremos problemas.” disse Rob a seus amigos.
“O que foi?” perguntou Azurya.
“Eu também senti.” Khelgar fez uma careta.
“Orcs.” disse Zach para Ezequiel. “Muitos orcs. Eu não gosto de orcs.”
De repente um enorme barulho chamou a atenção de todos vindo do topo de um dos morros à direita. Raios vermelhos circulavam uma parte da encosta do morro, formando um enorme buraco. Na medida que o buraco ia aumentando, uma enorme pedra se formava, flutuando em cima dele, cercada pela mesma energia avermelhada.
“SAIAM DA ESTRADA!” ordenou Julius à caravana. “SUBAM A COLINA Á ESQUERDA EM DIREÇÃO A FORTALEZA!” apontou para a estrada mais acima na colina.
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