Nem fudendo eles conseguem entrar aqui. Pensou Rob inicialmente, observando a imponência da fortaleza. Os muros tinham quinze metros de altura e cinco metros de espessura. Já era possível ver os arqueiros posicionados no topo da muralha. Contou quinze de cada lado. Isso já o deixou um pouco preocupado. Trinta arqueiros para quinhentos orcs? Quantos homens eles tem lá dentro?
Zacharias soltou um longo assobio ao olhar para baixo. O portão da frente funcionava como uma ponte levadiça e neste momento ele estava baixado, permitindo a travessia do fosso que circulava a fortaleza, com dez metros de profundidade e cinco metros de largura.
“Já li sobre a história da fortaleza, mas conhecê-la pessoalmente é bem diferente!” disse Zach excitado. “Deve ser divertido tentar sair desse fosso. Depois da batalha eu quero tentar!”
“Vai ser mais divertido ver os corpos dos orcs empilhados dentro dele.” disse Khelgar.
Assim que atravessaram a ponte, uma pesada grade levadiça de ferro caiu atrás deles e ouviram o barulho das enormes correntes da ponte sendo recolhidas. A ponte era feita de massivas toras de carvalho reforçadas com largas barras de ferro transversais e eram precisos vários homens para girarem o mecanismo usado para erguê-la. Era um processo laborioso e a cada elo da corrente recolhido o carvalho da ponte rangia como um leviatã acordando.
Antes de entrarem na fortaleza, precisavam passar pelo pequeno túnel de cinco metros que passava pelo meio da muralha e levava a uma segunda grade de ferro, que começou a ser erguida. Após à grade havia um segundo portão de madeira também feito com toras de carvalho, mas este era erguido verticalmente e já se encontrava aberto. Uma vez fechados os portões, os mesmos só seriam abertos novamente no final da batalha pois eram extremamente pesados.
“ESCUDEIROS, ÀS ESCADAS!” ordenou um cavaleiro no centro do pátio, sua voz grave parecia ressoar por toda a fortaleza. Vestia uma armadura de placas em todo o corpo e uma cota de malha por debaixo, protegendo as articulações e demais áreas expostas. Uma túnica verde descia sobre o peitoral trazendo o brasão da casa de Caspius, que era composto pelos quatro símbolos: o escudo branco, a fortaleza, a espada e Carmine. Embora sua armadura estivesse reluzente como se fosse nova, era possível ver as marcas de batalhas passadas em toda ela. O elmo estava com a viseira levantada, permitindo ver no rosto negro do cavaleiro uma enorme cicatriz que descia diagonalmente da testa até a bochecha esquerda, quase passando por cima do olho. Era claramente um veterano de guerra e, não à toa, liderava o exército da fortaleza. “LANCEIROS, CORREDOR DA MORTE NO PORTÃO PRINCIPAL! ASPIRANTES, LEVEM O ESTOQUE DE FLECHAS E O ÓLEO FERVENTE PARA OS MUROS! VIGIAS NOS MUROS LATERAIS E AOS FUNDOS! CAVALEIROS, COMIGO!”
Todos se moviam ordenadamente em cumprimento aos comandos do cavaleiro. Dois dos aspirantes se dispuseram a levar os cavalos dos grupos de Rob e Julius aos estábulos. Junto ao cavaleiro estavam outros dez cavaleiros trajando armaduras similares. Todos armados com uma lança, um escudo e uma espada na bainha, organizados em fileiras de cinco atrás do líder, montados em seus cavalos.
Um rapaz jovem e franzino com roupas de nobreza se aproximou, escoltado por dois guardas. Aparentava não mais que vinte anos de idade, mas andava com autoridade pelo pátio e todos faziam reverência por onde ele passava.
“Sua excelencia”, disse o líder dos cavaleiros, fazendo reverência ao jovem nobre. Os demais cavaleiros fizeram o mesmo em seguida.
“Meu caro Sir Cristan.” disse o nobre, cumprimentando o cavaleiro com um leve aceno de cabeça. Olhou, então, para Julius, Rob e seus companheiros. “Vejo que temos companhia.”
Antes que Sir Cristan pudesse falar, Zach deu um passo à frente e se dirigiu ao jovem nobre.
“É um enorme prazer poder finalmente estar na ilustre presença de sua excelência, o Marquês de Caspius.”, disse Zach, floreando com a mão direita ao fazer uma profunda reverência. Todos os demais, incluindo os mercenários, acabaram seguindo o Wee e cumprimentaram o Marquês. O qual só descobriram se tratar de ser o Marquês por causa de Zach. Nenhum deles tinham a menor idéia de quem era o jovem até então.
“Você fala muito bem para uma criança. Onde estão os seus pais?” disse o Marquês.
“Ha! Boa pergunta. Onde será que meus pais devem estar uma hora dessas? Minha mãe deve estar ainda na casa dela em Bela Planície, minha cidade natal. Ela não gosta muito de viajar. Já meu pai…”
Rob colocou a mão no ombro de Zach e o interrompeu.
“Sua excelência. Meu nome é Rob Griffin, líder dos Skullcrushers. Este aqui…” deu uma leve sacudida no ombro do Wee. “É Zacharias Longsleeves. Não se deixe enganar por sua estatura. Este bravo guerreiro Wee poucos dias atrás aplicou um golpe fatal no Vampiro de Berespar. Foi graças a ele e a meus demais companheiros…”, mostrou então o anão e a maga “...Khelgar Grogbrew, devoto clérigo de Pulque, e Azurya Bluestaff, poderosa maga da Ordem, que conseguimos salvar o povo de Berespar.”
“Ah! Um Wee!” disse o Marquês, surpreso. “Mil desculpas, bravo Zacharias. Eu já li muitos livros mencionando o seu povo, mas nunca conheci um Wee de perto.”, continuou e virou-se para Rob. “Bendita seja Carmine por guiar tão competentes heróis em nossa direção neste delicado momento.”
“ORCS SUBINDO A COLINA!” um dos arqueiros gritou do muro.
“Sua excelência!" Sir Cristan disse. “Por favor, vá imediatamente com os guardas para dentro do castelo.”
O jovem Marquês concordou e parou à frente de Sir Cristan, olhando para cima nos olhos do alto cavaleiro. “Meu avô, Sir Caspius o Resiliente, foi o último cavaleiro de minha família. Depois que ele defendeu bravamente esta fortaleza cinquenta e dois anos atrás, a sua alteza Rei Ricardo III de Escudo Branco lhe deu o título de Marquês, junto com esta fortaleza e as terras ao redor e a única coisa que pediu em troca foi sua eterna lealdade e que defendesse a fortaleza e as terras do reino com sua vida. Desde aquela época esta fortaleza nunca caiu em mãos inimigas. Sir Cristan, não deixe que hoje seja diferente. Que Carmine os ilumine.”
Logo em seguida, os guardas escoltaram o Marquês em direção à torre no fundo do pátio. Era uma enorme construção fortificada utilizada em sua maior parte para administrar a fortaleza e para servir de alojamento para os cavaleiros, serventes e o Marquês e sua família quando visitavam a fortaleza.
“Skullcrushers e mercenários! Atenção!” disse Sir Cristan em sua voz de comando. “Iniciaremos protegendo os muros. Qualquer um que souber manejar arco e flechas, posicione-se junto aos arqueiros. A única chance que eles têm de entrar é tentando subir nos muros. Nossos portões nunca caíram e não cairão hoje. Vão e preparem-se!”
Rob, Azurya e Ezequiel subiram as escadarias que levavam até o topo do muro direito e os mercenários ao esquerdo. Os degraus eram bem largos ao ponto dos dez escudeiros lá posicionados formarem duas filas de cinco homens no topo da escadaria.
Pediram licença aos escudeiros e passaram no meio da formação. Todos estavam focados. Das escadas não sabiam o que estava acontecendo lá fora, mas eram treinados para manter sua posição e agir sob comando. Quando a batalha chegasse a eles, eles estariam prontos para agir.
“Olá pessoal.” Rob cumprimentou de forma descontraída os arqueiros no muro. Como o muro tinha cinco metros de largura, a passarela no topo era bem ampla, com quase a mesma largura da base. Os arqueiros estavam todos escondidos atrás dos merlões, que tinham quase dois metros de altura e protegia todos em cima do muro contra ataques vindos de fora. As ameias - vácuos entre os merlões - permitiam observar o lado de fora, bem como atirar flechas e demais objetos contra invasores. Alguns arqueiros o cumprimentaram de volta, mas a maioria estava focada em observar o exército orc chegando perto a cada passo.
Embora o exército de Caspius fosse historicamente famoso, havia um medo palpável no ar vindo dos arqueiros. Diferente dos escudeiros, eles estavam enxergando um exército cinco vezes maior que o deles formado por criaturas monstrengas as quais a maioria deles nunca sequer viu antes em toda a vida. A fortaleza era conhecida por guardar um exército de mil homens, mas Rob contou pouco mais de cem naquele momento. O restante havia sido deslocado para a guerra no nordeste do reino.
Tirou a aljava de suas costas e prendeu-a à cintura, para facilitar pegar suas flechas mais rápido. Havia ali perto alguns barris cheio de flechas de diferentes tipos. Pegou algumas e reabasteceu sua aljava.
“Muito boas as flechas. Ponta de agulha de aço reforçado. Sólida haste. Rêmiges com pena de ganso. Quem quer que tenha feito essas flechas, merece os parabéns.” Rob disse, manuseando-a e depois colocando-a no seu arco e mirando na direção dos orcs.
“O que você tá fazendo?", disse um arqueiro próximo a ele, num claro tom de reprovação. “Eles estão a mais de trezentos metros de distância. Você não vai conseguir acertá-los.”
“Trezentos metros? Parece bem longe mesmo.” disse Rob confiante, já esticando a corda até atrás de sua orelha.
O arqueiro ao lado não conseguiu segurar a risada e cutucou seus amigos. Em poucos segundos, todos os quinze arqueiros do lado direito do muro estavam observando Rob e sua tola tentativa de acertar os orcs.
Rob nem prestava mais atenção ao que acontecia à sua volta. A única coisa que ele enxergava era seu alvo. Vamos ver se essas flechas conseguirão atravessar a armadura desses orcs. Se não conseguir, teremos problemas ainda maiores. Ele pensou e em seguida soltou a flecha que saiu voando pelo ar fazendo um longo arco por cima do campo de batalha que ainda estava por se formar e caindo com endereço certo no peito de um dos orcs da linha de frente. A flecha penetrou a armadura do orc e afundou em seu coração, derrubando-o de cara no chão. Os demais orcs continuaram marchando inabalados, pisoteando o falecido guerreiro.
“Ótimo. Era tudo o que eu queria. Vou botar pra fuder.” disse Rob, piscando o olho para o arqueiro incrédulo e já puxando outra flecha.
Todos os arqueiros na muralha, em ambos os lados, vibraram com a morte do orc e saudaram a mira de Rob.
“Eu nunca vi isso na minha vida!” disse um.
“A flecha parecia ter asas!” disse outro.
“Vai pro inferno orc miserável” disse um terceiro.
“Como é possível?" disse o arqueiro perto de Rob, que havia duvidado de sua habilidade. “Nunca vi um arco atirar muito acima de duzentos metros.”
“Este não é qualquer arco.” Disse Rob, mirando na sua próxima vítima. “E eu não sou qualquer arqueiro.” e soltou mais uma flecha e, segundos depois, mais um orc comeu grama.
Os arqueiros foram ao delírio. Os escudeiros curiosos perguntavam o que estava acontecendo e assim que ficaram sabendo que mal a batalha começou, já estavam abatendo orcs, começaram a bater suas espadas em seus escudos, saudando Rob.
Sir Cristan em poucos minutos já estava em cima do muro para presenciar o que estava acontecendo.
“Eu ganhei este arco de um elfo, muitos anos atrás, em um duelo.” Rob disse, contando uma breve história sobre o seu arco enquanto matava orcs a trezentos metros de distância como se estivessem logo à sua frente. Embora todos no exército de Caspius usavam armas e armaduras de boa qualidade, nenhum dos arcos longos da fortaleza se comparava ao arco de Rob. O arco élfico tinha um design em dourado de asas de águia nas partes de cima e embaixo e garras de águia douradas nas extremidades. Abateu, em seguida, o terceiro orc.
“ROB! ROB! ROB!” todos gritavam nos muros, como um grito de guerra.
Sir Cristan não estava muito satisfeito. Seu exército havia perdido temporariamente o foco.
“ATENÇÃO!” ele gritou e todos se calaram. “O INIMIGO SE APROXIMA! A BATALHA IRÁ COMEÇAR EM BREVE! TODOS EM SEUS POSTOS! ARMAS EM PUNHO! OLHO NO INIMIGO! CORAÇÃO NA GUERRA! ARQUEIROS, PREPAREM SEUS ARCOS! A MEU COMANDO!”
Em seguida, Sir Cristan andou até Rob. A cabeça do notável arqueiro batia no ombro do cavaleiro, que tinha quase dois metros de altura.
“Excelente trabalho!” disse ele a Rob. “Mas, de agora em diante, atire apenas ao meu comando.”
Rob acenou positivamente com a cabeça. Entendia que os orcs estavam chegando ao alcance dos arqueiros da fortaleza e era necessário, para o máximo de eficiência do ataque, que todos atirassem juntos. Se Rob atirasse fora de hora, poderia quebrar o compasso do ataque dos arqueiros.
Enquanto isso, no pátio…
Khelgar distribuía garrafas de cerveja benzidas por Pulque para Zach.
"Você disse que queria ser um servo de Pulque. Eis a sua chance para demonstrar sua devoção. Eu acabei de benzer todas essas garrafas. Distribua a todos os guerreiros em nome de Pulque!” disse o anão.
“Pode deixar, chefe!”, disse Zach animado, batendo continência para o anão, que levava a mão ao rosto e balançava sua cabeça. O Wee estava usando o menor elmo que encontrou no estoque de armamentos da fortaleza, o qual movia-se com folga em sua pequena cabeça e lhe dava um ar de desengonçado.
Pulque, por favor proteja duplamente esse idiota. Rezou Khelgar, em pensamento.
Atravessando o pátio a pequenos passos rápidos, o Wee se aproximou dos lanceiros que formavam um corredor da morte para quem quer que atravessasse pelos portões. Como os portões não estavam sendo atacados, eles estavam em pé, em posição de descanso, mas atentos.
“Olá senhor", um dos lanceiros ouviu alguém dizer e sentiu em seguida sua cota de malha sendo puxada abaixo da sua cintura. Olhou em volta e poucos segundos depois percebeu o Wee atrás dele.
“Ei! Chispa daqui. Vai se esconder em algum lugar.” o lanceiro disse de forma ríspida.
“Eu sou um servo de Pulque, o Deus da Cerveja.”
“Não quero saber. Sai!”
“Pulque é o deus dos bêbados!” disse outro lanceiro, em chacota. “É o deus mais ridículo de todos. O símbolo sagrado dele é uma caneca de cerveja!”
Os demais lanceiros caíram na risada.
Zach ficou furioso. “Ei! Isso não é legal! Pulque é aliado do deus da guerra e oferece coragem antes da batalha a todos que aceitam a sua benção.”
“Então ele deveria abençoar Torel, o novato. Ele já vomitou umas duas vezes de nervosismo.” disse um terceiro lanceiro, fazendo todos os demais caírem na gargalhada.
“É a primeira vez dele numa batalha.” disse outro, dando um tapa nas costas de Torel, que estava em pé perto do portão, à esquerda.
Diferente de todos os demais lanceiros, Torel se destacava por ser mais franzino e ter uma postura mais curvada. Era como se a armadura estivesse tentando esmagá-lo. Mas conseguia manter sua lança firme, como os demais, a qual ficava balançando para todos os lados.
Zach decidiu andar até Torel.
“Olá, Torel.” disse Zach, estendendo sua mão para cumprimentá-lo. Mas Torel decidiu ignorar o Wee.
A vontade de ser aceito pelos demais o compelia a emular o que os outros faziam. E eles estavam debochando do Wee, então Torel preferia seguir na mesma linha e ignorá-lo.
Comments (0)
See all