Haviam quinhentos orcs no exército de Gulk’arik. Todos guerreiros bem treinados, fortes, agressivos, bem equipados, vestindo armaduras e portando enormes e afiados machados ou espadas.
Via a raça dos orcs como superior à dos humanos. Além de mais fortes fisicamente, tinham sentidos mais aguçados, visão noturna, maior tolerância à dor e nenhuma compaixão com o inimigo. Sua intenção era invadir a fortaleza e matar todos bem rápido. Monitoravam a fortaleza já a algum tempo, esperando que suas defesas caíssem para o patamar atual. Não contavam com os reforços que receberam, mas eram insignificantes.
"GUERREIROS DE ARGMAR!” começou a discursar na língua dos orcs para seu exército, ficando em pé nas costas de seu besouro gigante, conseguindo assim olhar para todos e permitir que todos olhassem para ele. “HOJE É O NOSSO DIA! HOJE MATAREMOS AQUELES QUE MATARAM NOSSOS ANTEPASSADOS! HOJE HONRAREMOS O ORCLUD COM O SANGUE DERRAMADO DOS HUMANOS! ENVERGONHAREMOS OS SEUS DEUSES COM A NOSSA VITÓRIA! FAÇA-OS SOFRER! FAÇA-OS SANGRAR! MATEM TODOS! POR ARGMAR! PELO ORCLUD! POR NAZARTH! DOR E MORTE! DOR E MORTE! DOR E MORTE!”
“DOR E MORTE! DOR E MORTE! DOR E MORTE!” Todo o exército começou a gritar em uníssono, erguendo suas armas enquanto rufavam os tambores.
Deixou seus guerreiros gritarem por um tempo, para alimentar sua adrenalina, antes de ordenar o ataque. Virou-se então para uma figura distinta dos demais em seu exército. O único que não tinha cara de guerreiro. Vestia uma saia de couro e uma capa de pele animal, deixando sua barriga, um pouco fora de forma, exposta e apenas pintada de branco e preto com diversos símbolos, assim como seu rosto. Usava diversos colares e pulseiras feitos de tiras de couro e ossos e segurava um grosso cajado que parecia funcionar como uma bengala, pela maneira como o usava para lhe ajudar a andar, pois mancava ao fazê-lo. No topo do cajado havia um crânio de bode sem o maxilar inferior. Abaixo da cabeça estava um enorme cristal rosa escuro com uma energia vermelha fluindo em seu interior.
“Dizzug! Esta pronto?” Perguntou o lider para o orc xamã.
“Sim.” respondeu, sem tirar os olhos da fortaleza
O xamã estava extremamente focado. Havia sido escolhido a dedo pelo necromante para a missão e, pela maneira como os magos humanos foram incapazes de deter sua pedra gigante, tinha confiança que não encontraria um adversário à altura.
Do topo do muro direito…
“Uau, eles são muito feios!”, disse Zach, observando o exército dos orcs através de uma luneta. “Esse grandão deve ser o chefe. E ele ta montado em um besouro gigante! Que legal!”
Rob reconheceu a luneta e apenas balançou a cabeça sorrindo. "Você conseguiu entender alguma coisa que ele falou?”, perguntou curioso.
“Aham. Deu para ouvir Agmar, que é como eles chamam a região de Algameia.” disse Zach. “E Orclud, que é como eles chamam o grupo de deuses orcs, embora aí também estejam incluídos, tecnicamente, todos os guerreiros que morreram bravamente, pois eles acreditam que o espírito de bravos guerreiros se juntam aos deuses em Orclud. Ah, e também mencionaram Nazarth.”
“Nazarth?” perguntou Rob. “Mas esse não é o deus da morte?”
“Sim. O irmão de Carmine.” disse Zach.
“Conseguiu entender mais alguma coisa?”
“Ah, apenas o básico.” disse Zach, e em seguida imitou a voz grunhida dos orcs, fazendo uma careta e levantando as mãos em forma de garras. “Vamos matar todo mundo!! Bla bla bla! Eu sou muito feio! GRRRR!”
Rob se divertiu com a imitação, mas não tinha nada de divertido no que estava para acontecer. O rufar dos tambores orcs reverberaram pelas paredes da fortaleza e anunciavam o iminente ataque.
“Maldito Nazarth…” disse o cavaleiro, curvando os lábios, rangendo os dentes e cerrando os punhos. “Como ele ousa querer profanar esta casa de Carmine? Se ele pensa que quinhentos orcs serão o suficiente para derrotar cem guerreiros de Caspius, sob o testemunho da Deusa eu prometo que farei todos se arrependerem. Queimarão todos no fogo eterno do inferno e farão a passagem para o mundo dos mortos em profunda agonia e lamentação!”
Rob e Zach arregalaram os olhos para o cavaleiro, que até então falava de maneira formal e eloquente. Esse lado dele era novidade. Para Rob estava claro. A batalha iria começar. Voltou sua atenção para os orcs e firmou sua empunhadura em seu arco e descansou uma flecha com ponta de agulha, aguardando o comando do cavaleiro de Carmine.
Sir Cristan retirou a sua espada e levantou-a ao céu e gritou para seu exército, sua poderosa voz sendo amplificada de forma extraordinária, como se as pedras da fortaleza quisessem carregar sua mensagem para seus quatro cantos.
Zach o olhava admirado, não apenas pelo cavaleiro ter quase o dobro do seu tamanho, mas porque percebeu que não se tratava de um cavaleiro qualquer. Havia algo de especial em Sir Cristan que ele não tinha percebido antes mas que agora ele acreditava ser verdade. Seria Sir Cristan um campeão de Carmine? Eram raras as menções de cavaleiros sagrados nas literaturas, que dizem que esses são escolhidos pelos deuses por sua imensa devoção e extraordinária habilidade.
“HOMENS DE CASPIUS!” Sir Cristan gritou e foi como se o mundo em sua volta se calasse para lhe ouvir. “É CHEGADA A HORA! A DUZENTOS METROS DAQUI UM GRUPO DE QUINHENTOS ORCS ADORADORES DE NAZARTH ACREDITAM QUE PENETRARÃO NOSSAS DEFESAS, PROFANARÃO NOSSA CASA E CEIFARÃO NOSSAS VIDAS! ESSAS CRIATURAS ESTÚPIDAS NÃO CONHECEM O PODER DO EXÉRCITO DE CASPIUS! NÃO CONHECEM A SUA CORAGEM! NÃO CONHECEM O SEU AMOR POR ESSA TERRA! NÃO CONHECEM A SUA FÉ EM NOSSA DEUSA! HOMENS DE CASPIUS! EU LHES PERGUNTO! ESSES ADORADORES DE NAZARTH CONSEGUIRÃO NOS DERROTAR?”
A resposta veio imediatamente, no grito orquestrado de cem homens.
“NÃO, SENHOR, NÃO!”
“PELO ESCUDO BRANCO, PELA ESPADA, POR CASPIUS E POR CARMINE!” gritou Sir Cristan.
“PELO ESCUDO BRANCO, PELA ESPADA, POR CASPIUS E POR CARMINE!! ” gritaram de volta os cem homens.
Sir Cristan se virou para os orcs, apontando sua espada na direção deles. “ARQUEIROS! PREPARAR FLECHAS! AO MEU COMANDO!”
Gulk’arik ouviu os gritos dos humanos e viu os arqueiros no muro se preparando. Era chegada a hora.
“Dizzug. Agora.” disse Gulk’arik.
O xamã levantou seu cajado e raios vermelhos começaram a circular seu cajado.
“ATIRAR!” ordenou Sir Cristan.
Um voleio de quase quarenta flechas voaram em direção aos orcs, abatendo pouco mais de uma dúzia deles. Sir Cristan ordenou novamente.
“PREPARAR FLECHAS!”
Neste momento um vento começou a soprar no topo do muro da fortaleza, de um canto ao outro. Na medida que a velocidade do vento aumentava, partículas de poeira começaram a surgir, apenas incomodando inicialmente, mas poucos segundos depois já forçava todos a fecharem os olhos. Em menos de um minuto, o topo da muralha estava tomado por uma densa nuvem de poeira que cobria todos, dos pés à cabeça, lhes tirando toda a visibilidade.
“PROTEJAM-SE!” ordenou Sir Cristan e todos os arqueiros saíram das almeias e giraram o corpo, ficando com as costas para os merlões. Embora não conseguissem enxergar um palmo à frente do nariz, eles conheciam a fortaleza com a palma de suas mãos e conseguiam andar nela de olhos fechados.
“Ele é muito forte.” disse Azurya, observando as fagulhas vermelhas que permeavam a poeira.
“Vamos ter que agir juntos.” disse Zique. “Vai demorar um pouco, mas a gente consegue limpar o ar.”
Embora eles não conseguissem se enxergar, era possível ver as energias azuis e alaranjadas de seus cajados girando e formando um redemoinho brilhante em volta dos cajados. Cada redemoinho tinha dois metros de altura e três metros de diâmetro no topo. Começaram a andar juntos, limpando a névoa por onde passavam. Embora a força dos redemoinhos fossem fortes o suficiente para remover a nuvem de poeira, não apresentava riscos às pessoas no muro.
“Azu!” disse Zique, olhando para os orcs, assim que limparam a área em volta deles.
“Merda!” ela disse. “ORCS ESTÃO AVANÇANDO! NÓS ESTAMOS REMOVENDO A NUVEM DE POEIRA! VENHAM NA DIREÇÃO DA MINHA VOZ!” ela gritou, alertando todos à sua direita.
“ARQUEIROS! PARA A ESQUERDA! ATIREM A VONTADE!!” ordenou Sir Cristan.
Azurya e Zique estavam perto da Casa do Portão. Sendo assim, estavam removendo a poeira no muro direito da esquerda para a direita. Rob chegou junto com o primeiro grupo de arqueiros e foram se aglomerando rapidamente. Se assustaram ao verem os orcs já tão perto, mas o profundo fosso os impedia de chegar aos muros.
“Uni… duni… tê…” disse, Rob, abatendo três orcs com três flechas. “Salamê miguê…” abateu mais três. “Vocês já mataram quantos?” ele perguntou aos magos com um sorriso maroto.
Era como se ele estivesse se divertindo com o início da batalha. Até mesmo porque os orcs não tinham como atravessar o fosso e continuavam sendo apenas alvos fáceis para a mira impecável de Rob. Mas esse era um cenário que iria mudar em breve.
Assim que Gulk’arik ordenou seu exército para avançar, o xamã começou a preparar uma nova magia. O chão começou a tremer levemente embaixo dos pés de Rob e de todos os demais em cima da muralha. Ao olharem para fora da fortaleza, virão a energia avermelhada do cajado do xamã atingindo uma enorme área, explodindo grama e terra para todos os lados. Em seguida ouviram um barulho parecido com o de um terremoto e o chão fora da fortaleza começou a se erguer, desde antes do fosso até o encontro com a muralha, criando uma rampa com dois metros de largura. A rampa, assim que subisse o suficiente, não apenas atravessaria o fosso como levaria o exército orc ao topo da muralha.
“Filho da puta…” disse Rob e atirou imediatamente uma flecha na direção do xamã, que com um simples movimento de sua mão, manipulou o ar a sua frente de forma a desviar a trajetória da flecha. Merda! , pensou, encarando o xamã. Teve que se contentar em apenas continuar matando os soldados orcs, o que já estava de bom tamanho.
“Zique, tenta atrasar eles o máximo possível!" disse Azurya. “Eu limpo o resto da névoa!”
Zique consentiu e voltou-se para o enorme volume de terra sendo erguido em direção ao muro direito. Era um volume de terra muito acima do qual ele era capaz de manipular, mesmo sendo a Terra o seu principal elemento. Tinha certeza que não era páreo para o xamã, mas tentaria ganhar o máximo de tempo possível para o exército de Caspius.
A energia alaranjada de seu cajado se lançou ao enorme volume de terra erguido e a partir de então era como se ambos os magos, Zique e Dizzug, estivessem travando uma queda de braços mas utilizando o nível de controle das energias arcanas ao invés de suas forças físicas. A terra parou de se erguer por um momento, mas em poucos segundos Zique já começava a fraquejar.
“Não dá Azu! Ele é muito… forte…” disse Zique, segurando o cajado com ambas as mãos e rangendo os dentes.
“Não desiste Zique! Está funcionando!” disse Azurya, caminhando ao longo do muro enquanto guiava o redemoinho.
As fagulhas vermelhas que permeavam a nuvem de poeira sumiram, o que significava que o xamã orc havia parado de sustentá-la magicamente e a nuvem poderia agora se dissipar naturalmente. Dando mais uns passos, a poeira se dissipou revelando Sir Cristan de olhos fechados, rezando enquanto segurava um símbolo dourado de Carmine, semelhante ao símbolo de madeira que ela tinha desde criança e o qual transformou em cinzas noites atrás. A deusa, seu corpo como um tronco de árvore e vários braços saindo de seu corpo em forma de galhos.
“Não perca seu tempo.” ela disse ao cavaleiro. “Essa desgraçada não está nem aí para nós.”
Sir Cristan lentamente abriu seus olhos. As árvores ao redor da fortaleza começaram a balançar seus galhos e uma forte ventania soprou na direção dos muros, limpando toda a névoa e retomando a visibilidade para todos do exército de Caspius. Sir Cristan encarou a maga com desprezo e passou por ela dirigindo-se à seção do muro onde estava sendo erguida a rampa de acesso dos orcs.
Azu… ela ouviu uma voz feminina sussurrar em seus ouvidos, como se carregada pela ventania ao balançar seus cabelos, levantando-os de sua orelha.
Será que… essa é a voz de… ela pensou e olhou para as árvores, seus galhos balançando violentamente pareciam com braços abertos, chamando por Azurya. Fechou seus olhos e tentou sentir algo… qualquer coisa… mas não sentiu nada.
“AZU!” ela ouviu novamente, mas desta vez a voz era de Zique que gritava, chamando-a.
Zique encontrava-se ajoelhando na muralha, tendo perdido a queda de braço contra o poderoso xamã. O exército orc gritava ensandecido e corria ao subir a rampa que acabava de conectar com o topo da muralha. Os arqueiros atiravam desesperadamente mas a quantidade de orcs subindo era algo que as flechas não conseguiriam impedir.
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