Khlegar estava na escada atrás dos cavaleiros e não conseguia ser de nenhuma utilidade. A batalha acontecia mais acima e ele não tinha, nesse momento, como participar. Viu então o besouro gigante sobrevoando por cima da fortaleza e decidiu prestar atenção nele e ignorar a luta contra os orcs por enquanto.
Gulk’arik não estava satisfeito com a quantidade de baixas em seu exército. Ele desejava já ter dominado a fortaleza neste momento, mas as defesas de Caspius somadas à ajuda inesperada do grupo de Rob e dos mercenários, tornaram tudo mais difícil do que o esperado.
Observou Sir Cristan lutando sozinho contra os orcs que tentavam acessar o muro direito.
“Impressionante. Mas não poderá lutar nesse ritmo para sempre.” pensou Gulk’arik.
Olhou então para o muro esquerdo, onde seu exército estava mais avançado. Os cavaleiros e os escudeiros estavam segurando o avanço de seu exército até o pátio. Decidiu acrescentar uma variável à equação e mudar seu resultado.
Khelgar observou o besouro circulando no ar como fez nas outras vezes antes de dar um rasante.
Puta merda! pensou o anão ao perceber o próximo ataque do líder dos orcs.
O besouro gigante iniciou seu rasante em direção às costas dos cavaleiros.
“EI! EI!” Khelgar gritava e batia nas costas dos cavaleiros, mas eles apenas o ignoravam, focados em atacar os orcs à frente.
Não restava tempo suficiente. O besouro gigante com mais de três metros de comprimento e mandíbulas de um metro e meio, vinha veloz como um raio na direção do aglomerado de guerreiros na escada e apenas Khelgar percebia o que estava por acontecer.
Pulque… não me deixe na mão agora. Pensou Khelgar e beijou a pequena caneca prateada pendurada em volta do seu pescoço. De costas para os cavaleiros, deu dois passos à frente, descendo poucos degraus, e levantou seu machado por cima do ombro direito, segurando a haste firme com as duas mãos. Pode vir desgraçado…
Lambeu seu bigode, cerrou seus olhos e calculou o momento certo.
Agora! Pensou.
E pulou.
O alto zumbido do bater de asas do besouro gigante invadiu seu ouvido assim que se viu cara a cara com o gigante inseto.
Toma feioso!
Enterrou com toda a força o machado no meio da boca do besouro, sentindo a satisfatória sensação de ter quebrado muitas coisas e ter atingido a parte mais macia antes protegida pela carapaça. O besouro começou a expelir ininterruptamente uma enorme quantidade de um líquido verde fedorento pela boca, do qual boa parte caia em Khelgar. Não havia dúvida que tinha machucado bastante o besouro gigante e, por isso, segurou firme!
O besouro gigante imediatamente desviou sua rota e começou a voar erraticamente para cima, se afastando rapidamente da fortaleza e quase fazendo Gulk’arik perder o equilíbrio.
Khelgar olhou para baixo e logo em seguida fechou os olhos. Para quem gostava de sentir sempre o chão firme debaixo de seus pés, estar voando a mais de cem metros de altura, pendurado por um machado na boca de um inseto gigante não era a mais agradável das sensações.
Um dos cavaleiros que Khelgar tentou alertar percebeu o ocorrido. Ele tinha se virado para reclamar com o anão no exato momento em que o anão salvou a sua vida e de seus companheiros ao bravamente atacar o besouro gigante. Seu coração apertou ao perceber o tamanho do heroísmo demonstrado pelo pequeno clérigo de Pulque. Se sentiu mal por ter desprezado a bênção oferecida pelo anão e seu deus e rezou brevemente para que Carmine para que pudesse retribuir ao anão com sua benção.
Sir Cristan viu o anão sendo levado às alturas pelo besouro gigante e o ato de bravura do anão apenas aqueceu o coração do cavaleiro, pois eram tais atos de coragem que garantiam a Sir Cristan que poderiam vencer essa batalha.
Continuava lutando contra os orcs e segurando-os na rampa, tendo matado, só ele, por volta de duas dúzias de orcs até então. Porém, sentiu seu ritmo cair. Precisava se recompor pois já apresentava dificuldade para lutar contra dois orcs de cada vez. Eram criaturas muito fortes e a cada golpe deles defendido, seja com o escudo ou bloqueado com a espada, parte de sua energia se esvaia. Isso sem contar os golpes que o atingiram e que, mesmo não penetrando a armadura, causavam danos pelo impacto.
“ESCUDEIROS! EM POSIÇÃO!”, gritou Sir Cristan e começou a recuar. “ARQUEIROS, RECUEM PARA A DIREITA!”
Ainda tinham muitos orcs. Perto de cem orcs haviam morrido mas um dos muros já tinha caído e sabia que havia grandes chances do muro direito cair em breve. Seguindo as ordens de Sir Cristan, os escudeiros do muro direito subiram e formaram uma defesa igual à que foi feita no muro esquerdo. Cinco de cada lado.
Os arqueiros correram para a direita, liderados por Rob e seguidos por Zach, e se distanciaram dos escudeiros, parando apenas quando chegaram à torre direita, que fazia esquina com o muro lateral.
Sir Cristan recuou e voltou para cima do muro e juntou-se à formação defensiva dos escudeiros, posicionando-se entre os últimos dois escudeiros de cada lado da formação, a viseira do seu elmo levantada para ajudar a tomar ar e se recompor. O escudeiro à sua direita notou o cansaço do cavaleiro, cuja armadura e escudo estavam manchados com o sangue dos orcs bem como apresentavam diversos amassados dos golpes absorvidos. Mas o cansaço fazia parte da batalha e não o preocupava. Muito pelo contrário. Cada marca no cavaleiro representava um inimigo abatido.
“É uma honra lutar ao seu lado, senhor.”, disse o escudeiro a Sir Cristan.
“A honra é minha, senhores.” Sir Cristan respondeu e viu os primeiros orcs pulando da rampa, passando pelas almeias e pisando na muralha.
O tempo pareceu correr em câmera lenta. Respirou profundamente uma vez. Viu o sangue dos orcs jorrar, tingindo as pedras da muralha na medida que as espadas curtas dos dez escudeiros atravessavam gargantas, quadris e virilhas. Gritos de agonia de orcs se misturavam aos gritos de guerra coordenados dos guerreiros de Caspius. Respirou profundamente mais uma vez, olhando fixamente para o abatedouro que se formava à sua frente. Os orcs continuavam vindo incessantemente como as ondas do mar. E como as ondas do mar, eles se desfaziam assim que pisavam na muralha, vindo de dois em dois e sendo recebidos por dez espadas de cada vez. Seus corpos começaram a acumular no chão da muralha, dificultando os próximos orcs a encontrarem chão firme para pisar. Pulavam pelas ameias e caiam desequilibrados, pisando em braços, pernas e cabeças de outros orcs, o que acabava favorecendo os ataques dos escudeiros.
De repente ouviu o silvo de flechas cortando o ar e atingindo os orcs na saída da rampa. Sentiu sua respiração voltar ao normal. O tempo voltou a correr normalmente.
“POR CARMINE!” bradou para os escudeiros, que mesmo focados em seus ataques, gritaram em seguida em uníssono:
“POR CARMINE!”
O amuleto da deusa brilhou em seu peito. Baixou sua viseira, levantou sua espada e seu escudo e soltou um urro quase tão selvagem quanto o dos orcs. A luz de Carmine permeou por seu corpo, energizando-o para continuar honrando o nome da deusa no campo de batalha. O próximo orc que pulou para a muralha morreu imediatamente para a sua espada longa, que atravessou o orc da boca à nuca e, num movimento lateral, arrancou sua espada pela bocheca do orc. Antes que o orc pudesse cair no chão da muralha, Sir Cristan correu e chutou o orc no peito, fazendo-o voar pela almeia de volta à rampa e derrubando dois orcs no impacto até o fosso da fortaleza.
Da almeia, Sir Cristan pode ver o xamã erguendo uma nova rampa ao lado desta. A quantidade de orcs invadindo a muralha iria dobrar em breve. Teriam claramente problemas.
“LANCEIROS! MURO DIREITO!” Sir Cristan gritou e recuou novamente para sua posição entre os últimos dois escudeiros. Os orcs continuavam a vir, mas a situação por enquanto estava controlada.
Imediatamente nove lanceiros andaram em direção às escadas, se movendo sempre em formação de duas fileiras de cinco homens em cada. Torel ficou para trás, paralisado por dois segundos, e logo correu para alcançar os demais. Suava frio, tremendo de medo, sua mente confusa e suas mãos trêmulas. Chegou a deixar sua lança cair no chão e o lanceiro ao seu lado lhe deu um forte tapa na cabeça, que doeu mesmo protegida pelo elmo.
“A HORA DA LUTA CHEGOU TOREL! SEJA HOMEM!”, ele gritou e olhou furioso para o lanceiro novato.
Torel pegou sua lança e mais uma vez correu de volta para a sua posição na formação. Os lanceiros começaram a subir a escadaria em direção ao combate. Sir Cristan e os escudeiros estavam lutando bravamente, mantendo os orcs fora da muralha, mas a pressão iria aumentar drasticamente assim que a nova rampa se conectasse ao topo da muralha.
“ATENÇÃO LANCEIROS!”, ordenou Sir Cristan ao notar a chegada deles. “UMA NOVA RAMPA DE ACESSO ESTÁ SE FORMANDO!” apontou para o local com a espada. “CINCO DE CADA LADO. MATEM TODOS! PROTEJAM CASPIUS COM SUAS VIDAS!”
Tal como se posicionaram anteriormente no portão principal, criaram um corredor da morte onde qualquer orc que pisasse na muralha seria vítima de múltiplas e profundas perfurações simultâneas. Diferente dos escudeiros, os lanceiros não portavam escudos, pois seguravam enormes lanças com as duas mãos, que podiam ser usadas tanto contra infantaria quanto contra cavalaria.
Mal terminaram de se posicionar, sentiram a muralha tremer com o reverberante barulho da terra se erguendo rente à fortaleza. Pedaços de terra se fizeram visíveis, caindo para dentro da muralha na medida que a rampa se conectou à altura da almeia. O barulho então cessou, substituído por um breve silêncio. E o breve silêncio foi substituído pelos gritos de guerra dos orcs que iniciavam a subida na rampa em direção aos lanceiros.
O coração de Torel disparou no ritmo das rápidas passadas dos orcs, sua mão suava profusamente, tornando difícil segurar a lança de maneira firme. O medo tomou conta de sua mente e não parava de pensar que iria morrer nos próximos segundos. Fazia grande esforço para não chorar, mas não conseguiu conter a urina. Mijou nas calças e assim que os demais lanceiros viram o gotejamento, apenas sorriram de canto de boca. Todos já haviam passado por aquilo, mas agora não era hora de criticar o novato. Agora era hora de lutar e todos precisavam performar o seu melhor.
“Vai dar tudo certo.” disse a Torel, com um piscar de olho, um lanceiro à sua direita. "Amanhã vamos tomar muitas cervejas e contar muitas histórias sobre o dia de hoje.” continuou, dando tapinhas no ombro de Torel e virou-se ao ouvir os horrendos gritos dos orcs que se aproximavam.
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