— Não se esqueça do que você acabou de me dizer! — gritou a jovem, em um tom que ecoou pelo jardim, alcançando Gabrielle sem esforço.
Ela olhava fixamente para Gabrielle, lágrimas escorrendo enquanto um sorriso doce moldava seu rosto. Mas logo o sorriso se desfez, como se algo dentro dela tivesse sido arrancado à força.
— Vai! Não perde mais tempo aqui! Vai embora! — A mudança de expressão era abrupta, um misto de desespero e urgência.
Gabrielle, tentando manter a compostura, devolveu o sorriso terno. Ela então se virou para o portão de ferro monumental à sua frente. Sem pensar duas vezes, começou a correr. Ou, ao menos, tentou. No meio da pressa, ela tropeçou enquanto ainda tentava se levantar, mas continuou firme. Lágrimas escorriam de seus olhos, mas sua expressão era decidida.
— Não vou deixar essa chance escapar! Nada terá sido em vão! Eu não vou desistir!
E foi então que o som de um leve ronco... interrompeu o drama.
De repente, o jardim sumiu, a mansão desapareceu, Gabrielle piscou os olhos e se viu caída novamente – só que desta vez, não no jardim de uma mansão, mas em cima da sua própria mesa na sala de aula! Completamente deitada, abraçada ao caderno como se fosse um travesseiro. Ao seu redor, olhares de reprovação e surpresa.
— Fico feliz que você não vai desistir da minha aula, mas que tal começar não dormindo nela? — disse a professora, com o tom ácido e visivelmente irritada.
Com um salto, Gabrielle se levantou. O rosto queimava de vergonha enquanto seus colegas riam baixinho. Ela tentou focar no quadro-negro, agora coberto de anotações que pareciam um idioma alienígena, e ao olhar para o próprio caderno... vazio.
— Meu Deus... quando foi que eu dormi?! — ela se perguntava, atordoada. Aquelas lembranças que invadiram seus sonhos a confundiam ainda mais.
Tentando se concentrar, Gabrielle rapidamente percebeu que a professora já começava a apagar as anotações. Seus olhos arregalaram de pavor.
— NÃÃÃÃOOO! Eu ainda estava copiando! — gritou mentalmente, em desespero silencioso.
Então, um toque suave no braço trouxe sua atenção de volta à realidade. Daniela, sua melhor amiga e vizinha de carteira, estendeu o caderno com um sorriso tranquilo. Daniela, com seus cabelos negros com pontas azuis, e cacheados, óculos grossos, e um pouco acima do peso, era a salvação de Gabrielle naquele momento.
— Toma, pode copiar. Você não perdeu muita coisa. — disse Daniela com a voz calma de sempre.
Gabrielle aceitou o caderno como se estivesse recebendo um tesouro, o alívio estampado em seu rosto.
— Você me salvou! — cantarolou, toda animada, enquanto começava a copiar as anotações.
Daniela a observava com uma expressão preocupada.
Mas Gabrielle estava distraída demais, focada em preencher as páginas em branco. Aquelas palavras de preocupação não chegaram nem perto de seu ouvido. Em vez disso, ela sorriu.
— Muita farra! — respondeu, com uma risadinha nervosa, lembrando-se da pousada, dos Djinns, dos Breus e da confusão toda que tinha vivido recentemente.
Daniela franziu o cenho, confusa.
— Espero que você não esteja falando sério...
Gabrielle deu de ombros, um sorriso irônico nos lábios.
— Você nem imagina, Dani…
No deck molhado, duas espreguiçadeiras de bambu descansavam preguiçosamente sob a sombra de um imponente guarda-sol, quase como se estivessem aproveitando o calor de um dia tranquilo de verão. E ali, no meio de toda essa serenidade, Guilherme Oshiro movia-se com a mesma calma que a paisagem oferecia, limpando a piscina com uma grande haste de metal, sua expressão tranquila e em paz com o mundo.
Tudo parecia em perfeita ordem, até que, pelo canto do olho, Guilherme captou um movimento inesperado. Ele parou por um segundo, fitando a cena absurda que se desenrolava diante dele. Lá estava Farid, em sua forma física, passando... pela porta fechada do prédio dos fundos. Sim, pela porta fechada, como se fosse algo completamente natural.
Guilherme suspirou profundamente, mas sua tranquilidade não se abalou. Afinal, quando se convive com um Djinn como Farid, as situações estranhas viram parte da paisagem.
Farid percebeu que foi flagrado e fez uma careta de quem acabou de ser pego com a mão no biscoito.
— Ah... merda, ele me viu... — murmurou, trincando os dentes.
Mas, como sempre, o Djinn recuperou a pose num piscar de olhos. Respirou fundo e, com um sorriso deslumbrante, falou como se fosse uma celebridade cumprimentando um fã:
— E aí, meu querido! Sem ressentimentos, né?
Guilherme apenas deu um sorriso morno, o tipo de sorriso que você dá quando tá bem tranquilo. Ele voltou sua atenção à piscina, continuando a esfregar com toda a calma do mundo.
— Você não consegue ficar parado um instante, não é? — disse, sem sequer olhar para o Djinn.
Farid fez uma expressão teatral de desapontamento e jogou as mãos para o alto, como se Guilherme tivesse acabado de destruir seu dia.
— O quê?! Isso é tudo? Nenhuma palavrinha amarga? Nem um "pelo amor de Deus, Farid, para de ser tão irritante"? — Ele colocou a mão no peito, como se tivesse sido pessoalmente ofendido. — Um pouquinho de ressentimento é saudável, sabia? Pode desabafar, eu deixo!
Guilherme, impassível, continuou limpando a piscina.
— Eu imagino que a Gabrielle tenha lhe pedido pra ficar quieto no seu penico dourado, né? — falou calmamente, como se a situação fosse rotina.
Farid, sem perder o estilo, e com um sorriso de canto aos perceber que Guilherme continuou a conversa, se jogou numa das espreguiçadeiras do deck e, com um gesto grandioso, conjurou um cacho de uvas flutuantes.
— Ela disse pra eu me comportar e ficar quietinho. Não mencionou penico nenhum, ok? — respondeu com dignidade, pegando uma uva e jogando na boca.
— E você está comportando-se ao gastar as Areias do Desejo que agora são dela? — perguntou Guilherme, com a mesma calma, sem nem tirar os olhos da piscina.
Farid mastigou a uva com tranquilidade exagerada e deu de ombros.
— Ela não falou nada sobre isso. — Falou o Djinn com a boca cheia, fazendo uma pausa para engolir, e depois acrescentando, num tom defensivo: — E, pra ser justo, nem sabia que podia ser um problema.
— Porque ela não sabe como as coisas funcionam... — disse Guilherme, finalmente olhando para ele. — Né?
Farid balançou a mão, despreocupado.
— Ai, que saco, Gui. Explicações são cansativas. Nos meus milênios de experiência, ninguém liga pra isso! Você mesmo não prestou atenção quando eu te expliquei as coisas... — Falando isso, ele relaxou mais ainda na espreguiçadeira, agora conjurando sucos, frutas variadas e até abanadores flutuantes.
— "Gui"? — Guilherme arqueou uma sobrancelha. — Agora somos íntimos?
— Ah, pelo amor de Deus, vai me dizer que você nunca gostou do apelido? — retrucou Farid, com um olhar inocente, enquanto uma manga flutuante pairava sobre sua boca.
— Você não fez questão de me explicar nada direito. Eu nem desconfiava que existiam Breus por aí... nem que as Areias do Desejo podiam atrair eles.
Nesse momento, enquanto via Farid praticamente montar um banquete flutuante, algo brilhou na mente de Guilherme.
— Espera aí... — Ele parou, virando-se completamente para o Djinn. — O Djinn e o Mestre estão conectados no plano físico, não estão?
Farid fez um gesto dramático, como se fosse óbvio.
— Claro! Tão conectados que eu consigo ver a calcinha e a cueca de todo mundo ao redor dela... — disse ele, forçando os olhos como se estivesse tentando "enxergar melhor”.
Guilherme revirou os olhos.
— Não tô falando disso! — Ele cruzou os braços. — Mas as Areias do Desejo… vocês compartilham elas, não compartilham?
— Nossa, que pergunta mais chata, mas tá... — Farid respondeu, agora falando mais devagar. — Sim, as Areias fluem em nós dois... Se eu quiser, posso agrupá-las em um lugar usando o Horologium, mas, fora isso, elas fluem entre nós.
Enquanto Farid falava, Guilherme foi notando o quanto o Djinn estava abusando de seus poderes naquele exato momento. Cada conjuração só confirmava sua suspeita.
— Então... os Breus podem sentir as Areias toda vez que você usa elas por aqui também, né? — Guilherme apertou os olhos, parecendo um pai prestes a dar um sermão.
Farid ficou quieto por um instante, seu sorriso foi desaparecendo lentamente enquanto ele processava a informação. Então, de repente, ele se levantou com uma expressão alarmada.
— Esse é o meu garoto! Gui, você tá certo. Os Breus podem sentir as Areias do Desejo através dela! — Ele fez uma pausa dramática, depois abriu os braços num gesto exagerado— Eles vão voar nela como se fosse uma promoção de Black Friday! Temos que ir atrás dela! — Falou Farid agarrando Guilherme pelos ombros, sacudindo-o levemente
Guilherme se desvencilhou e deu-lhe um olhar de reprovação.
— Eu sabia! — Ele balançou a cabeça. — Ela pode estar em perigo de verdade, e você nem pensa nas consequências! — Guilherme começou a contar nos dedos. — Deixou ela sair sozinha, sem explicar nada, e fica gastando as Areias do Desejo à toa! Acha que isso é normal?
Com um suspiro profundo, Guilherme desceu rapidamente do deck, sua expressão agora completamente focada.
— Temos que ir atrás dela! — Disse ele, caminhando em direção a saída da área térrea, mas de súbito, ele parou, e sua expressão se contraiu. — Pera... eu não sei onde fica o colégio!
Farid, ainda tentando salvar a situação, colocou a mão no ombro de Guilherme, com um sorriso orgulhoso.
— Relaxa, Gui! Nós estamos conectados. Eu posso senti-la onde quer que esteja. Deixa com o papai aqui!
Farid fechou os olhos e, dramaticamente, fez um gesto místico com as mãos.
— Achei! Partiu!
Sem esperar resposta, Farid puxou Guilherme pelo braço e, com um estalar de dedos, os dois desapareceram num flash brilhante.
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