Após terem se banhado para limpar o suor do treinamento, o grupo finalizou seu café da manhã. No momento, Kemiro guia Mandipha por entre os corredores de sua casa.
Embora de luxo, a mobília ainda sim possui qualidade inferior ao que se espera do primogênito de uma família de suporte. Baseado na atitude de Kemiro, eu me pergunto se isso é uma escolha deliberada ou parte do tratamento que ele recebe de sua família. — Reflete Mandipha, enquanto passa por diferentes corredores.
Logo eles começam a descer uma escadaria levando ao subsolo, onde existe não um porão, mas uma sala bem iluminada, não possuindo nenhuma mobília. Apenas uma única porta existe, oposta à escadaria.
— Não existe fechadura? — Observa Mandipha, quando eles se aproximam da porta.
A porta de madeira possui um design refinado superior a qualquer parte da casa acima.
Kemiro não responde e, para o espanto de Mandipha, ele não para e simplesmente atravessa a porta.
— Uma ilusão? — Mandipha para imediatamente.
— Apenas se você estiver comigo.
Kemiro põe sua cabeça para fora da porta, sorrindo, satisfeito com a expressão surpresa de Mandipha.
Percebendo o olhar satisfeito de Kemiro em surpreendê-la, Mandipha sorri indagando:
— O que você quer dizer com isso?
Voltando, Kemiro fica de lado, acenando com sua cabeça, ele diz:
— Tente tocar na porta.
Sem hesitação, Mandipha o faz.
— Eh? É rígida! Como isso é possível?
Notando que a porta é sólida ao toque, Mandipha usa suas mãos para tateá-la, pondo força empurrando-a, mas a porta parece ser maciça.
Com uma expressão confusa, Mandipha olha para Kemiro, o questionando silenciosamente.
— Este é um sistema de segurança que eu e Azarthine desenvolvemos. A passagem só é permitida para aqueles que possuem minha autorização.
Dizendo isso, Kemiro estende sua mão para Mandipha. Curiosa com o desenvolvimento, Mandipha aceita a mão de Kemiro.
— Se você quiser, você pode fechar os olhos durante a travessia.
Assim, ele atravessa a porta, puxando Mandipha junto.
Surpreendida, Mandipha protege seu rosto com seu outro braço. Porém, logo ela ouve Kemiro.
— Você pode abrir seus olhos.
Hesitante, Mandipha o faz apenas para ser tomada por um sentimento de espanto ao ver o ambiente à sua volta.
Espaço sideral. São as únicas palavras que preenchem a mente de Mandipha.
Acima e abaixo deles, duas galáxias movimentam-se lentamente de sua perspectiva. Miríades de estrelas adornam a escuridão circundante, criando constelações inomináveis.
— Nós fomos teleportados? Onde nós estamos?
Confusa, Mandipha olha para os lados e para trás procurando um ponto de apoio, mas tem um sobressalto ao notar que a porta não existe atrás deles.
A surpresa é tamanha que ela tenta caminhar de volta procurando uma resposta, mas suas capacidades analíticas lhe traem.
Mandipha volta a si, quando Kemiro, levemente, puxa seu braço.
— Você não precisa se preocupar, a porta está ali, mesmo que você não consiga vê-la, assim como o caminho para encontrá-la.
Mandipha se volta para Kemiro com uma expressão apreensiva, apenas para vê-lo apontando para seus olhos.
— Para enxergar o caminho até a porta, você precisará ter no mínimo Akrava. — Olhando para o ambiente, cheio de emoções, assim como na primeira vez que adentrou a passagem, ele explica. — Mesmo ajudando Azarthine, eu não consigo compreender as Leis que regem esta passagem. O único alerta que ela me disse é que, esta passagem possui uma mescla de ilusão com Leis do Espaço. Que jamais eu deveria me afastar do caminho, caso contrário, eu ficaria realmente perdido no “Espaço”.
Ouvindo a explicação, Mandipha inconscientemente aperta a mão de Kemiro com força sobre-humana, no receio de perdê-lo. Sentindo a ação involuntária, Kemiro sorri para ela, dizendo:
— Vamos, as surpresas ainda não acabaram.
Sem alternativas, Mandipha segue exatamente os passos de Kemiro. Mandipha usa a mão livre para apertar a ponta de sua cauda, tentando se acalmar.
Após algumas dezenas de passos, Kemiro comenta:
— Chegamos.
O coração de Mandipha palpita rapidamente ao perceber que existe uma porta logo à frente deles. Uma porta de madeira ordinária, como porta de um escritório qualquer.
Kemiro abre a porta girando a maçaneta e Mandipha suspira ao notar que o interior realmente se parece com um escritório, tendo sofás e poltronas. Uma mesa de escritório de luxo, plantas exóticas e estantes repletas de livros, grimórios e pergaminhos. Até mesmo uma parte separada para uma cozinha. Acima da mesa, ela nota um estojo de joias feito de alguma pedra branca, com diversas espécies de flores esculpidas por sua superfície.
Sem esperar pela introdução de Kemiro, Mandipha adentra o escritório aliviada em poder se ancorar em elementos mundanos.
Gacha!
Porém, ela tem um intenso sobressalto ao ouvir Kemiro fechando a porta, ela sente que perdeu algo e se vira imediatamente para vê-lo com um olhar interessado.
— Oh! Você perdeu sua conexão com sua Deusa?
Mandipha não consegue esconder seu choque, dando alguns passos para trás, se afastando de Kemiro. Franzindo suas sobrancelhas, ela questiona:
— Desde quando você sabe?
— Na verdade, eu nunca soube. Eu comecei a imaginar a possibilidade após Azarthine, casualmente, comentar dela sentir presenças divinas emanando da Barreira Capital e do território da Casa Hauveron. — Notando que a expressão de Mandipha se torna mais grave, Kemiro comenta com um tom desinteressado enquanto caminha para a cozinha, seguido pelo olhar de Mandipha. — Primeiramente, me permita esclarecer alguns pontos.
Kemiro seleciona diferentes ingredientes de alta qualidade para fazer seu chá favorito. Ele continua:
— Este espaço não foi criado para prender ninguém. Ele existe para me proteger! — Olhando Mandipha, ele nota uma súbita mudança de confusão em sua expressão. — Alguns anos atrás, mais precisamente, logo após eu invocar Azarthine, por meio dela, eu descobri que a propriedade acima é constantemente vigiada, somado a um sistema exclusivo para cada residência. Nada estranho, já que todas as Casas Pilar possuem um sistema semelhante, certo?
Mandipha apenas concorda, acenando com sua cabeça. Notando que Mandipha está responsiva, Kemiro continua com um sorriso desconcertado:
— No meu caso, eu comecei a ficar paranoico.
— Eh? — Mandipha expressa surpresa com a inesperada revelação.
— Estranho, não é? Mas, pra mim, foi algo bem sério. Eu estava tão paranoico que o estresse de acreditar que a Casa Principal está constantemente observando cada movimento meu me fazia adoecer constantemente. Ao ponto que Azarthine foi movida a idealizar este espaço, para servir como um “porto seguro” pra mim. — Kemiro aponta para diferentes portas entre as estantes de livros explicando. — Por exemplo, aquela porta leva a meu quarto. Aquela ali, leva para uma sala de treinamento. Esta porta aqui leva para um banheiro completo que, modéstia a parte, é minha parte favorita, contendo uma banheira tão grande quanto uma piscina. — Ele volta sua atenção, demonstrando uma expressão sincera, dizendo. — Então, por favor, não aja como se eu tivesse lhe trazido aqui como parte de alguma maquinação maliciosa. Este espaço é meu lugar especial… Apenas aqui, eu posso dizer que estou na minha casa.
Analisando Kemiro e percebendo a nuance na maneira afetiva com que ele se refere a este lugar, ela não encontra falsidades em suas palavras, o que faz Mandipha relaxar um pouco. Kemiro continua:
— A perda da conexão com sua Deusa que você sentiu não foi proposital, apenas um efeito isolante deste espaço, a fim de impedir qualquer tipo de interferência externa. Foi este isolamento que me permitiu superar minha paranoia. Excluindo meu Par, você é a segunda pessoa a quem eu convido. A primeira sendo Safix.
Fazendo uma breve pausa, Kemiro permite que Mandipha absorva a informação. Ele nota que sua expressão suavizou, mas ainda possui ressalvas com toda a situação. Compreendendo que é uma reação normal, Kemiro diz:
— Eu compreendo que estou sendo egoísta, mas a fim de continuarmos, você possui duas opções. — Kemiro corta todas as emoções de seu rosto apontando para a porta de entrada. — Primeira opção: você escolhe que deixemos este espaço. Nós iremos embora imediatamente e cancelaremos este noivado que não faz sentido para começo de conversa. — Mandipha aparenta ter algo a dizer, mas Kemiro a ignora. Expressando um sorriso, ele diz. — Ou você pode me acompanhar para um chá e, como meu pedido como ganhador de nossa aposta, nós podemos ter uma conversa franca, onde os segredos ditos aqui ficaram dentro deste espaço. Qual será sua escolha?
Kemiro se cala, voltando sua atenção para preparar o chá e alguns doces de acompanhamento, esperando a resposta de Mandipha.
Pela primeira vez na minha vida, eu me sinto encurralada, sem conseguir encontrar uma resposta para um caminho satisfatório. Kemiro é muito mais capaz do que imaginei. E pensar que ele me guiaria para tal situação tão infavorável.
Esse é o problema de lidar com indivíduos que não se têm muitas informações. Mas isso não é minha culpa! Como eu cogitaria que ele seria tão astuto? Minha Deusa não me alertou de nada sobre isso. Ela me avisou que não interferiria demasiadamente a não ser que eu me tornasse sua Apóstola. Mas ela não está me ajudando muito, sinceramente.
Sentindo suas emoções se voltarem contra sua Deusa, Madipha apenas suspira em seu coração até sua atenção ser tomada por Kemiro, que lhe observa com seu sorriso enigmático segurando uma bandeja preparada com chá e diversos doces, incluindo um de seus favoritos. Sua sobrancelha salta indignada, enquanto encara Kemiro.
AAAAHH! Como eu quero pular nele e fazê-lo me contar todos os seus segredos em ordem alfabética! E o que há com esse sorriso? Você acha que me encurralou ao ponto de poder agir todo superior? Bem, você não está realmente errado, mas eu não vou aceitar isso!
Minha avó tinha razão. Ter contato com nossa Deusa não significa colher apenas benefícios. Em primeiro lugar, se ela não tivesse feito aquela proposta, eu nunca teria prestado atenção em Kemiro.
Bem, não é que eu não goste dele. Na verdade, ele está conseguindo me cativar, revelando segredo após segredo e fechando o cerco em volta de mim. Sendo sincera, é algo novo, esse sentimento de impotência e de ser manipulada. Acho que nunca fui tão pressionada até hoje. Defender nosso território contra as investidas da Casa Boronéa é mais fácil!
Seria fácil jogar a toalha aqui e procurar por outro candidato. Mas, será que existe alguém pra ser mais interessante do que Kemiro em tudo que ele me mostrou até agora? E o que mais ele tem escondido? AAAHHH! Ainda tem a proposta de minha Deusa. Porém, eu estou perdendo minha confiança em conseguir lidar com Kemiro no futuro, mesmo após aprender de seus segredos.
Não! Não! Não! Não! Eu estou sendo muito negativa! Quem eu sou? Mandhipha Hauveron! Não existe ninguém na minha família que consiga desvendar meus “caminhos”. Em primeiro lugar, por qual razão eu estou tendo estes pensamentos derrotistas? Uma vez que eu revele seus segredos, ele não terá garantias em conseguir me “manipular” como ele conseguiu até aqui.
Enquanto perdida em pensamentos, a atenção de Mandipha é roubada por um comentário triste, seguido por um suspiro de Kemiro, que faz o canto de sua boca tremer em indignação:
— Ah! O chá está esfriando…
Guuhh! Oook! OK! Kemiro Boronéa, meus parabéns! Você realmente conseguiu cativar meu interesse. Vamos ver do que você é capaz!
Decidida, Mandipha ajeita sua postura e caminha até o sofá de luxo, sentando-se, ela expressa um sorriso charmoso, dizendo:
— Eu gosto do meu chá bem doce!
◆◇
Comments (1)
See all