De um lado, Kemiro toma seu chá, de pernas cruzadas, olhos fechados e em silêncio. Do outro, Mandipha saboreia seu doce favorito com bochechas rosadas, apreciando a ótima combinação com o chá preparado por Kemiro. Colocando a xícara no pires com um som suave, ela pergunta:
— Então, quando começaremos?
Abrindo seus olhos, Kemiro olha diretamente dentro dos olhos de Mandipha, que sente um leve arrupio percorrer seu corpo que a leva a refletir:
Eu sei que a Linhagem Boronéa possui olhos acinzentados, mas o que ele fez para desenvolver esse efeito tão peculiar? Ele comentou sobre Akrava, mas eu só ouvi falar sobre Olhos Rúnicos, será que é esta a aparência?
Notando o olhar de Mandipha lhe encarando sem reservas, Kemiro sorri quando nota que as orelhas de Mandipha movem-se continuamente, expressando sua curiosidade. Sorrindo levemente, ele comenta:
— Para me encarar desta maneira, pelo visto você está mais calma. Posso supor que está interessada em meus olhos?
Mandipha finalmente sai de seu estado analítico, ela indaga com um tom cinicamente surpreso:
— Oh! E por que você acredita que sejam apenas seus olhos e não seu rosto?
— Por mais que eu tenha confiança em minha aparência, até mesmo eu costumo me distrair com minha Akrava. — Kemiro responde sem separar seus olhares.
— Akrava. — Repete Mandipha. Ela pergunta. — Me desculpe por ser invasiva, mas, Akrava é outro nome para Olhos Rúnicos?
Reunindo sua coragem, a curiosidade de Mandipha passa por cima da ‘regra não escrita’ de questionar outro Ma’Ji sobre sua Herança.
— Não se preocupe. Eu não me importo de lhe contar. Mas, não. Akrava é um tipo de Olho Rúnico.
Kemiro nota que Mandipha abre e fecha sua boca algumas vezes, também apertando sua fofa cauda com ambas as mãos. Ele pensa:
Pelo visto, a resposta não foi suficiente. Ela parece estar mesmo curiosa.
— Se você quiser perguntar algo mais, fique à vontade.
— Você realmente não se importa?
Ele apenas acena sua cabeça.
— Obrigado! Eu gostaria muito de saber quais são as peculiaridades de seus olhos? Como você os conseguiu? Esses círculos estão sempre se movendo, ou você consegue fazê-los desaparecer? Você enxerga normalmente ou sua visão mudou? Você sente os círculos se movendo? Se sim, eles incomodam?
Kemiro fica surpreso em como Mandipha senta na ponta do sofá, se aproximando com olhos brilhando em expectativas e curiosidade. Mas ele responde sinceramente:
— Se tem como “desativá-los,” eu não sei. Eles estão constantemente ativados. Quanto à minha visão, mudou no fato de que o mundo se tornou mais nítido. Ah! Se eu focar minha atenção, eu consigo enxergar coisas pequenas num raio de uns 50 metros sem problemas. — Olhando para a geladeira na cozinha que está a quase 20 metros de distância, ele aponta dizendo. — Por exemplo, aquele adesivo na geladeira está escrito: Dicas de uso: 1). A fim de evitar o desperdício de energia, manter a porta sempre fechada, até ter certeza do conteúdo que deseja retirar; 2). Uma vez fechada a porta, aguardar pelo menos 3 minutos antes de abri-la novamente ou ocorrerá um estresse na borracha que, com o tempo, levará à perda da eficiência da mesma…
Kemiro continua lendo, Mandipha fica chocada ao notar o pequeno adesivo retangular, porém, mesmo se inclinando no braço do sofá e forçando suas vistas, ela consegue ver, de maneira embaçada, apenas o título: Dicas de uso.
Enquanto ela se inclina, Kemiro consegue ver muito bem suas costas, notando que seu vestido possui uma abertura única para sua causa, adornado com um laço em fita. Ainda mais, a grossa e fofa cauda de Mandipha ereta move-se de um lado para o outro, enquanto totalmente focada no desafio de ler o adesivo.
— Incrível! Eu sempre achei que minha visão fosse boa, mas ter uma Akrava realmente é conveniente. Como foi que…
Finalmente se voltando, Mandipha congela surpresa em como Kemiro está encarando sua cintura. Ela comenta incrédula, sentando novamente:
— Você é mais audaz do que pensei. Não me diga, você me fez olhar para a geladeira apenas pra encarar minha bunda?
Inalterado, Kemiro toma um gole de seu chá, então ele comenta olhando nos olhos de Mandipha.
— Na verdade, eu estava observando o laço adornando a abertura para sua cauda em seu vestido.
— O laço… Você fala sério? — Mandipha indaga, franzindo suas sobrancelhas.
— Sim. — Kemiro responde, desviando seu olhar para sua xícara de chá. Ele continua. — Na verdade, se nosso relacionamento aprofundar, tem um problema que você precisará me ajudar a resolver.
— Problema? Qual?
— Devido ao condicionamento que eu fui submetido durante meu treinamento na Casa Principal e, acredito que somado com o controle necessário, para refinar meu corpo perfeitamente. Bem, sendo direto. — Pausando, Kemiro olha nos olhos de Mandipha, dizendo. — Eu não tenho libido.
— Eh?
— Eu não sinto tesão!
— Não é que eu não entendi. Eu só não consegui processar a informação. Um momento!
Mandipha estende sua mão esquerda, interrompendo Kemiro, enquanto massageia entre seus olhos com sua outra mão, refletindo:
Pesado! Ele está sendo sincero demais!
Não importa o quanto ela massageie, Mandipha pode sentir seu rosto esquentando com suas bochechas corando intensamente.
Qual é o problema dele, para dizer algo assim… Tudo bem que ele avisou que ia ser direto… Poxa vida, ele não mentiu! Mas o que há com essa sinceridade? Até parece que somos casados há décadas.
— Espere! Então, você admiti que refinou seu corpo perfeitamente… Até o ranque 4?
Mandipha tenta estabilizar seus pensamentos.
— Oh! Você ainda tinha dúvidas? Com a certeza que você comentou, eu achei que já tinha compreendido. Também, isso não é um segredo, eu apenas não tenho por que sair revelando minhas “cartas”.
— Como se alguém pudesse realmente inferir só por aquela batalha que não durou um minuto! Mesmo se nesta existência tivesse alguém que consegue ler mentes, ele ainda ficaria com dúvidas após ver esse sorriso enigmático que você tem “tatuado” no seu rosto!
— Oh! Isso foi bem sincero. Eu gostei. — Kemiro ri, entretido com as caretas de Mandipha.
— Grrr! Você fica rindo… E o que você quis dizer que você não tem te… você é im-impotente?
— Não. Não é algo físico. Se fosse, eu já teria resolvido quando refinei meu corpo para o ranque 1.
— Isso… é verdade…
Kemiro responde calmamente. Mandipha ainda se sente deslocada, mas sua curiosidade cresce. Hesitante, ela pergunta:
— Qual é o problema que você tem?
— É como eu disse, meu corpo funciona perfeitamente, apenas não tenho desejo sexual. Mesmo estando sozinho com uma jovem mulher, charmosa com você, eu… não sinto nada. Nem penso em nada do tipo. Claro, digo de maneira natural, porém, mesmo se me “forçar” a pensar, é ainda pior, já que isso apenas me lembra de minha incapacidade.
Notando o tom de derrota de Kemiro, Mandipha é compelida a comentar:
— Quando você põe desse jeito… realmente parece ser horrível. Você já tentou procurar auxílio médico?
— Não. Não é difícil imaginar no desastre que será quando a informação de minha situação “se tornar” de conhecimento público. Esse é um tipo de dano que eu não preciso na minha reputação.
Mandipha tem uma expressão concordante, pensando:
Ele está certo. Na situação em que ele se encontra, ainda mais sendo homem, boatos deste tipo certamente seriam “piores” em muitos sentidos.
Intrigada, Mandipha indaga:
— Você não está preocupado de que eu espalhe esta informação?
— Nem um pouco.
— Qual o motivo de sua confiança?
— Não é óbvio? Você, a princesa da Casa Hauvero, ainda mais, uma sacerdotisa, unilateralmente anunciou esta proposta de noivado para mim, um excluído de uma Casa de Suporte. Só tem duas possibilidades para esta decisão: primeira, vocês querem usar este noivado apenas para cumprir com o decreto da família Real e, usando minha baixa reputação, vocês encontrariam algum motivo para rescindir o noivado, me acusando de algo. Na pior das hipóteses, você poderia ser criticada, mas usando essa “falha”, você poderia se recusar a iniciar outro noivado.
Mandipha sorri misteriosamente, perguntando:
— E a segunda?
— A segunda é a pergunta que vale um milhão e que ia deixar por último, mas já que tocamos no assunto. — Mandipha tem um sobressalto, quando, pela primeira vez, ela sente-se paralisada com o encarar de Kemiro, que possui uma expressão em completa ausência de emoções. Até os círculos de sua Akrava movem-se intensamente com ele perguntando:
— O que você e sua Deusa estão tramando?
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