8 dias depois...
Do breu ocasionado dos seus olhos fechados, inspirando em plenos pulmões de tal forma que reafirmava sua mansidão, Raimundo reunia concentração para partir pro próximo passo em busca de consolidar seu árduo treinamento. Assim, ele firmava seu punho no cabo da espada à medida que o suor escorria, deixando evidente o quanto seu corpo havia se cansado de repetir aquele mesmo movimento inúmeras vezes. Empurrando o ar que estocou com intensidade, o garoto desvia os pensamentos que serviriam como adornos.
“Uma última vez!”
Ganhando seu campo de visão novamente, o jovem estava no dojo da sua residência, lugar que virou o espaço que ficou mais tempo do que no seu quarto nos últimos dias e assim, enxergou algumas pilastras de silicone com um espaço de madeira ao meio separadas em alguns metros em panorâmica. Aqueles eram alvos que todo dia tinha que acertar para concluir verdadeiramente seu preparo para o ataque que ocorreria naquela noite. Finalmente havia chegado o dia da invasão que fez ele realocar suas prioridades e perder suas alegrias. Não podia falhar no último treinamento de maneira alguma, dado que seu sacrifício não podia ser em vão.
Sua marca da vontade, até então apagada, entrou em ressonância com sua espada a partir do momento que uma intenção agressiva o dominou. Sendo assim, tomou a dianteira em velocidade com sua lâmina ganhando um revestimento de chamas que subitamente aumentou num nível de criar enormes labaredas.
Então, friamente, Raimundo corre, pula e dá cambalhotas para acertar todas as folgas de madeira que conseguia alcançar, criando ao fim um rastro flamejante que demorava um tempo para apagar por conta da sua intensidade.
— Ha! — É o som que ele emite ao cortar o último obstáculo.
Ao terminar seu ataque, o menino permanece agachado de olhos fechados novamente numa pose de um espadachim que havia cortado alguma fruta.
Ele tinha completado seu movimento com excelência dessa vez, se tornando um com aquela espada intitulada como “Bico de Águia”, no qual, era uma arma que atualmente estava em posse da família Buloke no momento, porém, era dita como a espada do inimigo mortal dos Fieis a Sândalo. O dono daquela arma não era nada mais que o próprio rei maligno Naya, tomada a posse pelo próprio Katharos no seu último golpe no Local Prometido. A maior característica daquela katana preta com uma bainha com formato de asas era sua possiblidade de sugar a energia mágica dos seus usuários (que possuem a marca ativada ou não) e convertê-la em um revestimento pirocinético que auxiliaria o dano final se elevar, queimando os oponentes.
— Agora, eu estou pronto.
Observando seu reflexo na transparência da lâmina, notava um pequeno amadurecimento na sua face que agora se assemelhava mais com a do seu pai quando retornava de um ataque, ao menos no semblante. Seu olhar estava tão sem vida que imaginava estar focado para não estragar os planos do seu pai.
Apesar de uma semana atrás, antes do seu último encontro com aquela que tentou pará-lo a qualquer custo de seguir rumo a um caminho onde sujaria suas mãos de sangue, o Raimundo estar cercado de dúvidas para dar esse passo em direção a escuridão... Como ele teve essa segurança de rumar esse caminho?
9 dias antes...
Abaixo do sol que não se equiparava a potência desgastante de quando levou sua irmã na casa da Aiyra, Raimundo, agora de banho tomado após dar uma pequena passada na mansão Buloke caminha tranquilamente a poucos passos de chegar na Biblioteca Municipal de Jardim dos Desejos, no qual, localizava-se no centro da região metropolitana da cidade.
A entrada era numa porta de vidro fumê de duas portas, cruzando-as, o jovem se depara com inúmeras prateiras lotadas de livros que preenchiam aquele salão oval que continha cerca de cinco andares de pura literatura e história armazenados para reserva.
“Esse lugar sempre me surpreende!”
O moreno ergue seus olhos em busca do topo naturalmente, porém, eles apenas cintilam interiormente quando cruzam com aquela loira deslumbrante usando um curto vestido rodado verde estampado com várias margaridas e uma bota salto alto branca que cobre as panturrilhas.
— Te achei!
A forma como ela emitia aquela afirmação era fofa, dado que ela unia os ombros quando segurava a bolsa com as duas mãos, evidenciando assim, a atmosfera bobinha que expandia conforme suas bochechas coravam.
“Ela tá linda...”
Raimundo se surpreendia com a escolha daquela roupa, afinal, nunca havia presenciado Clarisse usando uma roupa tão ousada antes por conta das normas da escola. Assim, tentou lidar com aquela situação da forma mais normal possível levando a mão para a cabeça, respondendo sem graça:
— Pois é, né? Tá me esperando a muito tempo?
— Que nada, o carro que eu peguei me deixou aqui faz uns cinco minutos. É que eu pensei que estava atrasada. — Clarisse põe a mão sobre a boca, contendo o riso.
De certo modo, ouvir aquela risada tirou o garoto de sua inércia tal como se estivesse hipnotizado para finalmente retornar a agir com leveza. Até porque, independente dela agora ser encantadora, ela continua sendo sua amiga de infância. Assim, ele deu o primeiro passo para estreitar a distância entre eles.
— Falando nisso, bora pra sessão do segundo andar logo! — Aproveitando a brecha que ele traz com o braço estendido quando seu amigo toma a frente, alegre, a jovem de cabelos longos puxa ele pela extensão do primeiro andar até chegar na rampa do canto que leva eles para o segundo andar. Parando apenas quando chegou na frente de uma placa que indicava “Livros infanto-juvenis”, assim contendo inúmeros títulos de fantasias para adolescentes que levavam os leitores a imaginarem um universo épico cercado de desafios.
— Esses livros...
— Sim. Chegamos na sessão que a gente conhece praticamente tudo.
Clarisse tinha razão naquela afirmação, bem como a memória de Raimundo também reconhecia cada lombada que passava os dedos até pausar nos livros que eram uma novidade para ele. Provavelmente, aqueles títulos haviam sido adicionados na biblioteca recentemente.
— Parece que alguém tem demorado um pouquinho para finalizar os livros, não é? — A expressão de superioridade apesar de surgir num contexto bem bobinho, mexia com o ego de Raimundo que sente uma pontada no tórax.
“Tão efetivo!”
Ele tinha um claro empecilho que impedia de abrir a boca para se explicar, sendo assim, apenas engoliu em seco.
— Comigo tem sido difícil apenas acompanhar os lançamentos porque agora estou me aventurando mais em receber livros de presente das pessoas.
— Esse é o lado bom de ser uma celebridade com uma Wishlist divulgada pros fãs.
— Você realmente tem um ponto. Apesar que o último que recebi não ter vindo necessariamente de um fã...
O espanto perdurou intensificando a fagulha de vento que perpassou ao lado de Raimundo que estava em inércia, deslocando seu pescoço levemente percebendo aqueles fios dourados partindo para as próximas estantes daquela extensa sala. Claro, não havia outra possibilidade a não ser segui-la para evitar morrer na praia com aquele mistério entalado na garganta.
— Como assim?
— Eu ganhei do meu mestre como presente de aniversário adiantado, cê acredita? Ele tá tentando evitar gafes como nos últimos anos que ele sempre entregou o presente de aniversário pelo menos uma semana depois...
— Hm... Tentando se redimir, né?
— Sim. — O sorriso dele trazia uma luz tão potente como uma onda de calor que a visão das suas costas que o Buloke mantinha não impedia dele perceber que ela estava sorrindo. — Porém, ao menos ele compensou me dando um dos meus pedidos mais aguardados. Um best-seller de terror chamado “Letreiro Marítimo”, você conhece?
— Nunca ouvi falar... ele é recente?
— Mais ou menos. Ele tá fazendo tanto sucesso em Lyra que imaginei que seus contatos das famílias haviam comentado dele contigo.
— Que nada! — Raimundo coloca a mão sobre a cabeça embarcando num clima de um pouco de vergonha. — Só converso dessas coisas com você e o João só.
— Aff! Sua irmãzinha Raissa parece gostar de ler também, seu chatão! — Clarisse comenta, virando seu corpo, deixando explícito sua perturbação pro melhor amigo.
Como resposta, Raimundo desvia o olhar como um cachorro após devorar o bolo de aniversário do dono, seguindo sua melhor amiga a passos lentos, calado.
— Então, o Letreiro Marítimo conta a história de dois salva-vidas do litoral de Lyra que partem em busca de algumas vítimas que segundo relatos, se afogaram na região rochosa da Praia dos Caminhos e daí encontram uma criatura musical que lembra um tritão que enfeitiça eles com uma magia sedutora em formato de canção e daí, são enfeitiçados e submetidos a entregarem todos os vizinhos para essa criatura misteriosa. Porém, esses dois não têm ciência das próprias ações quando estão sobre controle dessa magia e o livro faz uma sacada muito inteligente de nos esconder essa informação por um bom tempo, fazendo nós acompanharmos os desaparecimentos dos vizinhos e pessoas próximas aos dois com o mesmo desespero dos protagonistas. É uma narrativa imersiva demais! Você não faz ideia! Vou até parar por aqui para evitar te dar “spoiler”.
— Uau! Que história densa. Agora eu entendi o motivo de todo esse sucesso.
Raimundo toma um pequeno susto, reparando numa agitação fora do normal da sua amiga que parecia ter encontrado algo que estava atormentando-a.
— Ele era pra estar nessa sessão aqui, oh!
Guiando seu olhar para região apontada pela amiga, Raimundo percebeu que aquela livraria unia os livros considerados para “maiores” sem uma distinção clara de gênero. Sendo assim, as pessoas tinham que se guiar pelas capas para encontrar os títulos que preferiam seguir leitura.
Assim, Clarisse passou seus dedos pelas lombadas da sessão em que estavam.
— “Ilha do Prazer”, “Amor em chamas”, “Loucura incondicional”, “Trem do amanhã”... A maioria desses livros que estão nessa sessão são romances quentes. — Até então, aquilo era apenas uma curiosidade ignorável. — O que você acha desse tipo de história, Raimundo? Você já teve interesse?
Aquela interrogação resultou num estalo de orelha a orelha que queimou suas maçãs do rosto como uma panela submetida ao fogo no máximo.
— Eu... eu... não curto muito esse tipo de livro não. — Raimundo falhava em esconder seu constrangimento. — As descrições são meio rudes, sabe?
— Poxa! Eu até que gosto da maneira que esses livros te envolvem. Confesso que não são um exemplo de aula narrativa, porém, gosto de sair da mesmice vendo o circo pegar fogo às vezes. É divertido.
Clarisse pega um dos exemplares que já conhecia da prateleira e começa a folhear ligeiramente com um sorriso sutil no rosto.
— Se você está dizendo... quem sou eu, né? — Aproveitava que a garota estava de costas para limpar o suor da testa.
— Está decidido! — O grito de confiança surge com o impacto do fechamento do livro, no qual, estava segurando e sendo assim, revela sua ideia para o companheiro de leituras. — Será o próximo tema que irei lhe presentear! Vou aproveitar que seu aniversário é no mês que vem!
“O quê?”
Raimundo soltou essa nota mental.
Definitivamente, o jovem Buloke não esperava aquela decisão sendo tomada por Clarisse, esta surpresa que agora, era o motivo do seu desespero que derrubou sua postura mansa de uma vez por todas. Era uma sensação parecida com cuspir toda água que estava bebendo ou tomar um soco no estômago que destruísse sua postura ereta.
— Tranquilo!
Os pelos do seu corpo estavam tão arrepiados quanto um guaxinim assustado. Mesmo assim, não havia razão clara para criar um obstáculo que impedisse a escolha de um presente de aniversário da pessoa que ele gostava.
Ganhando uma proximidade que chegava a encostar seu braço no peito do moreno, o bafo quente das palavras da loira alcançava o pescoço que arrepiava o corpo todo dele.
— Seu aniversário é no dia 15 de Março, né?
— U-Uhum! — Não abria a boca para responder, mantendo seus olhos fixamente nos lábios dela.
— Uma semana antes do meu. — Sua mão passeia do peito até a ponta do nariz do garoto com delicadeza enquanto ela continua sua chantagem. — Espero que você também saiba exatamente o que dar pra mim, viu?
Tocando o nariz dele, Clarisse se afasta desfilando, chamando seu amigo com o dedinho enquanto diz: — Vem comigo que me bateu uma vontade de comprar um sorvete! Aqui tá calor, não ligaram o ar-condicionado dessa merda, não?
Raimundo sente uma sensação estranha após a sua amiga se afastar, pois ao mesmo tempo que sentiu uma tranquilidade por se afastar, também não queria que ela se distanciasse dela. Essa mistura de emoções fez ele conseguir finalmente soltar sua respiração e colocar o mão no coração para tentar perceber seus batimentos cardíacos e manter eles num ritmo controlado.
“Que furacão foi esse?! Bem, eu sabia que ela não iria me beijar ou algo do tipo, mas mesmo assim, essa proximidade... Ahh!!”
Duas batidas na bochecha e então, Raimundo retorna a sua consciência ao normal.
— Tranquilo!
Enfim, aqueles dois fariam uma pausa naquela longa caminhada entre os corredores daquela extensa biblioteca para tomarem um sorvete sentados nas mesas do térreo, onde colocariam o papo em dia como sempre fazem durante todos esses anos, no qual, eles possuem essa proximidade sem igual.
(...)
Tempo Atual
O barulho do saco de pancadas sendo atingido ecoa por toda aquela sala cheia de equipamentos esportivos, que servia como uma academia para o clube de atletismo da Paschoal Oslo. Enfurecida, Clarisse concentra sua frustração de deixar aquelas mãos se afastarem de onde ela tinha controle.
“Eu falhei como amiga! Eu sou uma incompetente!”
Cada exclamação era um golpe com mais intensidade. A potência é tanta que estava a um fio de ativar suas chamas e destruir aquele saco cheio de areia. Para qualquer um que se aproximasse daquela sala, nem que fosse pelo corredor, pensaria que havia algo sobrenatural como uma fera ali dentro.
Desse modo, acabou ocorrendo mesmo e o questionamento que era esperado surgiu com um grito fraco com medo de envolver-se nessa confusão.
— Alô? Tá tudo bem? Estava passando e...
Aquele jeito de falar quando está com medo...
“É ele!”
— Ah, fala João! Beleza?
Os olhos saltam e seus passos se apressam para colocar a mão entre os ombros da boxeadora de azul.
— Tô preocupado com você, isso sim! Tanto você quanto o Raimundo estão a um tempo sem responder minhas mensagens e eu quase não encontrei vocês na escola durante essa semana, o que aconteceu entre vocês?
O silêncio imperou por alguns segundos, enquanto Clarisse respirava profundamente para pausar o ritmo frenético da sua respiração e retomar a mansidão, segurando as lágrimas para manter a seriedade sobre o que sentia sufocar no seu peito.
— Eu e o Raimundo... A gente conversou e eu sinto que ele está prestes a se envolver numa tragédia por conta da família. Tentei falar com ele e tal...
— E?
— Ele não me ouviu. Estou com muito medo do que pode acontecer!
— Ai... ai... Me conta isso direito!
(...)

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