Quando a noite chegou, Mirla cuidou de abrir o portal para que Bris pudesse voltar para a Terra, só então partiu para casa.
Quando chegou, parou em frente à uma construção, era uma enorme casa nas proximidades do parque Esmequi, de aspecto rústico e elegante, o belíssimo jardim ao redor da construção dava um ar sereno àquele lugar.
Morava naquele casarão desde criança. Mesmo com o segundo casamento de sua mãe, não se mudaram. Já que o marido de sua mãe só vinha até a casa para dormir, quando vinha. O filho dele não era diferente, pois estava quase sempre ao lado do pai. Por isso, estranhou quando viu sentado à mesa não só a sua mãe e irmã, mas também um rapaz loiro.
— Principezinho, onde está Blaste? — perguntou de forma desinteressada.
Sentou-se de frente para ele, e ao lado de Moni.
— Ainda está na torre. — Tentou esconder a insatisfação com Mirla. Ele era dois anos mais velho que a garota, não tinha motivos para ela usar diminutivo com ele, além do intuito de provocar, pois ela não o suportava.
— Por qual motivo? — Foi a vez de Time, a segunda esposa do rei do Reino do Vento, perguntar. Sua voz era calma e possuía um rosto sereno, cabelos curtos escuros e os olhos de um azul celestial.
— Ele está conversando com os administradores sobre a viagem amanhã até Gofo. — Explicou Dragon.
Gofo era a capital do País do Fogo, Endori, e fazia fronteira com o pequeno país Má. Não podia ser coincidência, pensava Mirla. Lembrou novamente do ocorrido naquele lugar, Blaste fizera questão de não dizer o que foi fazer lá, que tipo de assunto estava tratando com Malri, que era alguém que ele odiava profundamente. E o filho de Nerlim, o fundador de Má, estava ali buscando sua ajuda para ter certeza que Blaste e Malri não eram uma ameaça para Nerlim, o que Mirla achava uma bobagem, não havia chances de Blaste se aliar a Malri.
Mesmo que não fosse isso, algo estava acontecendo, mas o quê?
Ouviu o barulho da porta abrindo, só podia ser Blaste que havia chegado. Não demorou muito e este apareceu na sala, juntando-se à mesa. Foi recebido com um “Bem-vindo” e um sorriso de sua esposa. Não chegou a devolver o sorriso, mas sua expressão ficou menos séria.
Era visível que Blaste e o filho não se assemelhavam em nada, enquanto o rei tinha cabelos castanhos, olhos de um azul acinzentado, um rosto com traços fortes e marcas na testa que denunciavam ser um homem irritadiço, o filho era uma cópia fiel da falecida mãe: cabelos que mais pareciam fios de ouro, um rosto rosado e olhos azuis que pareciam brilhar mesmo no escuro.
A refeição seguiu em silêncio, não tinham sobre o que conversar, mas a cabeça de Mirla estava cheia de perguntas, perguntas essas que não poderiam ser feitas. Blaste não revelaria a ela o que foi fazer em Má, teria que descobrir sozinha.
— Blaste, eu posso acompanhá-lo até Gofo?
— Não. — Respondeu sem nem pensar sobre o assunto.
— Por que não? — Pediu explicações — Tenho certeza que Dragon irá.
— Não é um passeio. E sim, Dragon irá.
— Eu pretendo ser a comandante do exército do Reino do Vento, essa viagem pode ser uma boa experiência. — Olhou para ele com convicção, precisava convencê-lo.
— Não.
Trincou os dentes, pois ele nem mesmo se deu ao trabalho de pensar a respeito. Levantou, batendo as mãos na mesa, paciência não era uma de suas virtudes.
— O que tem contra mim?
A essa altura, Time já estava de cabeça baixa, aquela garota podia não ser filha de Blaste, mas seu temperamento era igual ao do rei.
— Mirla… — Moni tentou impedir que a conversa continuasse, mas foi ignorada.
— Eu sei como todos nesse lugar me veem, tudo que venho tentando fazer é mudar isso. Eu tenho me esforçado para me tornar digna, para que todos esqueçam aquilo, para que um dia você possa me ver com orgulho, como quando um pai se orgulha de um filho por ele ter trabalhado duro. Quero ser tudo o que o Dragon não é, e nunca vai ser.
— Por que você sempre arranja um jeito de me insultar? — o rapaz não conseguiu esconder a irritação desta vez.
— Calado, eu ainda não terminei. — O reprovou, em seguida voltou a olhar para o rei — Peço que me dê uma chance para provar meu valor, que não impeça que eu continue me esforçando.
Esperou, por segundos que pareciam uma eternidade, o rei falar alguma coisa. Sua resposta foi levantar e se retirar da sala de jantar, ele não precisava falar mais nada. Viu sua mãe ir atrás dele, antes de baixar a cabeça.
Seu coração estava apertado, não conseguia se mover dali. Não queria ver o olhar triste de sua irmã compadecida com a situação, nem os olhares de pena do príncipe, que levantou logo em seguida.
Aquela foi uma batalha perdida, como tantas outras, mas nunca iria se contentar com a derrota. Sabia que o caminho que resolveu trilhar não era coberto por flores, ainda assim, seu peito doía.
Só queria ir dormir, para que aquele dia horrível acabasse de uma vez, também precisava estar disposta amanhã, pois de qualquer forma, iria para Gofo.
☆☆☆
No final de tudo, não precisou fugir. O amanhã veio rápido e com ela uma boa notícia: Blaste havia permitido que ela o acompanhasse. Estava tão contente por acreditar que suas palavras alcançaram o rei, mas Dragon tinha que estragar tudo com seu comentário.
— Acho que Time é a única pessoa que meu pai ainda escuta.
Sim, o mérito era de sua mãe. Ainda assim, não deixaria de acreditar que suas palavras ajudaram.
Partiram de trem rumo à capital do País do Fogo. Mirla olhou para a garotinha sentada ao seu lado, logo então se voltou para o rei e Dragon, sentados de frente para ela:
—Blaste, por que ela veio?
— Você é responsável por ela.
— Os Venels é que são responsáveis por ela.
— Ainda dá tempo de eu mandar as duas para casa! — Ameaçou.
Mirla cruzou os braços e virou o rosto, não escondendo a insatisfação, não tinha tempo para ficar brincando de babá.
☆☆☆
《 Endori - Gofo 》
O rei era deveras confiante, partindo para o país que vivia em disputas com seu reino sem nem mesmo um LAP para guardá-lo. Coragem ou tolice? O comandante do exército do País do fogo, Joe, não sabia distinguir. Essa poderia ser uma ótima chance para enfrentar o Reino do Vento e ter vitória. Claro que isso nunca aconteceria, não enquanto a Grande torre, instituição responsável por criar leis a serem seguidas e punições caso não fossem, no intuito de solucionar problemas mundiais e evitar grandes conflitos, existisse. A Grande torre ficava em uma ilha, localizada no meio dos quatro continentes.
Joe cumprimentou o rei e seus acompanhantes. Sorriu do jeito mesquinho do rei, que passou direto para a sala onde aconteceria a reunião, ignorando-o. Já o príncipe, este parecia ser um rapaz muito gentil, gentil demais. Tinha a impressão que um simples toque o faria se quebrar, quis tocá-lo pra ver se realmente tal coisa aconteceria.
Aquele rapaz não tinha o olhar confiante e destemido de sua falecida mãe, certamente daria desgosto para o reino. Viu o rapaz acompanhar o rei, não antes de cumprimentar o comandante e dizer o quão honroso era ver o titã da força. E não, o príncipe não se quebrou quando este apertou a mão de Joe, era uma pena, pensou o comandante.
Barrou uma garota de cabelos negros, só podia ser Mirla Malri, a filha do homem que motivou aquela reunião.
— Você não pode entrar aqui, Mirla.
— Por que, sobre o que é a reunião?
— Se eu pudesse contar, não teria porque não deixá-la entrar.
A cara da garota se fechou ainda mais em uma expressão de impaciência e irritação.
— Saia da frente, comandante.
Mirla viu um sorriso desdenhoso nos lábios do titã da força.
— Não posso, minha cara. Mas, se quer saber de alguma coisa, pergunte diretamente a Malri, o motivo desta reunião.
Joe não deveria ter sugerido aquilo, no entanto, aquela garota era inteligente o bastante para saber que algo importante estava acontecendo, e determinada para saber o que era. E com tamanha semelhança entre a personalidade daquela garota e do rei, certamente ela iria até Malri. Esperava por isso, que alguma coisa acontecesse. Se tal acontecimento acabasse frustrando o rei Blaste, seria, no mínino, satisfatório.
☆☆☆
Mirla não parou pra pensar nas consequências de suas ações, ou de como sua última visita a Má foi desastrosa. Puxou a garotinha que a acompanhava pelo braço, até chegarem na arena da torre de Gofo.
A arena ficava no centro da torre, era onde aconteciam as aulas práticas de combate. Mirla olhou ao redor, no meio da arena se encontrava uma garota que devia ter entre sete ou oito anos. Aparentemente, ela estava sozinha.
— Brisa, vá brincar com aquela garota, e não saia até eu voltar.
Foi a última ordem que a jovem deu, antes de deixar Brisa sozinha com a desconhecida.
A garotinha não tinha coragem para obedecer a primeira ordem de sua Aidm, apenas sentou em um lugar nas arquibancadas. Não queria atrapalhar a menina na arena com a sua presença, mas já era tarde.
— Ei, vem aqui! — A desconhecida chamou assim que a viu.
Para ter certeza que a garota falava com ela, olhou para todos os lados para ver se não havia outra pessoa, com a qual a garota pudesse estar falando.
Quando confirmou não ter mais alguém ali, foi até a garota.
— Quem é você? — a garota, que tinha um tom de pele escuro, fora direta. Ela tinha a postura de alguém com iniciativa.
— Brisa… — era quase impossível ouvir sua voz, tamanho era o nervosismo.
— O quê? Fala mais alto.
— Meu… nome é Brisa.
— Brisa? E isso é nome de gente?
Brisa podia sentir a força de suas pernas desaparecerem e o coração apertar, mas logo se acalmou quando a garota na sua frente completou:
— Vou chamar você apenas de Bris, é mais bonito. Eu sou For, Servatriz do fogo. — Se apresentou orgulhosa. Esperou Bris fazer algum comentário, mas ela não o fez. — Alô, não vai falar nada? Eu sou uma servatriz!
— Não sei se sei o que é.
— Quê? — Era como se For tivesse sido insultada. — Eu vou te mostrar o que é uma servatriz!
For juntara as mãos e em seguida as afastara devagar, enquanto um rastro flamejante era deixado se apagando em seguida. A luz das chamas refletiram os olhos de Bris, os fazendo parecer tão quentes quanto o fogo.
— E então, que tal uma luta? — For perguntou, enquanto observava os olhos de Bris voltarem a parecer apenas da cor de um castanho comum.
— Lutar?
— Em que mundo você vive?
— Na Terra.
— Eu também era de lá, mas não tenho mais uma Aidm, e a sua?
— Minha o quê?
— Sua Aidm! — For já estava impaciente com a lerdeza da garota.
— Mirla.
— A dama de ferro? — viu Bris concordar — Ela treina você?
— Não.
—Que pena. Certo, vamos fazer outra coisa. Mas o quê?
— Que tal brincarmos de fada? — sugeriu Bris sorridente.
— Não, isso é coisa de criança.
— Nós somos crianças! — Afirmou Bris, como se aquilo fosse uma verdade maravilhosa.
Viu For fuzila-la com seus olhos escuros.
— Você é criança, você! — Disse séria —E então, que tal andarmos por Gofo?
— Mirla mandou eu ficar aqui.
— Ela é sua mãe, por acaso?
— Não.
— Pois então — se esticou — vamos.
— Melhor não.
— Você é tão sem graça, — fez birra — então fica aí sozinha.
For começou a andar. Não demorou muito e ouviu um “Espera”, e viu Bris vir até ela.
— Não vamos demorar, né?
— Não vai se arrepender! — Sorriu triunfante, puxando Bris para fora da torre.
A levou até um jardim em uma pracinha não muito longe da torre. For entregou uma flor para a menina.
— Essa é a famosa mentirosa. — Disse For.
Bris trouxe a flor para perto do nariz.
— Mas por q... — Bris afastara a flor — deixa para lá.
O cheiro da flor era insuportável.
— E então, vai querer ver mais uma das nossas flores? — For parecia desafiá-la, mas Bris não conseguia perceber isso.
— Tudo bem!
— Certo!— Sorriu — Olha essa aqui, é a brasa, pega nela.
— Brasa? — se aproximou, pegando a flor, mas logo a soltando. Olhou para palma da sua mão, estava vermelha e doía.
For gargalhava, se divertindo com a situação.
— Certo, chega de flores. Eu sei que foi errado eu ter te tirado da torre, por isso, iremos voltar. Quem sabe eu possa treinar você!
— É uma boa ideia.
— A melhor que eu já tive! —For sorriu de canto, e agarrou o braço magro de Bris.
☆☆☆
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