Mantendo olhares fixados, o silêncio perdura entre os dois. Afiando seus olhos, Kemiro diz:
— Eu vou contar até três. Se você continuar em silêncio, eu considerarei que está tomando tempo para formular uma mentira e não acreditarei em nada do que disser.
Kemiro mal se cala e Mandipha reage manifestando sua Ma’Jia, eliminando a supressão de Kemiro. Ainda sentada, ela pergunta, franzindo suas sobrancelhas:
— Por que você está agindo desta maneira? Você me ignora por praticamente um ano e, quando finalmente acho que você está se abrindo, você me trata desta maneira? Qual seu problema?
Mandipha tem mais a dizer, porém, ela se cala ao, brevemente, sentir malícia emanar dos olhos de Kemiro.
Silêncio não perdura muito, onde Kemiro comenta:
— Meu problema é toda esta situação que você criou. Você não tem ideia do nível de estresse que esse noivado tem me causado. Por quase um ano, eu tenho tentado encontrar um motivo para sua decisão. Mas, não encontrei nada! Mandipha, para mim você parece um projetil que, não importa o quanto eu me mova, está prestes a acertar no meio de minha cabeça.
— Que horror! Por que você me vê de maneira tão negativa? Eu nunca fiz nada além de tentar me aproximar de você. Foi repentino, mas sendo relacionado com uma Casa Pilar, você deveria estar preparado para este tipo de situação. Sinceramente, por que você é tão contra nosso noivado?
Suspirando, Kemiro responde, ainda mantendo contato visual:
— O noivado não é o problema. A questão é sua e, certamente, a motivação de sua Deusa por trás deste noivado.
— Por que você é tão fixado em achar que estou em complô com minha Deusa contra você? — Mandipha questiona intrigada.
Kemiro exclama um sorriso irritado:
— Vez após vez, você fica entrando em tangentes, em vez de responder minha pergunta. Mas, ok! — Kemiro levanta seu dedo indicador direito. — Você já teve oportunidades demais de ser sincera. Vou te dar mais uma oportunidade. Pense muito bem em suas próximas palavras. Se não percebeu ainda, você não tem cartas nesta mesa. Ou você é sincera, ou vamos encerrar este teatro e, pessoalmente, cancelarei este noivado, por mais irritante que as consequências sejam.
Suspirando, Kemiro ajeita sua posição relaxadamente no sofá. Mandipha tem seu coração palpitar intensamente, refletindo:
Foi um erro segui-lo até aqui! Mas, também, como eu poderia saber que tudo acabaria assim? Me dá um tempo!
Eu tenho que realmente revelar? AAAAAHHHH! Mas isso é muito embaraçoso! Estúpida, Maranshipha! Olha a situação em que eu estou por sua causa! Eu prometo que vou te oferecer apenas frutas e verduras por um ano!
— Eu tenho maneiras confiáveis de conseguir informações. Embora, durante todo esse tempo, eu não consegui nenhuma. Sabe a razão? — Kemiro balança sua cabeça, dizendo. — Porque a presença divina da Deusa Maranshipha é muito forte em volta de onde você vive. Até mesmo Azarthine comentou, surpresa, ao perceber a intensidade da presença. Praticamente como se a própria deusa tivesse manifestado. Se não fosse pela barreira de proteção em volta da sua Casa, certamente outras casas estariam em alvoroço.
Expressando um sorriso confiante, Kemiro indaga:
— Então me responda, Mandipha: Como não é óbvia a intervenção de sua Deusa? Ela ama tanto sua sacerdotisa, ao ponto de ignorar os riscos e manter sua presença no Plano Mortal?
Mas, o que há de errado com Kemiro para me pressionar desta maneira? Eu achei que poderia conquistá-lo facilmente, mas parece que eu “quebrei a cara”. E pensar que ele seria tão letárgico com o sexo oposto… Eu realmente não tenho sorte! AAAAAHHH! Eu não ligo mais!
Com um profundo e longo suspiro, Mandipha tira seus sapatos e se deita desleixadamente no sofá, trazendo o prato de doces e o apoiando em cima de seus seios. Ela passa a devorá-los sem reservas.
A ação inesperada faz a expressão de Kemiro distorcer sem saber em como reagir, optando por não comentar e apenas aguardar. Após comer cinco doces, com farelos em sua boca, Mandipha suspira levemente, comentando:
— Sabe. Minha avó sempre me disse que, por mais que seja uma bênção estar tão próxima de nossa Deusa, isso também se torna um problema, devido à diferença em nossas existências. — Mandipha sorri como se lembrasse de algo, mas continua. — Eu nunca dei atenção para suas palavras, mas agora, eu entendo o que ela queria dizer.
Após ficar em silêncio por um momento, ela continua:
— Minha Deusa Maranshipha me fez uma proposta.
Mandipha olha para Kemiro, ele não demonstra nenhuma emoção, apenas a observando em silêncio, prestando atenção em cada palavra. Sua expressão faz Mandipha sorrir, suas bochechas coram levemente, dizendo:
— Ela propôs que, se eu casasse com você e desse à luz a uma criança sua, que ela me faria sua Apóstola. — Notando que Kemiro continua em silêncio, apenas abrindo e fechando sua boca. Franzindo e relaxando suas sobrancelhas, ela continua apressada. — N-Não tenha a ideia errada! Eu não aceitei a proposta. Até um ano atrás, meu conhecimento sobre você era apenas por boatos. Eu não propus este noivado por causa da proposta de minha Deusa. Meu plano inicial era de me aproximar de você a fim de conhecê-lo. O noivado foi apenas uma maneira conveniente de alcançar este objetivo, já que não existiria nenhuma razão para me aproximar de um descendente de uma casa suporte, ainda mais alguém da Casa Boronéa.
Se ajeitando no sofá, Mandipha põe o prato de doces de volta a mesa. Ela se mantém deitada com seu braço apoiando sua cabeça, como uma musa posando para um artista. Brincando com a ponta de sua causa, ela continua:
— Sua primeira suposição não está “completamente” errada, pois, por me ignorar por todo este tempo, eu já estava acreditando que não havia razões para prosseguir. Porém, a maneira como você agiu ontem renovou todas minhas esperanças. — Fazendo uma pose dramática, pondo as costas de sua mão esquerda em sua testa, ela exclama. — Mas, e pensar que você estava apenas me manipulando para me trazer para uma armadilha? Ah! Tão cruel.
Kemiro tem dificuldades em impedir que suas emoções transpareçam em seu rosto, refletindo:
É sério isso? Azarthine comentou na primeira vez que ela adentrou meu Salão da Alma que sentia energia divina sendo emitida do Ovo Divino… Bem, o nome já diz muito, mas eu não achei que a capacidade de um Deus seria tão poderosa a ponto de detectar algo dentro do Salão da Alma de um Ma’Ji.
Não, espere. Em primeiro lugar, nada me garante que a Deusa Maranshipha possua tal capacidade, caso contrário, Azarthine teria me dito e teríamos encontrado uma maneira de selar tal energia. Se for assim, algo deve ter ocorrido para que ela pudesse sentir tal energia.
Atualmente, é impossível de ter sido detectada, já que umas das razões de Azarthine ter criado este espaço, foi para que eu pudesse treinar sem que ninguém descobrisse minha Herança. Então, o único momento em que ela pode ter percebido algo foi durante a abertura de minha Fundação… mas isso quer dizer que a Deusa tem essa informação por 13 anos?
Mas, pelas palavras de Mandipha, não parece que a Deusa revelou tal informação há tanto tempo, já que ela mesmo admitiu que não me conhecia além de boatos até… um ano atrás!
Mandipha nota que a expressão de Kemiro se torna de espanto por alguns segundos. Mas ela continua em silêncio, deixando Kemiro absorver as informações.
Desconhecido de Mandipha, a mente de Kemiro está em caos.
Um ano atrás! Por volta de um ano atrás, foi quando eu finalmente consegui alcançar a primeira fase para chocar o Ovo Divino… Não me diga que a Deusa notou alguma mudança? Sim! Faz todo sentido! Se ela tiver conseguido perceber a energia divina quando escolhi o Caminho do Ovo Divino, ela também conseguiria notar qualquer diferença atualmente. Droga! Para a Deusa, eu sou um livro aberto!
Eu tive tanto cuidado para manter uma presença baixa enquanto coletava a Ma’Jia da primeira fase. Deuses são mais problemáticos do que jamais imaginei!
Os pensamentos de Kemiro são interrompidos por Mandipha:
— Eu sei que pode ser um choque, mas você poderia não ficar preso em seus pensamentos? Você está me deixando desconfortável.
Olhando para a posição desleixada e insinuativa de Mandipha, que está usando sua longa cauda para acariciar seu corpo como um grande pente, a sobrancelha de Kemiro treme descontroladamente. Ele retruca:
— Sua atitude é bem audaz para alguém que estava toda paralisada logo após entrar na minha casa.
Com um sorriso sapeca, Mandipha rebate:
— Pelo visto, você interpretou mal minha reação. Sim, eu fiquei extremamente surpresa com este espaço e perda da conexão com minha Deusa. Mas, nós dois somos parecidos em ficar presos em pensamentos. Em primeiro lugar, mesmo antes de você me revelar sua situação, o pensamento de que você me causaria qualquer dano nunca passou por minha cabeça. Ou você acha que eu me aproximei tanto de você hoje, só porque você ganhou de mim em nossa pequena aposta?
Mantendo sua pose, mas acariciando sua orelha e cabelo, ela continua:
— Eu ainda estou impressionada na maneira como você conseguiu arremessar Tio Alber com apenas um soco. Ele não quis comentar sobre o assunto, mas saiba que Tio Alber está entre os top dez guerreiros mais poderosos de minha família. Mesmo se você o tiver pegado com a guarda baixa, ainda sim é uma grande conquista. Você pode ficar orgulhoso de si.
Abandonando sua expressão relaxada, sentando-se, Mandipha ajeita sua posição com uma expressão seria, exclamando:
— Mas, meu maior respeito é por você ter curado Almer. Você não faz ideia de como nossa família, em especial Tio Alber, estava perdida em como resolver a condição que Almer tinha. Por anos nós temos enviados emissários procurando por algum tratamento e até ontem, todas as nossas tentativas foram infrutíferas.
Kemiro fica surpreso, sem reação, ao ver Mandipha se curvando, dizendo:
— Não existe falsidade em minhas palavras ontem à noite. Independente do que aconteça com nosso noivado ou no futuro. A Casa Hauveron e eu seremos eternamente gratos.
Inconfortado com a repentina mudança de atitude de Mandipha, Kemiro não está acostumado com tal demonstração de gratidão. Tentando amenizar a atitude solene dela, ele comenta:
— Você não precisa continuar com isso. Embora eu não vou dizer que foi algo fácil, mas a condição dele era nada mais do que um entrelaçamento no seu fluxo de Ma’Jia. Em comparação, não é diferente de refinar o corpo perfeitamente.
Levantando, Mandipha sorri ao ver Kemiro tentando disfarçar seu constrangimento ao tomar seu chá, agora gelado. Ela reflete:
Ele faz parecer tão simples ter resolvido um problema que aflige nossa família por tantos anos.
Mandipha diz:
— Almer pode não demonstrar devido à sua personalidade introvertida, mas ele está profundamente agradecido. Eu não me orgulho de dizer isso, mas ele tem sofrido muito. Ainda mais sendo um homem Maran.
O interesse de Kemiro é estimulado por suas palavras, ele indaga:
— O que faz ser um “homem Maran” ser pior?
— Diferente da cultura humana geral, na cultura de nossa Casa e, seguindo os princípios sagrados de nossa Deusa Maranshipha, a prosperidade de uma família é baseada não na riqueza material em si, mas em quão grande é uma família. Isso quer dizer que quanto mais esposas e descendentes uma família possuir, mais próspera ela é considerada. Ah! Mas isso não quer dizer apenas números, mas sim a prosperidade geral da família.
Notando certas implicações que ele não percebeu com todas as informações que conseguiu, Kemiro indaga:
— Espere, eu sabia que a poligamia era praticada dentro da Casa Hauveron, mas eu achava que era apenas uma “liberdade cultural”, não imaginei que seria algo relacionado na adoração da Deusa Maranshipha.
Sorrindo pela expressão surpresa de Kemiro, Mandipha explica:
— Não o culpo. Embora a poligamia faça parte de nossos princípios, as responsabilidades atreladas a ela não são algo que muitos casais decidem praticar. Para nós adoradores da Deusa Maranshipha, não é “elogiável” um Maran viver uma vida solitária e não continuar sua linhagem. Pior ainda, uma família larga, mas que não possui capacidades de sustentar seus membros. Esse princípio é ainda mais rígido para descendentes da Casa Principal. Ah! Você pode não saber, mas Almer é meu meio-irmão. Minha família é uma das mais prósperas, onde meu pai possui sete esposas e doze filhos e filhas.
A expressão de Mandipha torna-se triste lembrando de algo, enquanto continua:
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