— Você está bem? — Kemiro indaga notando a quantidade de suor em Mandipha.
— Sim. — Mandipha suspira continuando. — O selamento deste espaço é poderoso. Foi mais complicado do que imaginei me conectar com minha Deusa.
O mais desgastante foi o quão intensa Maranshipha enviou sua Intenção. Se eu não estivesse habituada em recebê-la, eu teria desmaiado. O quão preocupada ela está? Sinceramente! — Mandipha sente-se cansada, porém feliz, reminiscenciando na barragem de perguntas de sua Deusa sobre sua situação. Entretanto, uma vez que o juramento se encerrou, sua conexão foi novamente cortada.
Ela é tão linda. — Kemiro continua a observá-la enquanto Mandipha acalma sua respiração. — Droga! Eu espero não me arrepender disso! — Coçando sua nuca intensamente, Kemiro introduz:
— Você sabe que eu abri minha Fundação da Hein’Ra com dez anos?
Os olhos de Mandipha expandem em surpresa, seu coração palpita em excitação, respondendo:
— Então é verdade? Não é que eu duvidava, mas sempre achei que os boatos eram distorcidos. Kemiro, isso uma conquista incrível! Dizer que você é um gênio é subestimá-lo.
Ouvindo suas palavras, Kemiro averte seus olhos de Mandipha para sua xícara de chá, observando seu reflexo distorcido enquanto balança a xícara.
Hmph! Um gênio, hã?
Kemiro toma o chá, agora amargo, fazendo uma leve careta pelo quão frio está. Ele continua:
— Ser um gênio, nunca teve nada a ver com isso. Tudo que eu queria no passado, era a ter a atenção de meus pais de volta. — Suspirando, ele continua. — Atenção que perdi, quando meu irmão Engel manifestou sua Linhagem Sanguínea herdada de nossa mãe.
— O Cristal Al’Kan. — Sussurra Mandipha em surpresa.
Voltando sua atenção para Mandipha, sorrindo fracamente, ele continua:
— Sim. Em primeiro lugar, o relacionamento de meus pais foi uma tentativa da Casa Principal de conseguir obter a linhagem Pilar Cristal Diagonal de minha mãe. Sobre Engel, o que deixou meus pais estasiados, nem foi o fato da manifestação repentina, mas o fato de que o cristal manifestado por ele desapareceu. Uma característica que, entre o povo de minha mãe, é considerada o mais alto grau de sua Linhagem Sanguínea.
Ouvindo isso, Mandipha tem uma realização perguntando:
— Desaparecer? Essa é a razão por que sua mãe sempre possui aqueles dois lobos de cristal com ela?
— Sim. Não estou surpreso de você não saber, mas, por mais que o Povo do Cristal possua a capacidade de manipular o Al’Kan como bem entendem, uma vez manifestado, o cristal não pode ser desfeito, apenas moldado. Por esta razão, o Povo do Cristal desenvolveu a cultura de moldar seu Al’Kan a fim de diminuir as inconveniências de ter uma massa de Cristal à sua volta.
— Mas, se é inconveniente, eles não poderiam simplesmente manter o cristal em suas casas?
As orelhas de Mandipha saltitam, demonstrando seu interesse. Kemiro sorri, respondendo:
— Podem. Mas, aparentemente, quando eles ficam distantes de seu Al’Kan, o Povo do Cristal padece com diferentes sintomas: ansiedade, perda de foco, até mesmo passar por crises de pânico.
Kemiro sente-se mais inclinado a continuar suas revelações devido ao intenso interesse com o qual Mandipha lhe ouve. Entretanto, perdendo seu sorriso, ele continua:
— Desde este evento, eu passei a ser negligenciado. Ah! — Kemiro eleva seu tom, exclamando. — Não entenda errado, não é como se eles tivessem me excluído deliberadamente, mas devido a um acordo com a Casa Principal que permitiu que eles se casassem, meus pais e Engel tiveram que se mudar para a sede da Casa Principal, para “nutri-lo” em preparação para o dia em que ele abriria sua Fundação. Mas, eu não fui permitido. Sendo deixado aos cuidados de Safix, eu me encontrava com eles apenas de tempos em tempos.
Após uma breve pausa, ele continua:
— Naturalmente, essa mudança de atitude me encheu de inveja. Em minha imaturidade, eu cheguei à conclusão de que precisa fazer algo que pudesse ganhar a atenção deles de volta. Então, eu me dediquei ainda mais em meus estudos. Um ano após o evento, quando tinha nove anos, foi durante uma sessão de estudos que eu descobri que a criança mais jovem registrada a abrir sua Fundação tinha apenas treze anos. Assim, eu encontrei minha resposta.
Com suas capacidades analíticas, compreendendo os eventos que contribuíram para moldar Kemiro na pessoa que ele é hoje, Mandipha já consegue conectar diversos pontos, levando a uma conclusão que faz suas orelhas, antes eretas em curiosidade, caírem enquanto ela continua ouvindo atentamente.
— Decidindo fazer uma surpresa, eu escolhi me esforçar em aprender a abrir minha Fundação em meu aniversário de dez anos, quando minha família viria comemorá-lo. Para ter certeza de que seria uma surpresa perfeita, escondi tudo até mesmo de Safix.
Suspirando, Kemiro sorri, afirmando:
— Não foi fácil! Mas, eu consegui compreender o processo. Um ano passou num piscar de olhos. No dia de meu aniversário, com tudo preparado, eu nem consegui dormir. Ansioso, eu comecei o processo de abertura de minha Fundação já de madrugada.
Mandipha sente seu coração conflitado entre pesar e ansiedade, chegando cada vez mais perto da resposta que deseja.
Kemiro continua:
— Como é de se imaginar, este não é um processo que uma criança deveria passar sozinha. Então, eu cometi meu primeiro erro…
Mandipha praticamente não respira, com receio de interrompê-lo.
— Quando eu finalmente manifestei a Lei dos Caminhos, eu fiquei extremamente feliz, porém, ainda mais surpreso, porque entre todos os caminhos conhecidos atualmente, dois caminhos não registrados haviam aparecido pra mim.
— Ah! — Levando sua mão até sua boca, Mandipha suspira surpresa por inferir o resultado.
Kemiro ri de sua expressão, continuando:
— Como você já deve ter imaginado, em minha “ganância infantil,” eu escolhi os dois Caminhos, assim, abrindo minha Fundação. Um dos Caminhos sendo o que é de conhecimento público: os Oito Portões do Fluxo.
Os olhos de Kemiro se tornam afiados enquanto sorri, fazendo Mandipha engolir seco. Ele continua:
— O segundo Caminho sendo, o que sua Deusa está interessada, o Ovo Divino.
— Eh? — Mandipha expressa surpresa pela simplicidade do nome. Inspirando profundamente, ela indaga. — Se o Caminho dos Oito Portões do Fluxo permitiram que você invocasse a Lady Azarthine… qual é o Caminho do Ovo Divino?
Kemiro balança sua cabeça dizendo:
— Eu não sei. Ainda estou no processo de descobri-lo. O que eu sei é que existem fases ou etapas, que eu preciso completar para trilhar este Caminho. Baseado no nome do Caminho, eu acredito que sejam as etapas a fim de chocar o ovo.
Mandipha não consegue conter sua surpresa de transparecer em seu rosto, enquanto reflete:
Certamente faz sentido. Mas isso quer dizer que o Ovo Divino literalmente dará à luz a um ser Divino? Um Deus?
Em nome da Hein’Ra! Como é possível um mortal contribuir para o nascimento de um Deus? Mas isso responde à razão do interesse de Maranshipha, ela sentiu a energia divina emitida pelo ovo!
Os pensamentos de Mandipha são interrompidos com Kemiro continuando sua história:
— Enfim, eu não comentarei os pormenores de meus Caminhos. Não agora. — Kemiro nota que Mandipha quer dizer algo, mas ele ignora continuando. — Durante o processo, eu não fazia ideia, mas um fenômeno estava ocorrendo à minha volta. Segundo o que Safix me contou, um tufão formou-se no céu acima de minha casa. Mas, o importante é que meu corpo estava emanando pulsos de Energia Abstrusa constantemente.
Coçando sua cabeça, Kemiro sente irritação crescente quanto mais ele se lembra do passado. Ele continua apressado:
— Neste dia, meus pais e Engel chegaram de manhã como esperado, mas eu ainda estava no processo de abertura de minha Fundação e todos foram banhados pelos pulsos de Energia Abstrusa. Ninguém sofreu nenhum malefício, porém, a Fundação de Engel foi estimulada e acabou se abrindo antes da hora. Sua Fundação não estava estável, já que ele tinha apenas sete anos. Com a abertura, o Salão da Alma de Engel foi trincado.
Notando como Kemiro está desconfortável, Mandipha diz:
— Kemiro, você não precisa…
Mas ela é interrompida por Kemiro, o que levanta sua mão. Ele continua após suspirar:
— Foi então que meu pesadelo começou. Inicialmente, meus pais me culparam de ter ferido Engel. Sinceramente, eu até entendo que eles devem ter ficado chocados com o prospecto do possível risco à vida dele. Mas, o pior veio quando Engel, sozinho, conseguiu acessar seu Salão da Alma e revelou sua Herança.
Sem emoções, Kemiro continua:
— Ele, como esperado, herdou a Linhagem Sanguínea de nossa Mãe. Bem, isto não é surpresa, já que é de conhecimento público e com orgulho que a Casa Principal exalta que Engel também nasceu com a Constituição que o progenitor da Casa Boronéa possuía, a Constituição do Corpo Celeste. Mesmo ele não tendo a Linhagem Sanguínea da Casa Boronéa, para ele, não foi um demérito. O mais interessante é que, mesmo eu tendo nascido com a linhagem Boronéa, eu fui taxado como incapaz, sendo que, no mínimo, eu sou o mesmo que todos os outros descendentes Boronéa.
Kemiro gargalha, lembrando das vezes em que ele foi criticado desta maneira.
Observando Kemiro rindo sem reservas, Mandipha suspira levemente pensando:
Não é desconhecido o modo como a Casa Boronéa é incessante em conseguir que seus descendentes possam nascer com a Constituição do Corpo Celeste.
Mas, para tratar Kemiro de tal maneira por um acidente, em vez de exaltar sua Qualidade como Ma’Ji, eu não consigo compreender o que se passa dentro da Cabeça dos Anciões da Casa Principal.
Agora, eu consigo entender a razão pela qual Kemiro me provoca tanto. Não é contra mim que ele age de tal maneira. Ele simplesmente não confia em ninguém que se aproxima dele sem conhecer seus motivos.
Certamente problemático, mas isso cria uma brecha para que eu possa conquistá-lo completamente! Eu preciso apenas provar que sou sua aliada. Que ele pode se apoiar em mim sem medo.
— Tolos e ignorantes!
Mandipha tem um sobressalto com as palavras de Kemiro. Voltando sua atenção para Kemiro, ele possui um largo sorriso com seus olhos “brilhando” com uma cor insana, dizendo:
— Bem, essa é sua resposta. Agora, eu não planejava lhe contar isso, mas, quer saber mais um segredo meu, Mandipha?
Mandipha sente-se inconfortável com o sorriso de Kemiro, mas a realização de que ele tem ainda mais segredos a frustra, temendo perder a oportunidade. Mordendo seu lábio inferior, ela apenas acena com sua cabeça em confirmação. O sorriso de Kemiro alarga, revelando:
— A verdade é que eu não tenho apenas a Linhagem Sanguínea da Casa Boronéa. Eu também tenho a linhagem semelhante à da minha mãe.
— Mas, o que… Hã?
Mandipha é surpreendida, acuando contra o sofá, quando, sem avisos, acima de Kemiro, um cubo enorme se manifesta.
Ela sente-se atraída pelo cubo de cor preta, enfeitiçada por raios de cor lilas que percorrem a superfície do cubo como serpentes.
Voltando a si, Mandipha questiona sobre algo que percebeu nas palavras de Kemiro:
— “Semelhante”? O que você quer dizer? Ah!
Durante sua pergunta, Mandipha consegue chegar à resposta sozinha. Mas Kemiro comenta:
— Você percebeu? — Movendo seu braço na direção do cubo, o mesmo desaparece. — A minha Linhagem Sanguínea é superior à de minha mãe. Eu consigo fazer meu Al’Kan desaparecer.
Kemiro se diverte com o abrir e fechar da boca de Mandipha, enquanto ele brinca, fazendo o cubo aparecer e desaparecer. Lembrando de algo, Mandipha pergunta ainda analisando o cubo:
— S- Se não me engano, uma das maneiras do Povo do Cristal calcular o poder de um indivíduo é pelo volume cúbico do Cristal Al’Kan. Qual é o volume de seu cubo?
— Vinte e sete metros cúbicos. — Kemiro responde sem reservas.
— Vinte e… Espere! Esse não é o mesmo volume de sua mãe?
— Por enquanto.
Mandipha fica confusa com a resposta, mas é chocada ao realizar as implicações, ela reflete:
Ouvir dizer que é um processo complexo para aumentar o volume de Al’Kan, mas ele diz “por enquanto” como se aumentar a quantidade fosse uma questão de sua vontade.
Minha Deusa Maranshipha, você foi capaz de perceber todas essas Qualidades de Kemiro? Isso explica a razão de minha Deusa, que é tão ciumenta de mim, tomar a iniciativa para escolher meu parceiro ao ponto de me oferecer um assento como sua Apóstola.
— É cedo pra ficar presa em seus pensamentos. Eu ainda não terminei.
— Você ainda tem mais a dizer?
Kemiro ri, completamente à vontade com as reações de Mandipha.
Mandipha suspira, sentindo alívio em perceber que toda a irritação de Kemiro desapareceu, mesmo que seja às custas dela.
Não é como se ele estivesse fazendo qualquer mal. Ver este sorriso natural vale o preço.
— Eu também tenho a Constituição do Corpo Celeste.
— Eh?
Mandipha não tem tempo para reagir, quando Kemiro estende sua mão direita em sua direção. Acima de sua palma, um brilho intensamente começa a surgir.
O brilho toma a forma de um deserto em miniatura. A miniatura possui base de um metro quadrado representando uma planície rochosa com quatro montanhas. Mandipha fica surpresa, pois, é a primeira vez que ela possui informações sobre tal Constituição, fora histórias do passado.
Ela nota que uma pequena parte da planície é verdejante. Entretanto, antes que pudesse inferir qualquer coisa, ela tem uma realização olhando entre o cubo negro e a miniatura. Ela se apoia na mesa, se inclinando em direção a Kemiro com um tom agitado, questionando:
— Se você tem uma Herança tão incrível, por que você mantém segredo? Se você revelar tudo isso, você seria tratado como um descendente direto pela Casa Principal! É impossível a Casa Principal lhe tratar desta maneira, se eles tivessem noção de sua Qualidade! Por que você escolheu este caminho?
Bufando levemente, enquanto fecha sua mão, tanto o cubo quanto a miniatura desaparecem. Kemiro, sem emoções, exclama:
— É bem simples. Eu senti na pele como a Casa Principal opera. Não existe nenhum mérito em revelar minha Herança! A Casa Principal apenas me usará como um peão para expandir sua influência. — Se escorando no sofá de maneira desleixada, com suas pernas abertas e um braço no encosto, ele continua. — Hoje eu tenho compreensão de como o “mundo que ninguém vê” funciona e sei utilizá-lo, então, não foi difícil de rastrear de onde os boatos sobre mim têm origem. Consegue imaginar de onde eles vêm?
Compreendo a pergunta retórica. Mandipha fica em silêncio. Kemiro sorri como se debochasse de si mesmo, ele continua:
— Isso mesmo! A origem é a Casa Boronéa. Oh! Aqui vai uma informação interessante, caso não saiba, desde que você anunciou a proposta para nosso noivado, os boatos têm se tornado mais constantes e exagerados. Hehehe!
Qualquer um que já ouviu sobre Kemiro sabe dos boatos que giram em torno dele. Para piorar sua situação, ele sempre mantém uma presença fraca, então informações sobre ele sempre foram escassas, dando margem para a interpretação de outros.
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