Separando seus lábios, hesitante, Mandipha diz:
— Uma vez que você anunciar seu Direito à Conquista. A fim de manter uma imagem pública positiva e evitar boatos desnecessários, nós deveremos manter a distância que sempre tivemos. Da minha parte, eu diminuirei minhas visitas à sua casa, aguardando até o dia de seu desafio. — Após uma breve pausa, trocando olhares com Kemiro, ela indaga. — Você aceita?
— Isso não será um problema. Até porque eu não tenho interesse em ficar expondo minha vida pessoal, como você já deve ter percebido.
Vendo o sorriso humorado de Kemiro, Mandipha sorri, inclinando-se para beijá-lo. Mas, se lembrando de algo, Kemiro desvia de seu beijo, exclamando:
— Ah! É mesmo, eu já ia esquecendo de explicar as funcionalidades deste artefatoaaAAAHH! Por que você está me beliscando?
Com bochechas inchadas, Mandipha belisca a coxa de Kemiro, tentando aliviar sua vergonha.
— Quais seriam elas? — Mandipha indaga com um sorriso inocente.
Kemiro quer protestar, mas é impedido pelo sorriso dela. Sem opções, ele explica:
— Primeiramente, segure o colar em sua palma. — Kemiro instrui, logo pondo sua mão acima do colar, ele continua. — Foque em enviar sua Ma’Jia para o colar. Eu também farei o mesmo.
— Mas nossas Ma’Jias entraram em conflito. — Exclama Mandipha com uma expressão preocupada.
Sorrindo, Kemiro comenta:
— Lembre-se de que eu reverti sua transformação. Vamos, não se preocupe, eu prometo que nada de ruim ocorrerá. Esse é um processo necessário.
As memórias sobre sua irmã Algipha lhe contar na noite passada, em como Kemiro conseguiu não apenas estabilizar seu Ma’Jia, mas controlar seu fluxo ao ponto de reverter sua transformação bestial humanoide, faz Mandipha engolir seco e não discutir.
Usando sua Intenção cuidadosamente para manipular sua Ma’Jia através de sua palma, que possui um tom rosado, até o colar que a absorve avidamente.
Notando que ela iniciou o processo, Kemiro se concentra, os círculos de sua Akrava se movem intensamente, assim, de sua palma, sua Ma’Jia, com tonalidade preta, se manifesta como uma bruma. As duas Ma’Jias se mesclam como duas correntes de água.
Eu não sinto nenhuma interferência ou conflito! Como isso é possível? — Mandipha reflete chocada. Olhando para Kemiro, ela é cativada por sua expressão séria. Sentindo seu rosto esquentar, ela retorna seu foco para o colar.
A Gema Espiritual, antes branca, começa a ser preenchida por duas cores, um tom rosado e outro preto. Da mesma maneira, em ambas as esculturas de gatos, listras rajadas aparecem através de seus corpos.
Logo, miniaturas de relâmpagos são emitidas do colar, acertando tanto a mão de Kemiro quanto Mandipha. Ela tem um sobressalto ao sentir a sensação, semelhante a ser cutucada com uma agulha.
Ainda pior, Mandipha sente que a energia penetrou seu corpo, seguindo em direção a seu Salão da Alma. Esse fato a faz estremecer em medo. Imediatamente, ela se prepara para se defender, porém, seu corpo congela devido a uma sensação que ela já sentiu antes. Ela ouve Kemiro dizer:
— Me desculpe, mas esta é uma etapa necessária.
Necessária? Por que ele não me avisou antes? Que tipo de processo invasivo é este?
Com sua Intenção, Mandipha pode apenas observar a energia acertar seu Salão da Alma, fazendo uma dor aguda percorrer todo seu corpo. Esta é sua primeira vez sentindo a dor gerada de ter sua Alma “atacada” diretamente. Porém, a dor não é suficiente para impedi-la de observar a energia retrocedendo imediatamente, após coletar um pequeno fragmento de sua Alma.
Ela sente que finalmente está livre da pressão que a mantinha congelada, imediatamente ela tenta cortar o fluxo, entretanto, ela ouve a voz apressada de Kemiro:
— Não interrompa o fluxo de Ma’Jia, este é o passo mais importante, ou tudo será em vão!
Mandipha sente-se relutante mordendo seu lábio inferior.
Eu já avencei demais para decidir simplesmente retroceder agora. Acreditarei em você por agora. Mas você terá que se explicar!
Enquanto ela volta a intensificar o fluxo de Ma’Jia, Mandipha nota que Kemiro suspira aliviado.
Com ambas as mãos, Kemiro segura a mão de Mandipha, formando um “casulo”. Em seguida, ele fecha seus olhos.
Em volta de suas mãos, um anel de energia brilhante se manifesta, começando a girar com velocidade exponencial.
A velocidade não afeta o ambiente à sua volta, mas Mandipha observa, surpresa, como a Ma’Jia sua e de Kemiro se entrelaçam de maneira profunda. Um trançar abstruso que ela nunca observou.
O brilho do círculo intensifica rapidamente, num flash repentino, o círculo encolhe. Por impulso, Mandipha tenta mover sua mão, porém ela não consegue, devido a Kemiro estar a mantendo firme no lugar. O círculo atravessa suas mãos sem causar qualquer sensação.
Kemiro solta a mão de Mandipha, se afastando ofegante. Ele se apoia no sofá, respirando profundamente. Mandipha nota que ele possui uma expressão doente com suor escorrendo por seu rosto profusamente. Ele observa o colar, exclamando:
— Hehehe! Eu consegui criar algo incrível novamente! Alguns anos atrás, eu odiava minha Linhagem Sanguínea, devido a tudo que eu fui submetido. — Ainda observando o colar, Kemiro se senta de frente para Mandipha. Ele continua. — Mas, meus sentimentos mudaram quando, pela primeira vez, eu consegui criar um artefato com uma consciência.
Os olhos de Mandipha expandem em choque.
— Vo-você quer dizer que…
Ela é interrompida por Kemiro, que levanta sua mão, balançando sua cabeça, dizendo:
— Não pergunte nada sobre o que acabou de acontecer. — Olhando diretamente para Mandipha, ele continua. — Durante meu treinamento quando criança, eu fui condicionado a nunca revelar nada do processo de criação de artefatos para alguém de fora da família. Qualquer explicação precisaria ser muito ambígua para qualquer um acreditar. Você é uma mulher inteligente, então eu tenho certeza de que você compreende o que acabou de presenciar.
Observando o colar, Mandipha fecha sua boca. Agora, cada gato possui uma cor diferente, um rosado e outro preto. A Gema Espiritual agora possui um redemoinho mesclando ambas as cores, emitindo raios intermitentes.
Tão lindo! Então, esse é o processo secreto da linhagem da Casa Boronéa para dar consciência a seus artefatos.
Observando Kemiro, ela pergunta:
— Está tudo bem em revelar este processo pra mim?
Finalmente, sentindo suas energias retornarem um pouco, observando o artefato, o sorriso de Kemiro se alarga, respondendo:
— Normalmente, eu me recuso a trabalhar na presença de outros, mas para alcançar meu objetivo, este processo foi necessário. Porém, o resultado deste experimento foi melhor do que eu esperava.
— AAAAAH! Você acabou de dizer experimento! — Mandipha aponta acusatoriamente para Kemiro. — Você tem ideia do quão assustada eu fiquei com aquela energia atacando minha Alma?
— Isso não é importante!
Kemiro diz com um sorriso que deixa Mandipha exasperada.
— É muito importante!
Ignorando a expressão de Mandipha, Kemiro observa o artefato dizendo:
— Você tem ideia do que acabamos de fazer?
Sentindo um crescente desejo de pular em Kemiro, Mandipha se controla, exclamando:
— Não faço ideia. Ilumine-me, por favor.
Beijando o colar e entregando-o de volta para Mandipha, ele responde:
— Fizemos história! O que você está segurando é o primeiro artefato a ter duas consciências!
Mandipha sente um tremor percorrer seu corpo, olhando para o colar. Ela nota que sua mão está trêmula.
— Um artefato com uma consciência já é incrível, o que duas consciências podem fazer?
— Não faço ideia!
— Você não faz? — Mandipha indaga por impulso, após a resposta imediata de Kemiro.
— Claro que não. É o primeiro artefato do tipo. Bem, se alguém descobrir, essa pessoa será você.
— Como assim?
— Eu posso ver as consciências. Como elas se desenvolveram depende de como você irá nutri-las. Eu desenvolvi este artefato para apenas nós dois utilizarmos, assim, posso nutri-lo também. Porém, como não podemos ficar próximos constantemente, seu desenvolvimento está atrelado ao quanto você se dedicará. Vamos descobrir se você será uma boa mãe. A propósito, eu posso afirmar que sou um ótimo pai.
Ignorando sua provocação, a atenção de Mandipha é focada na nuance de suas palavras, ela indaga:
— Você comentou sobre seu primeiro artefato com consciência. Onde ele está, me apresente, por favor!
Sorrindo misteriosamente, Kemiro balança sua cabeça respondendo:
— Infelizmente, eu não poderia mesmo se quisesse. Por agora, também não revelarei nada sobre o artefato. No futuro, eu lhe contarei mais.
Mesmo com sua curiosidade atiçada, Mandipha decide não insistir sobre o assunto. Ela reflete:
Não é como se ele tivesse receios de me contar seus segredos agora. Deve haver outra razão por trás de escolher ser secretivo.
Se aproximando de Kemiro, Mandipha pergunta empolgada:
— Kemiro, qual é a capacidade deste artefato?
— Primeiramente, este artefato possui a capacidade de absorver Ma’Jia e purificá-la, sendo possível que você absorva esta Ma’Jia pura. Segunda, enquanto o artefato possuir Ma’Jia ele será capaz de protegê-la de ataques que afetam sua Intenção. Entretanto, fora de minhas expectativas, ele também anula parcialmente os efeitos de Dominância.
Mandipha fica sem palavras, alterando olhares entre o colar e Kemiro, ela indaga:
— Três capacidades? Proteger a Intenção? Kemiro, isto é incrível!
— Três? Três são as capacidades planejadas por mim. Porém, como existe outra consciência, eu vejo que existe a possibilidade de mais capacidades serem manifestadas. Tudo vai depender do quão dedicada você irá nutri-las.
Mandipha segura o colar com suas duas mãos, ternamente dizendo emocionalmente:
— Irei nutri-las com o melhor de minhas habilidades! Este artefato. Não. Este presente, eu prometo tratá-lo como parte de mim! Não permitirei que ninguém saiba de sua existência.
— Não! — Exclama Kemiro. — Você não deve escondê-lo. Quanto mais algo é escondido, mais ele atrairá intenções gananciosas. Você deve utilizá-lo com o propósito que ele é: um presente meu, para você. Assim, no pior dos casos, este colar será visto apenas como uma tentativa minha de incorrer seu favor. Caso questionem qual é sua capacidade, apenas diga sobre sua capacidade de absorver Ma’Jia, servindo como uma reserva.
Que absurdo! Como ele espera que eu ande com tamanho peso, agindo como se fosse um artefato normal?
Porém, existe razão em suas palavras. A melhor maneira de esconder uma árvore é dentro de uma floresta. Mas me entristece ter que abusar de sua reputação para manter este segredo.
Eu preciso encontrar alguma maneira de protegê-lo de sua família, para que ele possa revelar suas habilidades e receber o mérito que ele merece.
Mesmo sendo benéfico para mim, eu não posso perdoar sua família e a Casa Boronéa pela incompetência em não conseguirem reconhecer sua Qualidade.
— Por que você está fazendo tal expressão? Você desaprova minha ideia?
Kemiro pergunta, notando a expressão irritada de Mandipha.
Voltando a si, Mandipha suspira, sorrindo, ela responde:
— Não, não é nada, me desculpe. Embora eu não goste da ideia de usar sua reputação como distração, entretanto, eu irei acatá-las.
Colando suas mãos acima das mãos de Mandipha, Kemiro comenta:
— Obrigado. De qualquer maneira, caso algo acontece, você deve me contatar. Não podemos deixar nada de mau acontecer com estas crianças.
Movida pela maneira afetuosa com que Kemiro se refere ao artefato, sorrindo ternamente, Mandipha responde:
— Sim.
◆◇
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