A residência parece uma fortaleza medieval, mesmo os edifícios e estruturas possuindo partes de sua arquitetura inspirada em cálculos e formas não terrestres.
Especialmente a torre central, que possui outras quatro torres menores, que a circundam, enquanto flutuam estáticas à sua volta, conectadas por apenas uma ponte de pedra, coberta por um telhado de madeira; assim como seus pilares de sustentação.
Acima da torre principal, a Lei Natural é acumulada em nuvens escuras, girando em espiral. Ocasionalmente, um raio silencioso acerta o topo da torre, onde linhas de energia, como raízes, brilham através das estruturas, alimentando sua Configuração Rúnica.
Diferente da entrada na borda da floresta, o número de indivíduos transitando é reduzido, mas, ainda sim, sendo as dezenas. Uma característica comum entre eles é que existem menos humanos. O que não é estranho, pelo fato da família Telffira possuir origem em outra dimensão.
Em sua maioria, os indivíduos estão caminhando sozinhos, onde, aqueles reunidos em grupos, seu número não passa de cinco indivíduos. Mesmo assim, o ambiente é praticamente silencioso, conversas possuindo um volume reservado.
Mesmo não sendo a primeira vez de Kemiro visitando, ele sempre chama a atenção, não apenas por ser o único Ma’Ji presente, mas, por estar sempre acompanhando por Kirianna.
Eu nunca me canso de apreciar o quão única é a estrutura aqui.
Kemiro reflete, preenchido de emoção, ao, mais uma vez, observar os detalhes intrínsecos da cultura refletida nas esculturas dos pilares e paredes por todo o edifício, como se tudo tivesse sido montado por peças de um quebra-cabeça gigantesco.
Caminhando através das edificações, Kemiro fica confuso, indagando:
— Onde estamos indo exatamente?
— A matriarca o aguarda em seu escritório na Torre Central. — Responde Kirianna, acenando para a grande Torre com sua mão.
Não acredito que eu vou poder adentrar a torre. Eu sempre quis saber como é por dentro!
Sentindo-se empolgado, Kemiro tem que controlar seus passos para não ultrapassar Kirianna.
Se aproximando da Torre Central, Kemiro nota pela primeira vez que a torre é cercada por um muro alto de rocha, aparentemente maciça, com um tom azulado, assim como a própria torre. Por toda a extensão do muro, Selos Rúnicos brilham ininterruptamente, com um tom lilás opaco.
A concentração da Lei Natural aqui é absurdamente alta. É tão densa que parece que estou afundando dentro de um oceano.
Caminhando por entre um belo jardim com plantas exóticas, Kemiro sente o movimento de seu corpo ser oprimido pela energia Natural à sua volta, ele movimenta seus braços, abrindo e fechando suas mãos.
Porém, essa pressão não é física. Parece mais que eu estou sendo rejeitado pelo próprio ambiente. Estranho.
Notando a expressão e movimentos de Kemiro, que consegue segui-la, sem perder seu ritmo e velocidade, Kirianna sorri levemente, analisando-o disfarçadamente, mas não diz nada.
Logo, ambos chegam a uma parte circular do jardim, contendo apenas grama baixa e um caminho de pedras, que levam até uma mesa de escritório única, contendo uma abertura elevada ao centro, com uma esfera, do tamanho de uma cabeça humana adulta, de cor preta. Atrás da mesa, um homem de aparência idosa, mas possuindo cabelos e uma longa barba negra, bem trajado, de olhos fechados, descansa estático com braços cruzados. Poderia ser confundido com um idoso humano, se não fosse pela cor azulada de sua pele.
— Guardião, preciso de acesso à Torre Central. — Kirianna comenta com um tom firme, enquanto mostra um brasão circular, com detalhes esculpidos em um tipo de pedra vermelho sangue que ela tira de uma de suas mangas. Kemiro fica interessado, sendo sua primeira vendo tal brasão, mas apenas observa em silêncio.
Após um momento, sem abrir os olhos, o homem indaga com um tom profundo:
— Quem é este estranho?
— Meu acompanhante. — Kirianna responde curtamente.
O velho calmamente descruza seus braços, estendendo sua mão magra e dedos finos, com unhas longas, na direção de Kemiro.
— Isso não será necessário. Ele é um convidado da matriarca.
— Essas são as regras. — O idoso responde secamente.
— Nenhuma regra está acima da vontade da matriarca. Velho Guardião, não me provoque, se não, eu vou raspar sua barba!
Ignorando o comentário de Kirianna, o velho abre seus olhos, deixando Kemiro surpreso, devido a seus olhos serem totalmente bracos, com exceção de linhas verticais pretas em ambos os olhos.
Ele possui Akrava! — Reflete Kemiro.
— Quando o despertou?
Questiona o velho. Kemiro entende do que ele se refere, respondendo:
— 19 anos.
— Velho demais.
Você que é velho! — Kemiro quase deixa escapar.
Sem mais comentários, o homem move sua mão acima da esfera, movendo seus dedos, como um marionetista, manipulando linhas.
No muro à frente, linhas perpendiculares se formam brilhando, duplicando, criando formas retangulares que se movem. Como tijolos, um por um deles se move flutuando, gerando buracos que se tornam em uma passagem através do muro.
Assim que a passagem é formada, Kirianna começa a caminhar em direção sem dizer nada, seguida por Kemiro.
Quando atravessam, os blocos retornam para seu lugar de origem. O muro volta a parecer um único objeto novamente.
O velho, escorando-se em sua cadeira, olha para o céu, acariciando sua longa barba, contemplativamente. Ele sussurra:
— Com 19 anos… Que absurdo.
◆◇
Chegando ao outro lado, Kemiro analisa que o ambiente à volta da torre também possui um gramado verdejante.
Qual é a daquele velho? E esse muro é um tipo de barreira? Tem tantas coisas que eu queria saber. Mas é melhor me conter. Certas perguntas não devem ser feitas.
Kemiro suspira disfarçadamente. Entretanto, como se sentisse mal por Kemiro, Kirianna comenta:
— Não de atenção às palavras do Guardião. Ele já viveu por muito tempo em seclusão, às vezes, ele apenas não sabe como interagir com outros.
Aproveitando o comentário dela, Kemiro pergunta:
— Ele faz parte da família Telffira? Amira nunca comentou sobre ele.
Balançando sua cabeça, Kirianna responde:
— Não. O trabalho dele é apenas ser o Guardião, então ele tem pouca interação com a senhorita Amira, que raramente visita a Torre Central.
Kemiro decidi não fazer mais perguntas. Ele procura focar sua atenção na torre à sua frente.
A torre possui um diâmetro extenso o suficiente, para mais de uma centena de pessoas serem necessárias para circundá-la.
Na base da torre, a entrada é uma abertura vertical e retangular, que está direcionada à entrada do muro. Mesmo parecendo fina, se comparada à torre, a entrada possui quase vinte metros de altura e espaço para cinco pessoas atravessarem sem encostar entre si.
Diferente do exterior, a cor das paredes internas possui um tom avermelhado. O piso é formado por uma pedra lisa de cor branca, tendo um Selo Rúnico em toda sua extensão, que brilha opacamente com um tom vermelho.
Todo o andar é ausente de mobília, com exceção de um pilar baixo ao centro, onde todas as linhas do Selo Rúnico convergem. Ao topo do pilar, um cubo de cor vermelho sólido flutua gentilmente, alterando sua direção de tempos em tempos.
Este Selo Rúnico é tão complexo! Eu gostaria tanto de aprender a utilizar Configuração Rúnica, mas eu não tenho tempo nem para cultivar minha Herança. É frustrante, mas vou ter que ficar satisfeito em apenas conseguir compreender a Linguagem Rúnica.
Enquanto caminham até o centro, Kemiro tenta dissipar sua frustração por ler a configuração do selo. Analisando-o, Kemiro comenta seus pensamentos, após compreender parte das configurações:
— Movimento espacial?
Kirianna tem um sobressalto, parando e se virando para Kemiro, ela indaga:
— O que você disse?
— Este selo. A configuração dele é de movimentação espacial? — Kemiro responde sem hesitar, notando a expressão crescente de espanto de Kirianna.
Kirianna analisa Kemiro, com olhos trêmulos em choque, perguntando:
— Você possui conhecimento das Leis do Espaço?
— Apenas algumas runas, que eu reconheço aqui. Eu estudei um pouco de Linguagem Rúnica. Como este andar não possui escadas visíveis, eu apenas inferi que pela complexidade do selo, que deveria ser algo relacionado. Eu acertei?
Kemiro responde com uma atitude diminutiva. Sua resposta faz Kirianna refletir:
Mesmo após estes anos que ele tem ajudado a senhorita Amira, Kemiro ainda possui diversas surpresas guardadas.
Como assim, você compreende Linguagem Rúnica? Mesmo tentando disfarçar, para afirmar algo do tipo, pelo visto, ele não tem ideia do quão incrível é ser capaz de inferir a funcionalidade deste Selo Rúnico em especial.
Eu imagino que expressão ele faria, se soubesse que existe outro Selo Rúnico, com a função de camuflar e proteger a funcionalidade do selo primário. Com isso, fica comprovado que sua Akrava é de alto nível. Eu terei que reportar isso para a matriarca, assim que possível.
— Sim. Todos os andares da torre são isolados um dos outros. O único ponto de acesso são terminais como este, ao centro de cada andar.
Kemiro fica empolgado ao aprender a funcionalidade, dedicando sua atenção em descifrar a complexidade do selo, por curiosidade.
Percebendo a imersão de Kemiro, o canto da boca de Kirianna treme, por temer que Kemiro possa desvendar a configuração do selo, ela comenta apressada:
— Você sentirá um leve desconforto, devido à movimentação dos fios, mas não tente resistir.
Sem esperar pela resposta de Kemiro, Kirianna leva ambas as mãos ao lado do cubo e, manipulando a Lei Natural, ela configura as coordenadas para o andar onde a matriarca está localizada.
O cubo, que antes girava em diferentes direções, trava uma de suas faces, apontando-a para Kirianna.
Duas linhas dividem o cubo em quatro partes, revelando uma esfera de energia vermelha ao centro. As quatro partes se dividem em dez cubos menores. Os cubículos movimentam-se para formar uma esfera.
Manipulando a esfera, Kirianna escolhe um dos cubículos, direcionando-o para dentro da esfera de energia vermelha ao centro.
Em seguida, o brilho do Selo Rúnico no piso intensifica, como se todo o andar fosse preenchido por uma energia avermelhada. O brilho intenso faz Kemiro fechar seus olhos, logo sentindo um leve enjoo, seguido da sensação de desequilíbrio.
— Vocês finalmente chegaram.
Kemiro rapidamente se recupera, ao ouvir a voz melódica, se virando para encontrar a dona da voz.
◆◇
Sentada em uma cadeira de luxo, enquanto verifica montes de documentos, organizados em diversas pilhas, acima de uma mesa exageradamente larga, está a matriarca.
Daliah possui cabelos negros como a noite, no estilo bob ondulado, a parte interna de seus cabelos é branca. Sua pele é pálida. Suas orelhas pontiagudas. Seu corpo é esbelto, possuindo longas pernas.
Ela é poderosa. Mais poderosa do que qualquer indivíduo que já encontrei! Certamente, ela está em um Patamar Existencial elevado.
Devido sua Akrava, Kemiro consegue ver e sentir uma aura vermelha, que emana como a correnteza de um rio, fluindo em volta da matriarca.
Seus olhos dourados como ouro possuem um brilho único, analisando documentos rapidamente. Como se dançassem, suas delicadas mãos assinam documentos, colocando-os de lado. Ela se ajeita em sua cadeira, focando em Kemiro, dizendo:
— É um prazer conhecê-lo, Kemiro. Meu nome é Daliah Telffira. Há muito, eu venho procurando um momento oportuno para me apresentar. Mas, Amira sempre é contra nosso encontro.
Como assim, Amira é contra? — Kemiro reflete. — Ela não tem razão para mentir. Agora faz sentido, ela nunca ter se apresentado.
Enquanto enche sua taça com uma bebida vermelho vinho, porém densa como mel, a matriarca comenta:
— Se aproxime. Este escritório não foi feito para reuniões, então gostaria que não reparasse na falta de uma cadeira para acomodá-lo. Eu não quis perder esta oportunidade rara, já que Amira está ocupada.
Caminhando, Kemiro observa o escritório que preenche todo um andar da torre. Toda a mobília é disposta em volta da matriarca, contendo diversas estantes com livros e pastas repletas de documentos. Diversas esculturas, representando tanto homens quanto mulheres nuas; também animais exóticos que Kemiro nunca virá antes, estão dispostas em meia-lua, tendo a mesa da matriarca ao centro.
Parando a cinco passos da mesa, Kemiro cumprimenta a matriarca formalmente, por juntar seus pés e pernas, pondo sua mão direita sobre seu coração e se curvando de olhos fechados, dizendo:
— É uma honra ser agraciado em conhecê-la, matriarca Daliah. Meu nome é Kemiro Boronéa. Eu agradeço a Hein’Ra pela oportunidade em poder apreciar sua beleza e aura.
Tanto Kirianna quanto Daliah reagem aàspalavras de Kemiro, tendo uma leve alteração em suas expressões.
— Você é eloquente, eu gosto disso. Não é estranho que minha filha esteja tão interessada em você. Mas, o fato de você não ter apresentado sua ascendência é curioso. Pelo visto, é verdade que você e sua família possuem desavenças. — Comenta Daliah, observando a reação de Kemiro.
Endireitando seu corpo, Kemiro comenta com seu sorriso enigmático:
— Sinceramente. Nada digno para que a matriarca precise perder seu tempo refletindo sobre.
— Kemiro, meça suas palavras mais adequadamente. — Comenta Kirianna, franzindo.
— Está tudo bem, Anna. Todo mundo tem um tópico ou dois que possuem relutância em comentar sobre. — Daliah diz, levantando sua mão direita, interrompendo Kirianna.
É nosso primeiro encontro, mas eu já não gosto dela. Era melhor que ela nunca tivesse se apresentado. Acredito que eu entendo, agora, a razão de Amira ser contra nosso encontro.
Levando sua taça até seus lábios maquiados com um batom vermelho, Daliah analisa Kemiro. Sorrindo, Kemiro consegue ver dois longos caninos. Daliah diz com um tom humorado:
— Parece que eu pisei em uma mina. Você não precisa sentir tanta hostilidade contra mim. Não existe nenhuma intenção maliciosa em meu comentário.
Kemiro pergunta, desinteressado em suas palavras:
— Matriarca Daliah, por qual razão você me convocou?
Garotos são cheios de emoções ardentes. — Reflete Daliah, expressando com um sorriso sedutor.
Notando o humor decrescente de Kemiro, ela é direta:
— Parece que seu relacionamento com a sacerdotisa da Casa Hauveron está avançando muito bem. Mas isso me deixou um tanto confusa, pois você e Amira já se conhecem por quase cinco anos, antes mesmo de toda esta armação da família Real. Você até mesmo se tornou alguém necessário para ajudá-la a lidar com sua condição. Então, isso me leva à questão: O que Amira é para você?
O que Amira é pra mim? — Kemiro reflete confuso. — Eu não acredito que a matriarca está perguntando para saber sobre sentimentos de afeição. Nosso status social é muito diferente. Sem contar que a matriarca não sabe sobre minha Herança. Não tem como ser isso! Então, ela está implicando que eu estou tramando algo contra Amira? Mesmo depois de ajudá-la por todos estes anos?
Percebendo o silêncio de Kemiro, como uma maneira de calcular suas próximas palavras, Daliah sente-se desapontada, dizendo:
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