Sara fechou a porta do quarto com um cuidado que contrastava com a urgência dos minutos anteriores, quando havia arrancado a irmã das garras de uns fidalgos bem-apessoados. Alegara ser um assunto particular, meio urgente, e agora, naquele cômodo, poderiam conversar sem o inconveniente de serem interrompidas por algum convidado.
Sentadas na cama, Sara resumiu rapidamente a conversa com Thales Montenegro, revelando a proposta tentadora que ele lhe fizera.
— Tem caroço nesse angu — desconfiou Alana.
— Como assim?
— Os garotos estão me paparicando a noite toda. Estão loucos pra eu escolher um deles na dança. Eu não ficaria surpresa se alguém jogasse sujo para conseguir isso.
— Então acha que ele está mentindo? — perguntou Sara, surpresa por não ter cogitado essa hipótese.
— É bem provável. Se esse acordo fosse sério, o próprio Durval viria falar comigo. Ele é um aurano supremo. Teria me apresentado pessoalmente ao filho dele.
— Não sei. Talvez o garoto tenha sido ansioso. — Sara ponderou por um instante. — Ou, então, acham que, se o pedido vier de mim, você se sentirá mais pressionada a aceitar.
Alana encarou a jovem de cabelos escuros e perguntou de forma direta:
— É isso que você quer que eu faça?
Sara desviou o olhar e esfregou as mãos. Tinha medo de soar egoísta, de a irmã criticá-la por forçá-la a fazer algo que não queria. No entanto, dada a sua situação naquela festa, sentia que merecia ao menos uma compensação.
— Sim — respondeu, hesitante, acrescentando um quase sussurrado: — …se puder.
Alana suspirou, sem esconder o incômodo que havia naquele assunto.
— Está bem — disse, mas rapidamente levantou o dedo em sinal de ressalva. — Mas, primeiro, vamos confirmar se essa proposta é verdadeira mesmo.
Decididas, as irmãs Buarque deixaram o quarto e voltaram à festa. Caminharam rápido, lado a lado, tentando evitar qualquer abordagem que quisesse roubar um momento com a debutante. Aproximaram-se da mesa onde Durval e Carla estavam sentados. Thales não estava com eles.
Sara nunca estivera tão próxima de fidalgos da alta hierarquia, os quais, quando convocados ao Conselho, reuniam-se junto à semideusa Rúbia para tratar de assuntos envolvendo todo o país de Neriquia. Sentia-se pequena perto deles, como uma criança querendo entrar numa conversa de adultos. Já Alana, alguns passos à frente, parecia se portar com a dignidade de quem conhecia seu próprio status.
— Com licença, o senhor é Durval Montenegro, aurano supremo e diretor do Centro de Alistamento? — perguntou Alana, sem hesitar, dirigindo-se ao homem de cabelos dourados.
— Eu mesmo. O que posso fazer pela debutante? — A voz de Durval era dura, mas ao mesmo tempo calma e polida.
— O senhor tem um filho chamado Thales?
— Tenho sim. Por quê? Aquele rapaz fez algo de errado?
Sara achou curioso como aquele homem, mesmo antes de saber o que havia ocorrido, já parecia prever alguma imprudência do filho.
— Ele disse que existe um acordo para o senhor colocar a minha irmã na lista dos fidalgos que prestarão o exame no CA. Em troca, eu deveria escolhê-lo como meu primeiro parceiro de dança.
Os olhos de Durval, brilhando em laranja sob as lentes de contato, se voltaram para Sara, que se mantinha acanhada atrás da irmã.
— Garanto a vocês duas que não há nenhum acordo desse tipo.
Sara sentiu um nó no estômago, um espanto que a fez dar dois passos adiante.
— Não tem?
— Sinto muito se ele te enganou, guria — respondeu o supremo, antes de voltar-se para Alana. — Mas devo parabenizar você por ter buscado a verdade, em vez de ter engolido a história do meu filho. Alguém da sua estirpe, da nossa estirpe, deve sempre estar atento para não ser manipulado por quem só quer tirar proveito.
— O-obrigada — agradeceu Alana, com uma leve reverência. — Era só isso. Por favor, aproveitem a festa.
No entanto, Sara ainda tinha pendências com aquele homem. Assim que a irmã deu as costas à mesa, ela reuniu toda a coragem que tinha e, com o coração na boca, tentou fazer com que aquela situação não fosse em vão.
— Senhor Durval… eu aceito seu pedido de desculpas… se garantir que meu nome esteja na lista do CA.
Imediatamente, ouviu a irmã sussurrar seu nome em tom de censura. Talvez estivesse sendo insolente, mas não podia sair dali de mãos vazias. Era a sua melhor chance para concretizar o sonho de entrar na Academia junto com Alana.
Contudo, não foi de Durval que ela ouviu uma resposta.
— Não estou vendo azul em seu cabelo, menina — observou Carla Fahrenheit, lançando-lhe um olhar penetrante através das lentes douradas. — Enquanto sua aura não for visível, não há porque permitir que faça um exame cujo principal requisito você não satisfaz. Deixá-la tocar no Arauto seria o mesmo que incluir o nome de uma vulgar na lista.
— Mas eu não sou uma vulgar! — defendeu-se Sara, indignada.
— É claro que não. Se fosse, estaria me servindo petiscos e bebidas nesta festa.
Sara ficou em silêncio, e Durval resolveu interceder.
— Podemos discutir isso daqui a algum tempo, certo? Você e sua irmã ainda têm três anos de vida escolar antes da inscrição na Academia. Não há motivo para se preocupar com isso agora.
Alana, mais uma vez, despediu-se do casal, desejando que aproveitassem o restante da festa. Com um gesto firme, pegou a mão de Sara, garantindo que ela a seguisse, e afastou-se da mesa. Enquanto se moviam entre os convidados, Alana inclinou-se para Sara e murmurou:
— Ficou maluca? Aquilo foi uma tentativa de chantagem?
— Eu só mudei um pouco os termos da proposta que o filho dele fez — replicou Sara, sem entender o que de tão grave havia naquilo.
— “Um pouco”? Você condicionou as desculpas de um aurano supremo feito a você, uma fidalga de meros quinze anos, em troca de uma demanda que não é nada simples de realizar. Foi ultrajante.
— Ah, que exagero. O infeliz do Thales é quem me desrespeitou primeiro.
Uma mulher adulta, acompanhada de uma adolescente que poderia ser filha dela, acenou para Alana, chamando-a para ter uma palavrinha com ela.
Alana parou de caminhar e voltou-se para a irmã.
— Preciso voltar a ser importunada pelos convidados. Eles fazem questão que eu conheça e grave o nome de cada um deles — disse ela, num leve tom de cansaço. Pôs a mão no ombro de Sara e orientou-a. — Vai pegar uma bebida pra relaxar, tá? E cuidado com o próximo garoto que se aproximar de você. A gente conversa depois.
— Tá. Vai lá — concordou Sara, meio a contragosto.
Seguindo o conselho de Alana, ela se dirigiu a uma mesa de ponche de frutas vermelhas — marcada com um cartaz que dizia “sem álcool” — e serviu-se de algumas conchas na taça.
— O que você e sua irmã conversaram com os meus pais? — Thales apareceu ao lado dela, a voz carregada de confronto.
— Você é um mentiroso — retrucou Sara, sentindo sua raiva borbulhar ao ver a cara do rapaz. Largou a concha de volta ao ponche e foi direta: — Não tinha acordo nenhum com seu pai. Você me enganou só pra se aproximar da Alana.
Thales soltou um suspirou e desviou o olhar.
— Tsc. E eu achando que seria fácil.
— Nem se arrepende, né? Você é um crápula. Depois dessa, pode descartar qualquer chance de relacionamento com minha irmã.
Uma risadinha escapou dos lábios do fidalgo, o que fez Sara ter vontade de arremessar seu ponche contra o rosto dele.
— Você é uma garota muito ingênua. Mas é de se esperar.
— O que quer dizer?
— Ora, observe as pessoas à nossa volta e depois corra pro banheiro para se olhar no espelho. Você é como um patinho feio. Está completamente deslocada. Não faz parte da comunidade e por isso não entende a política que se estabelece entre os fidalgos. Afinal, você sequer convive com eles em seu dia a dia. Além disso… você é muito fácil de ler. Está desesperada em busca de aprovação, em busca de pertencimento, em busca de ser igual a sua irmã. E quer saber… — Thales inclinou-se até o ouvido dela, sussurrando com uma malícia cruel: — Você nunca será aprovada no exame de alistamento, nunca será vista como uma fidalga, e nunca chegará aos pés da sua irmã.
Thales se afastou, deixando Sara sozinha com aquelas palavras cortantes e desaparecendo entre as pessoas da festa. A garota permaneceu imóvel, absorvendo cada ofensa como se ainda terminasse de engoli-las. Abandonou a taça sobre a mesa e voltou a caminhar sem rumo.
Um nó apertava sua garganta, e uma sensação molhada parecia borrar a vista. Não sabia para onde ir. Regressar à sua mesa vazia, sufocada pelo tédio e desconforto ao observar a festa em volta? Ou recolher-se em sua casa, voltando apenas para a valsa? Sua mente começava a dar sinais de exaustão com todas aquelas vozes com as quais não queria — ou não podia — dialogar.
— Ei, Sara! — uma voz a chamou.
Veio de uma mesa bem perto dela, apinhada de adolescentes. Eram os colegas de escola da Alana. Reconheceu alguns dos que fizeram chacota de sua apresentação ao ar livre no polo comercial, principalmente o garoto de cabelo preto de mechas alaranjadas, chamado Noah, que foi justamente quem lhe chamara.
— Pode vir aqui um instante? — pediu o adolescente.
Sara deveria tê-lo ignorado e seguido adiante, para sabe-se lá onde. Mas, pensando que ele talvez quisesse apenas um favor, decidiu se aproximar.
— Traz umas bebidas… e um prato com petiscos também, pode ser?
Sara o encarou, piscando algumas vezes e se negando a acreditar que ele realmente fez aquele tipo de brincadeira.
— Ah, desculpa — disse Noah, logo em seguida, em falso tom de lamento. — Pensei que estava servindo os convidados. O que é uma pena. Pois assim você teria o que fazer na festa.
Alguns adolescentes taparam a boca em um espanto cômico, enquanto outros deixaram-se cair em gargalhada.
Sara fechou os punhos, transformando aquele deboche coletivo em labaredas furiosas dentro de si. Pegou um copo parcialmente cheio sobre a mesa e espirrou-o contra o rosto de Noah.
Num piscar de olhos, girou nos calcanhares e se afastou da profusão de risadas estridentes e gritos de zombaria que tomou conta da mesa. Seus passos rápidos a levaram para longe dali, para longe daquela festa, para longe de todos.
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