Olhando para baixo eu podia ver o inferno me esperando. Dizem em alguma religião que me esqueci que as almas de pessoas que tiram sua própria vida nesse plano são jogadas no umbral e vagam eternamente por lá sem esperança e memórias, há um caminho para fuga, mas vai direto para o inferno, então de qualquer forma eu estava condenada, mas mesmo assim, seria melhor do que suportar os dias sem ele, prefiro mil vezes encarar as provações de um mundo cruel do que viver uma vida sem sentido nesse mundo repetitivo. Se aquele médico ao menos não tivesse errado no diagnóstico a um ano atrás, se ele não fosse uma pessoa movida somente por dinheiro, se as pessoas pensassem um pouco umas nas outras, as coisas poderiam ser diferentes, e se eu continuar vivendo nesse mundo só iria acabar com ele e com todos ao meu redor, lentamente, faria qualquer coisa para vê-lo pegando fogo, eu digo isso mas sei que no final as pessoas ruins sempre vão prevalecer porque elas tem o que é necessário pra sobreviver, os bons, são pisoteados, como ele foi, jamais fez mal a ninguém, e agora, nem mesmo pode realizar seu sonho de ver um jogo do Chicago Bulls¹, isso é realmente certo? Não há Deus, não é? Nem essas porcarias de céu, inferno ou umbral. Estava a um passo da morte, em cima da sacada do prédio onde morava, ninguém ainda havia me visto, escolhi um domingo bem calmo onde ninguém passava pelas ruas próximas, essa cidade já é bem pequena, normalmente não passam muitas pessoas daqui em dias de semana, e hoje, principalmente, eu não queria chamar atenção, não queria ver meus pais antes de bater com o crânio no chão e espalhar meu cérebro pela calçada, queria apenas partir tranquila e em paz. É claro que eu estava com medo, se não estivesse, não estaria aqui por dez minutos pensando, pensando em todos os meus erros, em todas as alegrias que tive, os momentos que passei com Vitor e tudo que eu queria ainda passar com ele...Mas que não será possível. É, nada será mais possível, e foi pensando nisso que estufei meu peito, fechei meus olhos e pedi perdão aos meus pais pela minha covardia. Antes que eu inclinasse meu corpo para frente, senti uma refrescante brisa passar sobre meu rosto, e junto dela, ouvi uma voz familiar atrás de mim.
- Você não quer pensar mais um pouco? – O susto que tomei por não ter percebido aquela pessoa anteriormente me fez jogar o corpo para trás e me dar conta da situação em que estava. Meu coração palpitava querendo sair da minha boca, eu caí sentada no chão áspero, inclinei meu pescoço para trás e vi uma figura alta em pé olhando pra mim, ele tinha cabelos curtos e louros, traços delicados pra um homem e um sorriso que, além da voz, também me era familiar.
- Quem é você? Como me achou aqui?
- Quem sou eu? Pergunta clichê amiga. Eu não tenho um nome, mas, pode me chamar de Lúcifer. – Quando ouvi aquilo, tudo que eu pude fazer, era rir. Ri intensamente enquanto balançava a cabeça negativamente várias vezes.
- E eu sou o Anjo Gabriel². Você vai me impedir? – Eu disse ironicamente me levantando, minhas pernas estavam moles e bambas, mas minha vontade ainda permanecia inteira.
- De pular? Claro que não, eu não vim aqui pra isso. – Mas o que? Fiquei confusa naquele instante, se aquela pessoa não estava ali para me impedir, por que diabos estava? Aliás, ele estava sorrindo, mesmo que de maneira branda, sua expressão era calma, ele não queria mesmo me impedir.
- Então você veio por quê? Sente prazer em ver as pessoas se suicidando? É mais um louco psicótico solto por esse mundo? – Dei as costas para aquele ser miserável em minha frente, e estava novamente à menos de sete palmos das chamas do inferno.
- Não nego que sou um pouco psicótico e louco, mas não quero te ver morrer, não agora.
- Então, você realmente está aqui para me parar.
- Não, eu não estou. Quero te ver viver, mas você é quem decidirá isso.
- Olha meu filho, eu estou aqui já, eu decidi, por que eu mudaria de ideia?
- Porque ainda não ouviu minha proposta.
- Proposta? – Apesar de estar curiosa, eu não me virei, continuei encarando o edifício que se encontrava na minha frente. Eu não sentia nada naquele momento, dor, ódio, raiva, tudo havia se apagado.
- Você pode pular agora e acabar com tudo, seu namorado vai morrer em menos de três meses, vocês podem nunca mais se encontrar, ou ele pode se curar, e você pode abandoná-lo se jogando, ou então você pode ficar aqui, com ele curado e serem felizes, você pode ir com ele ver o jogo do Chicago Bulls, pode ir pra Tóquio como você também sonha, você tem essas escolhas. – Quando acabei de ouvir aquilo, virei para trás com meu coração batendo rápido novamente, mas não era por medo da morte, era por medo daquela pessoa, ela havia dito coisas que só eu sabia.
- Como? Como sabe disso? – Fitei-o com espanto enquanto ele ainda permanecia sorrindo, mas dessa vez, em um rápido segundo, sua expressão ficou séria, ele passou a me encarar com desprezo.
- Como eu sei? Sei tudo sobre você, eu não quero enrolar porque meu tempo é curto. Tenho aqui em minhas mãos uma chave, e eu vou dá-la a você, você pode escolher não pegá-la. Essa chave abre uma caixa, e nessa caixa, há um vírus que, se espalhado pelo mundo, pode dizimar mais da metade da população. O seu papel é simples Naiara, você precisa sobreviver e manter a chave consigo durante 90 dias, de hoje, 01 de março, até o dia 01 de julho, se você conseguir fazer isso, você vai ter direito a qualquer desejo ‘possível’ por minha pessoa, o que você quiser, desde milhões de reais ou poder voar por aí, e se você não acredita, eu não posso fazer nada, meu papel é te informar e fazer a proposta somente, não tenho como te provar isso no momento, mas eu quero uma resposta agora, ou vou procurar outra pessoa, a próxima da lista, então, pegue a chave, você aceita ficar com ela? – O rapaz em minha frente que parecia ter uma idade inferior à minha, estendeu sua mão, e dentro dela, havia uma chave dourada maior que sua própria mão, ela brilhava como se fosse de ouro, naquele momento surreal, eu não sabia o que pensar, mas... me indaguei internamente. E se aquilo fosse verdade? Eu sentia que de alguma forma podia ser real, e ele estava falando para responder rápido, então impulsivamente, peguei a chave, só conseguia pensar em algo naquele momento.
- Você quer seu namorado curado, certo? Se for isso, eu te garanto que, se você sobreviver durante 90 dias e me entregar a chave em segurança, ele e você estarão imunes ao vírus, e ele estará completamente curado do câncer.
- Oi? Como assim? Eu queria perguntar mas, como assim sobreviver a 90 dias? E...Você disse sobreviver ao vírus? Quer dizer que se eu entregar a chave pra você depois de 90 dias, o vírus será espalhado pelo mundo?
- De fato, é isso mesmo. Quanto aos 90 dias, eu posso explicar depois.
- Não, explique agora isso! Você pretende dizimar metade da população mundial? Você sabe que se isso for verdade, posso levar essa chave pras autoridade e te denunciar, eu não sei quem diabos é você, mas... – Comecei a pensar, pensava sem parar, meu cérebro começou a ser processado rapidamente, eu me senti um lixo, parei de falar e olhei para baixo com os olhos abertos.
- Você entendeu? Ou é isso, ou seu namorado morre, e você pode se matar agora também. Escolha. – Eu não conseguia acreditar, mesmo segurando aquela chave pesada. Meu namorado podia ser curado? Havia realmente um vírus em uma caixa que dizimaria metade da população? Quanta besteira! Mesmo sendo besteira, eu ainda queria acreditar, ainda queria ter uma última esperança em meu coração, a esperança de viver com Vitor, pelo menos, por mais um dia.
- Mesmo que isso seja besteira, mesmo que eu esteja ficando louca, eu vou aceitar. Se você puder curar o Vitor e nos salvar do vírus, eu guardarei essa chave por 90 dias.
- Muito bem, imaginei que seria sua resposta mesmo, agora, deixe-me explicar os 90 dias. Você se pergunta, por que ‘sobreviver 90 dias’, certo? Bem, porque você realmente não vai ter sossego em nenhum dia desse prazo. – O rapaz em minha frente se virou de costas e começou a caminhar rumo à porta da sacada. – Você será caçada por dez pessoas, dez pessoas que querem essa chave, e eu logo te digo, não será nada fácil.
- Como assim? Caçada? Eles sabem que estou com a chave? Isso é loucura! – Eu não estava entendendo nada, por que eu seria caçada? Quem iria atrás de mim?
- Oras, acha que a coisas são tão fáceis? Pedir para guardar uma chave é algo, qualquer um poderia guardar um objeto por 90 dias, mas por que acha que eu te ofereci qualquer desejo? É claro, como recompensa, porque as chances de você sobreviver são menos de 1%. Lei da troca equivalente, sabe? – O ‘ser’ em minha frente estava parado em frente a porta, eu, paralisada, ainda segurando a chave, não entendia aquela situação.
- Mas é só eu me esconder então! Ou pedir ajuda, ir para outro país! E o que acontece, caso eu seja morta? – Me envergonhei naquele momento, eu estava caindo na brincadeira daquele idiota em minha frente, mas mesmo assim, mesmo assim....
- Oras, não é óbvio? O mundo vai ser salvo! O vírus será destruído, mas seu namorado vai morrer, e você estará livre, como deseja agora. Então, se esforce pra viver, ok? Ah, mas antes, deixe-me dar uma pequena ajuda, porque afinal, não é justo dez contra um, não é? Sendo assim, vou te informar sobre as ‘habilidades’ dessas dez pessoas, eu não deveria fazer isso, se ele souber que fiz, estarei encrencado, mas eu sinto que você merece isso, se não a disputa seria injusta. – Habilidades? Do que ele estava falando? Eu comecei a chorar, e não sabia porque, as lágrimas apenas caíam do meu rosto enquanto eu segurava aquela chave pesada com as mãos trêmulas.
- As dez habilidades de cada um são diferentes, escute bem porque não irei repetir.
“Estaca Zero” - Habilidade de voltar no tempo por dez minutos – 3 usos
“Gaiola do Vácuo” – Habilidade de criar um espaço sem saída por determinado período
“Fios do Céu” – Habilidade de criar ‘bonecos’ humanos que não pensam por si só e não tem alma
“Domínio Total” – Habilidade de controlar pessoas através da voz
“Lembrança Vazia” – Habilidade de modificar memórias das pessoas
“Eternidade Nula” – Habilidade de trocar de corpo com uma outra pessoa
“Roleta Russa de 6 balas” – Habilidade de criar um espaço fechado para ‘jogos’ apostando a vida
“Criação” – Habilidade materializar pensamentos
“Avanço” – Habilidade de saltar no tempo em 10 minutos
- E tem mais uma habilidade, mas que não me foi informada! Sinto que é algo que ele não sabe também, então não posso fazer nada quanto a isso. Eu te desejo boa sorte, e daqui 90 dias, se estiver viva, pegarei essa chave e espero que ela não esteja nem riscada. Bom, se cuide, Naiara. – O rapaz em minha frente passou pela porta depois de ter dito todas aquelas coisas que deram um choque em minha mente. Eu não me esforcei para correr atrás do mesmo, apenas ajoelhei no chão, no alto daquele prédio de vinte andares e olhei para o céu azul de final de verão. Hipoteticamente falando, só hipoteticamente, se isso tudo for verdade, como diabos sobreviverei a isso? Foi quando a imagem de Vitor veio em minha mente, e foi aí que abri os olhos deixando os raios solares me cegarem. Não, eu definitivamente sobreviverei, eu vou cumprir minha promessa com ele, eu vou sobreviver por 90 dias, mesmo se eu tiver que destruir esse mundo.
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