Nossa história tem início num jantar. A mãe de Thadeu o servia e sua irmã Aline tentava comer uma caixa de bombons sozinha com seu pai a encorajando com tapinhas nas costas! A cozinha era simples, pisos brancos, com uma pia de granito daquelas que você encontra na casa dos seus amigos. Thadeu pegou seu copo e virou de uma vez o refrigerante, deixando sua mãe irritada. O pequeno sabia como deixar sua mãe brava!
— Menino, parece que tá passando fome! — disse ela tentando segurar o sorriso.
— Thadeu sempre come que nem porco — gritou Aline com a boca cheia de chocolate.
— Olha quem está falando! — respondeu a dona de casa, para a alegria da família.
Thadeu abraçou o braço de sua mãe. Ele sentia segurança em fazer isso, era como se estivesse ao lado da própria deusa Sýnpam. Sua irmã, mordendo os beiços de ciúmes, olhou para o teto. A mãe sorriu. Aquela menina não conseguia esconder seus sentimentos. Ela também ganhou um abraço, o mais apertado e caloroso do mundo!
— Crianças, preciso conversar com vocês sobre as férias de verão — disse o pai com uma expressão séria.
— Sério? — falou a mãe com um sorriso no rosto — espero que seja sobre aquela praia que sempre quis conhecer!
— Eu também quero ir à praia, papai! — gritou a escandalosa Aline.
— Para de gritar, animal — berrou Thadeu mais alto que a menina.
— A gente não vai — disse o pai num tom seco.
— Como assim, vamos para algum parque? — perguntou a Mãe.
— Nesses últimos dias estou tendo muito trabalho. A empresa está exigindo que eu entregue alguns projetos e se eu não fizer isso, vamos perder a casa, as prestações estão atrasadas….
— Atrasadas? — gritou a mãe — como assim? Lembro que pagamos tudo no mês passado!
— Não importa se pagamos ou não, precisamos do dinheiro…
— Pai, você tá dando desculpas de novo para não ficar com a gente! — disse Thadeu.
— Eu não estou dando desculpas, meu trabalho exige…
— Seu trabalho? Todos meus amigos se gabam que tem o pai junto deles, o meu é o único que vejo só no sétimo dia e olhe lá!
— Thadeu, a vida não é tão fácil como você está imaginando…
— Não quero falar com você… estou cansado de ter você como meu pai, queria que Sýnpam me desse outro! — afirmou Thadeu, assustando sua mãe e irmã.
Ele correu para o quarto. Aline segurou o choro. Sendo a mais velha, ela tinha que mostrar maturidade. Thadeu se enfiou debaixo das cobertas. Aline entrou no quarto e puxou o pequeno pelas pernas. Ela o abraçou contra sua vontade e fez cosquinhas na barriga dele. As risadas de Thadeu não tardaram a aparecer.
— Você sabe que o pai não faz por mal… ele tem que trabalhar para nos sustentar — disse Aline tentando acalmá-lo.
— Tô cansado desse papo… Só queria ter o nosso pai perto da gente. É pedir demais uma semana com ele?
— Sabe o que eu queria mais do que umas férias na praia? — perguntou Aline tentando mudar de assunto.
— Aquele menino com cara do Ronaldinho que você gosta?
— Tá doido, menino chato!
— Vai logo, sua chata, o que você queria mais do que o feio da sua classe?
— Você ouviu as lendas sobre o reino das fadas? Dizem que lá tudo é feito de doce… que tem músicas todos os dias, além de um rei carinhoso que as protege.
— Tá doida? Esse negócio de reino das fadas é pura fantasia!
— Não é não! Um dia eu vou morar lá, eu acho…. — Respondeu Aline com um sorriso triste.
— Prometo que vou levar você ao reino das fadas — prometeu Thadeu acariciando a bochecha gordinha de sua irmã.
O som de um raio os assustou. Parecia ter vindo do quintal. Com um zumbido nos ouvidos, eles correram para a cozinha. Seus pais discutiam com um homem estranho. Aline sinalizou para Thadeu se esconder com ela atrás da porta e espiar a conversa.
— Quem é você para invadir minha casa? — disse a voz da mãe
— Senhora, não sabe quem eu sou? Seu marido devia ter falado sobre mim, o chefão Do Comando Dragão Cinzento — respondeu o homem com voz de tenor.
— Deixe ela em paz, sua briga é comigo! — gritou o pai.
— Cala sua boca, estou falando com a vadia da sua esposa, não com você.
— Não me chame de vadia… meu braço… para com isso… — gritou a mãe logo após um som de osso se partindo.
As pernas de Aline tremeram. Thadeu, desesperado, quase deixou escapar um grito. Ela tapou a boca dele com a mão. Não era uma boa ideia chamar atenção da pessoa que estava na cozinha. Aline fez um sinal com os olhos para eles ficarem quietos.
— Seu desgraçado! — berrou o pai — você vai pagar por isso, eu juro!
— Acredito que seu marido não contou tudo sobre sua verdadeira profissão. Permita-me ser o portador da verdade.
— Meu braço… — dizia a mãe com uma voz fraca.
— Sou chamado de Draco Griseus. O seu marido é um membro da ordem da serpente, uma antiga seita responsável por caçar monstros e anormais. Ele cometeu o erro de tentar me caçar… claro que isso não daria certo, ainda mais com um homem do meu calibre.
Aline olhou pelo buraco da fechadura. Um homem de 2,20 de altura, branco, corpulento e musculoso igual a um rinoceronte, usando uma roupa marrom escura com uma capa roxa, encarava os seus pais, caídos numa poça de sangue.
— Não brinca… você também tem filhos? — sorriu o homem após ter escutado Aline respirar.
— Você não devia estar fazendo isso…
— Devia ter pensado em sua família antes de ter se metido comigo, agora vou matá-los, gosto de exterminar a praga desde o berço.
A mãe se ergueu do chão gritando maldições contra Draco Griseus. Um clarão emanou dos olhos dele. Raios de calor a atingiram, fazendo-a cair no chão logo em seguida. O pai gritou com uma expressão de desespero.
— Seu desgraça… — antes de poder terminar sua fala, Draco Griseus o silenciou.
Aline e Thadeu gritaram. Eles fugiram para os quartos. Draco Griseus sorriu. Era isso que ele queria, caçar algumas presas indefesas antes de dormir. Thadeu se escondeu debaixo da cama e Aline entrou no guarda-roupa. Ela estava com medo, já que seu pai não deu conta daquela coisa, quiçá ela, uma menina!
— Então vocês querem brincar de esconde... — sussurrava Draco Griseus caminhando a passos lentos pelo corredor — não tem problema, vou entrar na brincadeira.
Os passos pesados eram ensurdecedores. Era como se um rinoceronte estivesse caminhando pela casa! Thadeu tapou a própria boca para tentar abafar seu soluço. Aline tremia tanto que seus dentes batiam um no outro. Isso era divertido para o chefão. Perseguir os mais fracos só mostrava sua superioridade e a razão para todos o temer.
— Crianças — disse Draco Griseus cantarolando —, sabiam que tenho super audição?
Ele entrou no quarto quebrando a porta apenas com um sopro. Thadeu gritou. Um sorriso de satisfação surgiu no rosto de Draco Griseus. Aline não podia permitir que algo ruim acontecesse com seu irmãozinho. Ela saiu do guarda-roupa correndo em direção àquela figura assustadora. O homem nem precisou fazer muito esforço para jogá-la no chão.
— Tenho que admitir, para uma menina pobre, você até que é bonitinha… — sussurrou Draco Griseus fitando a inconsciente Aline.
Thadeu sentiu uma adrenalina. Ele saiu do seu esconderijo e tentou usar a força contra aquele homem. Para Draco Griseus, levantar um caminhão era como erguer um botijão de gás, o que era um menino daquela idade diante de tamanha força? O maldito soprou contra o pequeno, jogando ele contra parede.
— Pronto, família eliminada com sucesso — afirmou Draco caminhando em direção ao corpo de Thadeu.
O chefão respirou fundo e sorriu. Matar uma criança, ou fazer um adulto chorar feito um cão com a pata quebrada não era nada comparada às outras maldades que ele já havia feito. Como um raio, ele desapareceu rumo ao céu estrelado de Miragem.
Horas depois, Thadeu acordou. Seu corpo estava paralisado. Ele olhou em volta, esperando que tudo não passasse de um pesadelo. Mas não era o seu quarto. Na verdade, aquilo tava mais para um hospital de quinta categoria do que um quarto!
— Não tente se levantar, seu corpo ainda não se recuperou da pancada — disse a voz rouca de um velho cego.
— Onde tá meu pai…
— Menino, você é mais inteligente do que isso. Seu pai está morto, junto de sua mãe e irmã.
— Mentira! — gritou Thadeu.
— Tenho cara de quem está mentindo? Você é o único que conseguiu sobreviver ao ataque de Draco Griseus.
— O que diabos é Draco Griseus? — perguntou o menino.
— Primeiro, você precisa saber quem é o seu pai — respondeu o cego —, depois a gente conversa sobre o seu alvo.
— Meu alvo? Como assim!
— Você deve estar sentindo uma grande raiva, não estou certo?
— É claro que estou sentindo — disse Thadeu cerrando os dentes —, não sei se você percebeu, mas ele matou minha família!
— E se eu dissesse para você que tem um jeito de você curar toda essa raiva e dor… você acreditaria?
— Por favor, me ajuda a sair daqui, preciso…
— Precisa o quê? Você não tem ninguém, sua família está morta e a única solução nesse momento é se unir a ordem da serpente.
— Ordem da serpente? — indagou Thadeu.
— Seu pai era um mestre em nossa ordem e a última missão dele foi justamente matar Draco, mas ele falhou e, como consequência, você está aqui agora.
— Você quer que eu entre nessa ordem? Sou só uma criança!
— Não se preocupe, vou treinar você pessoalmente para cumprir a última missão de seu pai…
— O que vou ganhar com isso? — perguntou Thadeu.
— Sua dor e raiva vão sumir, sabe por quê?
— Se eu soubesse, não estaria falando com você — respondeu Thadeu.
— A raiva… a dor, essa sensação horrível que você sente quando perde alguém que ama só pode ser curado pela vingança. A ordem da serpente irá te dar todo material para se tornar um atirador de elite e, como prêmio, você terá a cabeça do homem que matou sua família numa bandeja!
— Você promete que vai me transformar nisso? — disse o menino com uma voz mais calma, como se tivesse encontrado uma solução para seu problema nas palavras do homem cego.
— Juro pelos cabelos de Sýnpam que você se tornará o próximo atirador de elite!
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