O frescor do litoral contagiava o entorno, dado que o vento forte batia no oceano levando o sossego daquele dia tão doce para aquele casal apaixonado. Aiyra, não conseguia conter sua euforia nas pernas, batendo nas coxas e assobiando para distrair, enquanto isso, Gabriel segurava a mão oposta da sua namorada.
“Certas vezes me questiono sobre a sorte. Será que existe alguma possiblidade de encontrar o pote de ouro sem cruzar o arco-íris? E nesse levantamento, qual seria a chance de eu conseguir segurar a mão dela? Talvez a sorte realmente seja aleatória e caia para os não merecedores...”
Logo em seguida a sua reflexão, Gabriel observou a fila adiante e percebeu que faltava apenas um casal de pais junto da filha e uma dupla de amigas para finalmente entrarem na roda gigante. Vislumbrava essa imagem do litoral de Nova Hamburgo desde quando saiu de Jardim dos Desejos mais cedo, até porque, ouvia histórias de casais de Sagitta que reforçavam seu idealismo e agora, tinha a possiblidade de cravar seus nomes naquele monte de aço.
— Próximo!
Após esse chamado, o casal, tomado pela empolgação adentrou na cabine.
— De onde saiu a ideia de vir logo aqui?
— Experiencia, ué. Já rodei por toda Nova Hamburgo quando mais novo.
— Hm...
“Família importante é uma coisa, né?”
Particularmente, todas as vezes que Aiyra embarcava nessas aventuras do seu namorado, consequentemente ela conhecia uma nova parcela do país, já que se fosse por ela... não sairia de sua residência por um bom tempo. Ou seja, aquele jovem loiro ocasionava, de forma inconsciente, uma revolução na rotina de sua amada.
— Mas, é claro que estar aqui contigo ressignifica tudo.
— Em que sentido?
— Da mesma forma que uma bela flor sem aroma fica como uma lembrança vazia. A beleza dessas paisagens sem você, não me chama atenção. — Não conseguia esconder sua paixão aproximando aquele rostinho encantado, roçando os lábios como um príncipe real.
Chapada de paixão, Aiyra se rende a seus impulsos e salta no colo dele, entrelaçando os braços nele.
— Então, você não precisa dela. Olhe só pra mim. — Sussurrando, a faísca provocada por ela veio como um ponto de ignição para a série de amassos que se desencadeia entre aquele casal. Na pausa dos beijos, Gabriel obliterou a visão esplendorosa das cores do entardecer que se assemelhavam a um caleidoscópio para ser dominado pela vastidão esmeralda dos olhos da sua namorada que estava ofegante. Assim, deixando seus pensamentos intrusivos darem largada numa declaração ainda mais intima do que mais cedo.
— Eu quero ter uma família com você.
— Ah?! — O gemido de surpresa escapa.
— A sensação que eu tenho quando estou contigo é que Sândalo abriu uma exceção em todo sofrimento da minha vida e aproveitou dessa brecha para me entregar um presente. Este que nunca irei abdicar por motivo algum.
“Já que a sorte sorriu pra mim. Tenho que ser grato.”
Aiyra continuava em inércia, tentando conter as lágrimas que juntavam como uma fonte que acabou de ligar, com o líquido ainda juntando pelo decorrer do prato, prestes a cair pelas laterais dado que estava para transbordar. Apenas faltava um incentivo.
— Sei que sou um ninguém em comparação a sua pureza...
— Não fala isso! — Erguendo as mãos até segurar as bochechas dele, deixando-o surpreso fazendo beicinho. — Você é tudo pra mim, Gabriel. Dedicarei minha vida a fazer você feliz, custe o que custar.
A resposta dele acaba sendo semelhante a anterior: se perdendo na paixão e certificando que o amor iria envolvê-los como uma benção de Sândalo. Agindo por impulso com um beijo tão único que continuariam naquele transe até completarem a volta.
(...)
Tempo Atual.
Presa nessa lembrança, Aiyra acorda de seu cochilo no sofá e dá uma olhada no seu celular que exibe o horário das 17:46. Não obstante, ela decide desligar a tela e uma torrente melancolia predomina, já que aqueles dias nunca mais voltariam...
“Ele está demorando...”
A cada segundo que passava, parecia que a garota estava sendo pressionada no móvel como se estivesse presa por vinhas que a prendiam como parte de um cenário pôs- apocalíptico. O seu desejo era...
“Que ele chegue logo. Não aguento mais segurar essa dor no meu peito.”
(...)
Os gritos de agonia dos membros da reza de Naya que queimavam até a morte se elevam, tal como se tivesse um botão capaz de aumentar o som ambiente. A cabeça de Raimundo começa a doer numa intensidade que a região parecia estar atacada por golpes de uma barra de ferro.
Com sua visão turva, sua mente passou a sabotá-lo trocando o rosto do garoto agonizando no chão, cuspindo sangue para sua irmã mais nova naquela situação. Os lados tinham suas semelhanças, dado que conseguiu visualizar aquela imagem com clareza, entretanto, seu subconsciente ainda estava no início dessa contestação.
“Seu imbecil, imbecil, imbecil, imbecil, imbecil.”
Concentrava sua visão na consequência dos seus atos como um lembrete daquilo que ele tinha se tornado. Por alguns minutos, ele tinha superado fortemente o nível de insânia dos seus dezoito anos e também do que percebeu sua família fazendo. Talvez por filtrar o sangue da sua imaginação quando recebia os relatórios do seu pai. Até porque, o que não é palpável e distante tem o mínimo de impacto na vida das pessoas.
Então, Raimundo pisou em falso, perdendo o equilíbrio e vomitando no solo ao lado da vítima da sua retaliação. Aquela brecha da sua fragilidade em lidar com as consequências dos seus atos, levou a possibilidade das pessoas que chegavam aos montes no salão a conseguirem atacar aquele jovem.
— Droga!
Percebendo que não havia alternativa, Luiz utiliza toda sua estamina para girar naquela passarela até se aproximar da região onde aquela multidão estava surgindo, ou seja, o portão que ligava a entrada principal. Executando o salto com todo brio de um ser humano comum que não tivesse vestígios da graça de Saint-Katharos em si.
Então, aproveitou do subterfúgio da multidão para aliviar seu peso enquanto se estatelava em cima de algum desavisado movido pela fúria. Tinha que arrumar algum jeito de defender seu filho, porém, as pessoas que rondavam o desditoso escolhido pelo destino não deixam barato qualquer ataque.
Usando do seu poder de reação, o homem tenta resistir ao monte de empurrões que impossibilitam o seu avanço. Caso, as circunstâncias continuem avançando nessa direção, realmente vai se tornar impossível defender Raimundo.
— Raimundo!!! — Aquele grito partiu da alma como uma clamação de socorro, a visão do pai Buloke perdeu seu filho de vista, assim, ele decidiu usar de toda sua sagacidade e brutalidade para abater o máximo de inimigos possível, tentando se aproximar pelas laterais.
Em simultâneo a uma tentativa de abate a um inimigo atento que defendeu usando seu escudo de ferro, de repente, um feixe vermelho perpassa o centro daquela confusão, dispersando a multidão como um disparo de canhão.
“Mas o quê?”
Rápida como um guepardo e brutal como um rinoceronte, quem estica suas costas é a empregada usuária de Kusarigama, carregada pela fadiga com a respiração sussurrada.
A concentração dela é tamanha que puxa o garoto que estava atônito no chão e o coloca nas costas com a certeza que precisava correr. Porém, uma muralha alta se ergue na frente dela, vários Seguidores de Naya furiosos por ter seu ritual atrapalhado pela guerra santa, estão dividindo o espaço dela e a saída.
E por outro lado, não conseguia retrucar os ataques por conta do peso do jovem que ela tanto queria proteger. Seguia em tentativas de buscar brechas na direita e na esquerda...
Vashhhhh!
Apenas deu tempo de jogar o corpo pra trás, se desviando de uma lança que passava com um rastro de sangue que indicava o estrago que fez. Entretanto, não tinha tempo para pensar duas vezes no que acabou de acontecer, Layla aproveitou da surpresa da multidão para arrumar seu espaço para fugir.
— Atenção! Não deixem ela fugir! — Namba, o homem de cabelo preso, dono daquela arma arremessada se prontifica para imobilizar aquela massa a não perderem o foco daquilo que verdadeiramente importava naquele instante: parar a empregada e exterminar aquele garoto que provocou todo aquele caos.
Oposto a isso, Luiz usou sua voz e mobilidade para entrar em contato com sua funcionária que arrumava uma maneira de desviar dos ataques e arrumar um espaço naquela muvuca. Assim, ele abriu o espaço da fronteira entre eles com um forte chute no rosto de um homem musculoso de cabelo grisalho que tentou pará-lo.
— Layla!! Eu te cubro. Vamos correr!!
— Sim!
Com os fios ao vento, revelando um corte feio no rosto, a ruiva não tem tempo suficiente para pausar seu ritmo por conta dos monstros que estavam a alguns metros de alcançá-los como bestas enfurecidas com a justificativa do gatilho inútil das ações do jovem moreno da família Buloke. Olhando em retrospecto, talvez soasse como piada dizer que aquele ambiente caótico era o mesmo de quando tinha finalizado a reza de Naya. Tudo foi transformado por uma atitude imprudente.
— Vou informar o Arthur sobre nossa situação.
Jaqueta ao vento para acertar aqueles que o seguem, cegando-os, Luiz puxa um comunicador do bolso da calça, evitando um recuo desavisado para seus companheiros de equipe. Tinha que arrumar uma forma de contatar Arthur e Gabriel que o plano falhou e deixar sobre a responsabilidade deles as ações subsequentes.
(...)
O primeiro desafio foi superado pela velocidade nos punhos dos Huberi para desmaiar tanto o jovem loiro da força de defesa quanto a menina de cabelos vermelho, no qual, ambos portavam duas Karambits. O poder ofensivo era tamanho que estava evidente que aquela dupla era composta por amadores. Ou seja, eles estavam livres para avançar rumo a sala do líder daquela base.
— Agora, vamos em frente. — O comentário de Gabriel foi tão arrogante, que pisou na cabeça do menino antes de seguir caminhando até o portão.
Ao abrir o portão, o elemento surpresa foram as inúmeras chicotadas douradas que atacavam a dupla de pai e filho, no qual, precisaram do escudo protetor provindo da marca da vontade de Arthur para resistirem. Porém, o impacto era tanto que a resistência do escudo estava diminuindo.
“Não iremos conseguir ficar na defensiva por muito tempo...”
Evitando gastar o tempo que seu pai estava conseguindo em vão, Gabriel aciona a rigidez dos seus braços para golpear as linhas douradas que o rondavam num disparo de velocidade para acertá-lo de frente, usando seu salto como um impulso. Só que, o oponente ciente que o jovem Huberi atacava em proximidade, enrola o corpo dele utilizando as linhas douradas e aperta ele como uma criança pressionando seu brinquedo.
— Argh! Maldito! — Gabriel reclama.
— Ora, ora... Não basta vocês atrapalharem nossa reza, vocês arrumam um jeito de invadirem meus aposentos também. — A voz impostada, levemente sarcástica combina plenamente com cabelo grisalho e olhos azuis piscina que aparentam ser um pedaço do céu. Aquele era Imanuelo, tão ousado quanto um gato desafiando uma sucuri.
O levantamento seguiu até sua corda ser cortada pelas mãos de Arthur, que tentou resgatar seu filho, usando daquela proximidade como estratégia para abatê-lo, posicionando uma bomba para desmoronar o solo, logo ao lado dos pés do homem das cordas.
O clarão vem, posteriormente, a fumaça sobe impossibilitando a visualização dos elementos ao entorno. Desse modo, Gabriel e Arthur ficam de costas para o outro, atentos para qualquer movimento suspeito que venha naquela situação.
— Cof! Cof! De onde tirou esse coelho da cartola?
— Lembra do nosso sótão, filho? Tem armas lá que nem sua mãe faz ideia.
— Ha! Então é por isso que eu não podia subir, né?
— Bem, agora que você sabe, lhe darei uma colher de chá...
Após a réplica de Arthur, sua cintura vibrou, indicando que havia alguém no comunicador. De imediato, um dos líderes daquela invasão atendeu a ligação tentando permanecer atento a qualquer surpresa.
— Na escuta.
— Arthur. Deu tudo errado. Pelo visto, eles adiantaram o ritual a partir do momento em que souberam que invadimos. — A voz no rádio indicava um fadiga da parte de Luiz. Ele estava correndo.
— Desgraçados astutos! Aprenderam com a última vez.
— O que rolou? — Gabriel questiona com uma curiosidade na fala.
— Nosso plano falhou, filho.
O jovem loiro levanta a sobrancelha e aperta o punho em frustração. Mais uma vez, os seguidores de Naya deram um passo antes deles de forma precavida.
“O que fazemos agora?”
Sua indagação é tão nebulosa quanto a sua perspectiva esperando aquela poeira abaixar.
— Eu decidi com a Layla que recuar acaba sendo nossa melhor opção por conta da larga vantagem numérica deles. Além do Raimundo ter entrado em estado de choque com uma situação meio delicada que não tenho tempo pra explicar.
A última aspa mexeu com o filho de Arthur tal como uma chacoalhada num bebê dormindo, sentiu um frio na espinha que levou sua cabeça raciocinar cenários hipotéticos que levariam seu amigo entrar em colapso. Relembrar daquela face desesperada quando seu companheiro o gritou na Paschoal Oslo trazia uma leitura que talvez fosse a mais próxima da realidade, “Ele realmente não poderia estar tão pronto em tão pouco tempo”.
Antes que chegassem numa conclusão mais precisa, Arthur repentinamente é atacado pelas cordas douradas sendo jogado contra a janela, explodindo o vidro e deixando com que ele caísse em queda livre. O intervalo entre essas ações foi tão imediato que chocou o jovem arrepiado até chegar ao ponto que teria que agir de qualquer forma, deixando seus pés irem antes dele.
— Pai!!
Não obstante, ele evita pensar nas consequências para saltar em queda livre, com objetivo de salvar o pai. Deixando o seu oponente, Imanuelo, que conseguiu utilizar suas cordas de última hora para se segurar naquele andar quando sofreu o impacto da explosão da bomba de mãos abanando, com sede de sangue.
— Ah, é? Fugir? Vocês dois me decepcionaram com essa atitude. — Limpou o seu colete social, em simultâneo a aproximação da janela quebrada, onde observou o luar que havia se revelado junto da noite. Era lua cheia. — Bem, hoje à noite está bonita demais para eu perder meu tempo num ato sem sentido. Façam o que quiserem...
Imanuelo decidiu dar as costas ao seu orgulho e encaminhou-se a frente da máquina de capuchino empoeirada, assim, lamentou com uma expressão melancólica:
— Desculpa bebezinha, não queria deixar esses hereges fazerem esse tipo de coisa contigo, porém, a vida dá dessas. — Passou o pano na sujeira com uma delicadeza tal como alguém fazendo carinho num gato. Mantendo a classe de uma figura que não corre atrás dos seus inimigos, pois deixam eles serem irresponsáveis o suficiente para encontrá-lo e decidirem morrer por ele. Respeitando o livre-arbítrio.

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