Os passos desesperados da dupla que fugia com Raimundo nas costas seguiam pelo largo corredor principal daquele esconderijo, com a adversidade persistindo até quase se tornar uma certeza de falha, o que deixava claro que a qualquer momento, eles estariam encurralados pelos seus oponentes.
Porém, os desígnios do destino mostraram para eles que não estavam só naquela situação exasperante, cruzando com o moço de costeletas, Johan ainda lidando com Hun numa batalha incansável entre aquelas figuras.
A maneira cujo Luiz manifestou sua surpresa com a duração daquele combate foi expressiva, abrindo uma expressão de susto e demorando alguns segundos para tomar alguma decisão. Mas, ao decidir seu rumo, Luiz pegou seu filho das costas de Layla, sussurrando uma ordem para ela, que tem mais poder ofensivo, surpreender o brutamontes com suas investidas.
— Aproveite as costas livres dele.
Num aceno discreto, Layla selou seu intento, então, avançou com ardor, rasgando as costas de Hun como se dançasse com as lâminas ferindo sua impossibilidade de proteger o jovem tão querido por ela. Pela brutalidade da empregada, todos se convenceram que a ameaça não iria persistir, deixando Luiz livre para anunciar sua presença em alto e bom tom:
— Mudança de planos, Johan!! A próxima ação do nosso plano é recuar! — A seriedade, no qual, o líder Buloke havia proclamado nem mexeu com o orgulho do Gilwell que deu sua anuência sem hesitar.
Sendo assim, a fuga que antes havia dois, somou-se três que juntos, assinaram sua participação numa corrida contra o tempo que progrediria velozmente, já que quanto mais tempo eles demorassem, mais pessoas chegariam na cola deles como ursos no fim do inverno. Luiz, prontamente, passou o filho para as costas de Layla, retomando a forma como estavam no início da fuga.
Então, eles estavam próximos a saída do local, onde os corpos da chacina ocasionada por Layla estavam amontoados de forma randômica no solo. A esperança estava dominando, entretanto, tal como um urso acordando faminto após a hibernação, Hun se ergueu do chão, seus olhos brilhando em fúria, provando que resistiu aos vários ataques da empregada. Movido pela vingança, ativando sua marca da vontade, ele disparou com uma velocidade e força de um meteoro cruzando a atmosfera, o objetivo era puxar o alvo para o solo usando a força gravitacional amplificada do seu ataque para encurralar a pessoa escolhida. Esse era o...
— Maior Impulsus!
Seu alvo era claro: aquela mulher ruiva com o garoto nas costas. Todavia, a prioridade para Layla era evitar que Raimundo fosse ferido, então, agarrou Johan com força pela gola da camisa e o arremessou contra o gigante, que o recebeu com uma força tamanha que ele mal teve tempo de terminar seu grito antes de ser silenciado pela morte brutal devido ao esmagamento de um meteoro.
Aproveitando o instante de choque de todos em volta que ficaram paralisados de susto quando viram aquele rastro vistoso, Layla apressou o passo, incentivando seu chefe de fazer o mesmo, dado que estava convencida que a vida de Johan fora um preço a ser pago para a sobrevivência do futuro líder Buloke. Com uma desculpa bem ensaiada, sabia que não havia alternativa e também não tinha mais como voltar atrás.
Com sucesso, eles aproveitam da situação para cruzar o buraco na parede que tinham criado na invasão mais cedo, finalmente conseguindo cumprir com sucesso a fuga da base, indo mata adentro para despistar seus oponentes que possivelmente o seguiriam com ódio pelo que foi feito ali.
— Covardes! Não irão...
— Desista, Hun. Não adianta avançar igual umas bestas. — Aquele tom de voz suave, deu um fio na espinha capaz de paralisar a extensão dos movimentos do homem, antes furioso. — Vamos nos reagrupar e pensar o contra-ataque de maneira estratégica.
“O Imanuelo fora da sala? Que milagre é esse?!”
Hun sabia que cada movimento premeditado por Imanuelo e Paulo tinham levado eles cada vez mais próximo ao objetivo final, sendo assim, pra quê se desgastar e se expor?
— Você tem razão.
Todos recuaram até o interior, deixando os destroços e corpos que estavam pelo entorno para os outros companheiros cuidarem. Sendo assim, o contra-ataque estava próximo de acontecer...
(...)
Cogitar a morte do seu pai por puro despreparo do mesmo era um martírio para Gabriel. Ele, então, se dobrou em posição fetal, como se estivesse mergulhando no ar, permitindo uma velocidade suficiente para pegar Arthur no colo, endurecendo suas pernas, aterrissando com tranquilidade. Logo em seguida, saltou inúmeras vezes até alcançar uma posição segura na floresta, longe daquele epicentro do caos, aproveitando aquela brecha.
Um tempo depois, num lugar com maior mansidão...
— Pai. Tá tudo bem?
— Argh... Me põe no chão, filho.
Subsequente a reerguida, Arthur não perde tempo e aperta o comunicador para informar a atual situação para Luiz.
— Luiz, na escuta?
— Arthur! O que tinha acontecido que você não respondeu mais?
— Ah, foram problemas com os Seguidores de Naya, você sabe, uma complicação tamanha para conseguir recuar no meio da batalha.
— Entendi...
Enquanto o pai conversava, como de costume, Gabriel decidiu pegar o celular para checar algumas mensagens. Porém, assim que a tela o iluminou, congelou. Havia recebido uma mensagem de Aiyra que terminava com a afirmação que eles precisavam conversar. Seu estômago se revirou, o peito martelava e as mãos suavam. Se fosse para repetir os mesmos erros de antes, suas palavras seriam vazias, deixadas ao vento de forma mentirosa, como antes. Ele precisava tomar uma atitude de alguém que realmente a amava.
Assim, ele pulou alto, alcançando os galhos até seguir em direção ao seu destino, pouco se importando com seu pai ou os compromissos. O assunto poderia ser uma bobagem, não importava, tinha que comparecer dessa vez e mostrar o brilho do sol da esperança no seu sorriso.
“Estou chegando, meu amor. Dessa vez, estarei presente ao seu chamado. Veremos os fogos de artifícios do Festival de Katharos juntos. Independente de qual seja o assunto, que seja uma besteira ou algo sério, prometi que estaria por você agora e espero chegar a tempo de te encontrar!”
(...)
No decorrer, Arthur continuou se informando da situação com Luiz, tentando evitar o choro pelo leite derramado, dado que falharam, porém, tinham que seguir em frente.
— Leve o Raimundo até nosso ponto de encontro, eu e o Gabriel estaremos a caminho...
Quando se voltou para onde Gabriel deveria estar, apenas o silêncio aguardava-o. Apesar de tudo, nenhum som ou sinal de movimento partiu do desaparecido.
“Onde será que ele foi assim do nada?”
— Oxi, foi atacado de novo? Mas ele não estava na floresta? — A preocupação perpassou pelas palavras do Buloke. — Arthur. Arthur. Arthur. Ou, Arthur!
— O Gabriel sumiu.
(...)
A penumbra já não estava mais imperando, assim, a escuridão da noite chegava com certa mansidão, o caminho até ali estava cercado de pessoas caminhando em oposição ao jovem Huberi. A verdade é que, naquele horário, já havia começado o Festival de Katharos. Festa típica, onde normalmente as famílias curtiam comendo e bebendo diversas gostosuras passeando pelas barracas e os casais buscavam seu par para dançar e observar os fogos de artifícios ao final do evento, no horário onde Katharos havia nascido.
“Ela provavelmente vai querer comentar alguma coisa sobre os amigos dela ou quem sabe me apresentá-los no Festival. Caso for isso, arrumo um jeito de passar em casa, tomar um banho, vestir uma boa roupa e partir pra lá. Não dá pra sair desse jeito, com os vestígios da batalha.”
À frente da casa, Gabriel limpa a roupa, então pisa no jardim se ajeitando com passos rápidos até a porta da casa. Então, toca a campainha, mantendo a ansiedade entalada no peito até ser correspondido por aquela porta abrindo. Aiyra estava deslumbrante, penteando o cabelo pós banho, usando um tomara que caia cropped verde, uma camisa roxa com linhas verdes nas bordas assim como sua saia curta com fenda.
O estimulo imediato desse visual em Gabriel foi sua boca abrindo instantaneamente com doçura, diminuindo o volume até chegar no tom que sempre usava de forma inconsciente com sua namorada.
— Oi, meu amor.
— Olá. — Aiyra dá um sorriso ameno, abrindo a porta olhando pra baixo, dando as costas para seu amado. — Pode ir entrando.
A atmosfera do interior da casa contrastava com a animação das ruas, tudo estava um breu, apenas a luz da cozinha iluminava o primeiro andar, a queridinha dos Nadiu subiu as escadas sutilmente, induzindo o jovem loiro de seguir seus passos para o andar de cima, o quarto dela onde também estava iluminado.
De algum modo, o silêncio durante o caminho parecia os afogar num oceano de solidão, Gabriel não conseguia visualizar completamente a face de Aiyra e quando ela virou para ele, sentia um misto de frieza e melancolia no seu olhar. Seu coração disparava, o corpo tremia com uma premonição dolorosa do que sucederia, sentia que as próximas palavras de Aiyra seriam uma guilhotina prestes a decepar sua cabeça.
— Olha, Gabriel. Eu não pretendia te falar isso num dia tão feliz quanto esse, longe da minha intenção atrapalhar o clima do Festival e tudo mais, só que, verdadeiramente... não dá mais.
— Como assim?
— Eu pensei bastante sobre a gente, não foi fácil chegar numa conclusão já que você é muito importante pra mim. Tipo, você me ensinou sobre esse novo mundo que estou e tudo mais... Mas eu não consigo ver mais sentido.
— Sentido? Ah! Mas isso é normal. — A voz de Gabriel puxa um júbilo encenado. — Para jovens como nós, o futuro é como uma estrada no crepúsculo, tudo é nebuloso. Mas no que exatamente você não enxerga mais sentido? Nossos objetivos? Nossa forma de agir? Nossos encontros?
— Na gente.
— Ah? O que?! Está pensando em dar um tempo? O que está acontecendo contigo? Me fala. Podemos conversar como amigos sobre tudo. Tudo bem dá uma pausa na nossa história.
— Você não está me entendendo, caramba! — A súbita impaciência da morena brotou como um espinho numa rosa artificial. — Gabriel, eu não quero um tempo. Estou tentando terminar com você.
De repente, o pedúnculo falso ganhou sua veracidade e a mão de Gabriel começou a ganhar feridas que faziam o sangue escorrer, tal como suas lágrimas que desciam deixando a visão cada vez mais turva. Viver fora um pesar por aquele momento.
— Como assim, amor? Você não tinha me perdoado antes?
— Gabriel, eu tinha sido atacada, não fazia ideia no que pensar! Eu só... — Aiyra gritava, desesperada, com as pálpebras fechadas como se tentasse falar o que sentia sem observar a face triste de Gabriel.
— Você tinha sido atacada porque tinha inventado de sair sem mim!
A inconformidade tomou a forma de uma agressividade estranha do lado do Huberi, que esqueceu por alguns segundos que estava lidando com a pessoa que deu cor ao seu último ano e começou a observá-la como “dele”.
— Eu não nasci grudada com você! Eu posso existir sem você!
— Não!!!
A parede trincou levando gratuitamente um soco de Gabriel, que descontava sua ira e descontentamento próximo a Aiyra, quase acertando-a. Ele tremia compulsivamente, fechando o punho com força até sangrar, mostrando o desespero e descontrole perante as afirmações dela. Sua voz rasgada e autoritária lembrava seu pai quando o espancava na infância. Ele estava assustador.
— Uf...
“Socorro! Alguém, por favor, ME TIRA DAQUI!”
Aiyra desejou ao vento, perdendo as forças nas juntas, desabando de medo do que seu namorado tinha acabado de fazer. Neste um ano de relacionamento, nunca viu Gabriel agir dessa maneira, apesar de escutar por diversas vezes que ele participava de batalhas. Mesmo assim, nada daquele cenário foi carregado até ela. Então, pela primeira vez, sentiu medo dele.
— Me desculpa, desculpa, desculpa. — Ele agarrou Aiyra, evitando que ela caísse, tentando juntar os pedaços do vaso de vidro que tinha acabado de rachar. — Eu não vou errar mais, naquele dia eu falhei, eu sei. Mas, eu quero ter outra chance! Eu apareci, não é? Eu apareci, cacete!
Progressivamente suas desculpas voltaram a ganhar hostilidade e não tinha notado que estava machucando ela com um abraço tão forte que estava sufocando-a.
— Me... me...
— Eu não aceito perder você depois de mudar! Eu não mereço isso!
— Me larga!!! — Revestida por um brilho cegante da energia natural das suas pulseiras, Aiyra se livrou das garras de Gabriel. Dentro de si, ela liberava uma força que havia mantido oculta, dado que agora, não precisava ser mais um pilar para o loiro, sim, um pilar para sua própria jornada. Encarando seu passado.
— Argh!
— Gabriel, você quer saber? Dane-se! Eu estou cansada de ser um encosto pra você, menino mimado de merda! Me sinto presa, sabia?! Não queria ser insensível com quem achava que você era, mas não me importo mais! Você é uma pedra no meu sapato! Me deixa!!
O rosto de Gabriel endureceu, ele limpou as lágrimas com as costas do punho e assumiu o lado autoritário que tinha deixado de lado. Ele perdeu a noção do que poderia acontecer, se concentrou apenas na vontade de punir Aiyra, revidando o desprezo que ela lhe concebia no olhar. Para ele, pouco importava se ela era uma dama. Ela havia ferido sua masculinidade, e isso era o suficiente para atacá-la.
Ele armou sua base, até que...
— Eu não aceito que a Aiyra fique presa! Não mais!
Aquela voz heroica revelou sua presença, porém, não evitou que Raissa desferisse um chute na cabeça de Gabriel, de forma heroica, fazendo com que o homem perdesse a base e fosse jogado na outra extremidade do quarto.
— Raissa! — Aiyra não havia percebido que o selo deixado pela amiga havia sido quebrado quando Gabriel tinha socado a parede. Sendo assim, a surpresa foi grande, porém, não havia tempo para reencontros felizes. — Cuidado!
O Huberi se lançou com uma cabeçada, revidando Raissa com brutalidade, quebrando a parede que separava o quarto do corredor, arremessando ela de costas a passagem. Entretanto, no meio da fumaça dos destroços surge um azul neon junto de uma energia de um caleidoscópio que cercava a menina arrojada, pairando sobre o solo enquanto retornava para o quarto.
O motivo que deixava Gabriel e Aiyra estupefatos era o mesmo, sendo assim, refletiram simultaneamente.
“Ela despertou a Marca da Vontade dela?”

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