O vilarejo de Eldenbridge era pequeno, mas em tempos de festividades ganhava vida. Fin ainda se lembrava vividamente do dia em que os Cavaleiros Sagrados passaram pela passarela principal, suas armaduras brilhando sob o sol. Eles acenavam para as pessoas, sorriam e conversavam com os mais corajosos que se aproximavam.
Eles pareciam invencíveis, pensou Fin, ainda encantado com a memória. Cada placa de metal contava uma história, cada detalhe mostrava cuidado e maestria.
Naquele momento, ele decidiu: faria armaduras. Não apenas qualquer uma, mas as melhores armaduras que o mundo já viu.
Mas os anos passaram, e a realidade não foi gentil. Com o avanço da magia e das habilidades de mana, as armaduras se tornaram relíquias obsoletas. Pesadas demais para guerreiros ágeis e quase inúteis para os usuários de mana, que podiam criar barreiras ou desviar de ataques com suas habilidades. A forja de seu pai, antes cheia de vida, agora era um espaço vazio e empoeirado.
Fin suspirou enquanto batia em um pedaço de ferro mágico com o martelo. As faíscas voavam, mas sua motivação começava a desaparecer. Ele sabia que ninguém viria comprar aquilo.
O som da porta se abrindo o tirou de seus pensamentos. Clare entrou como uma brisa leve, mas com sua energia de sempre.
— Fin, de novo aqui? — ela disse, colocando as mãos na cintura. — Você não sai dessa forja nem por um minuto! Você viu a carta que Jhon nos mandou?
Fin arregalou os olhos e coçou a nuca com o martelo na mão, o que fez Clare se afastar rapidamente.
— Ops... qual carta mesmo?
— Ah, ótimo! — Clare suspirou, exasperada. — Ele nos mandou outra mensagem, e, como sempre, eu li primeiro porque você nunca presta atenção! Ele perguntou como você está e disse que a Academia está incrível. Mas, claro, você não leu porque está aqui falando com o ferro.
— Ei! — Fin protestou com um sorriso envergonhado. — Eu não estava só falando com o ferro, estava dando vida a algo incrível!
Clare revirou os olhos. — Você ainda está nessa de armaduras? Fin, ninguém usa essas coisas hoje em dia. São... antiquadas.
— Antiquadas? Clare, você não entende! — Ele levantou o martelo como se fosse um troféu. — Armaduras são incríveis! Elas são como raios presos em metal! Protegem, intimidam, e... são tão legais!
— Legais? — Clare cruzou os braços, tentando não rir. — Acho que só você pensa assim.
— Porque só eu vejo o futuro, Clare! Um dia, você vai me agradecer quando eu criar algo que mude o mundo.
Ela balançou a cabeça, mas sorriu. Apesar das ideias malucas de Fin, ela gostava do entusiasmo dele.
— Bom, já que estamos falando de sonhos impossíveis, vou te lembrar do meu. Lembra? Quero ser chef de cozinha, e o restaurante da Miranda vai ser apenas o começo!
Fin abriu um largo sorriso. — Isso não é impossível. Na verdade, você já é uma excelente cozinheira.
Clare corou levemente. — Ah, obrigada. Mas sério, Fin, você precisa fazer algo além de ficar aqui na forja. Leia a carta do Jhon. Pense na Academia. Quem sabe não tem algo lá pra você?
Fin olhou para Clare, para o ferro diante dele e depois para a carta em cima da bancada. Ele sabia que precisava fazer algo, mas no fundo ainda acreditava que suas armaduras poderiam mudar o mundo.
E, quem sabe, convencer alguém além de Clare de que elas eram tão fascinantes quanto ele achava.
Fin pegou a carta que Clare havia mencionado, reconhecendo imediatamente a caligrafia de Jhon. Ele abriu o envelope com um sorriso nostálgico e leu em voz alta, sabendo que Clare já havia lido.
— “Como vão as coisas aí? Como está a Clare? Cuida bem dela, hein...” — Fin fez uma pausa e olhou para Clare, sorrindo. — Ele ainda acha que você precisa ser cuidada, Clare. Hahaha!
— É porque ele sabe que você não dá conta nem de cuidar de si mesmo! — Clare respondeu, rindo.
Fin ignorou a provocação e continuou lendo:
— “Aqui eu continuo treinando duro. Depois que despertei meu poder único e vim para a Academia Longweakisle, tô dando tudo de mim. Espero que você esteja fazendo o mesmo. Jhon.”
Fin riu ao terminar. Ele conseguia imaginar a expressão séria de Jhon enquanto escrevia aquilo. Seu amigo sempre fora dedicado e determinado, desde os tempos em que brincavam juntos no campo atrás do vilarejo.
— Esse é o Jhon de sempre... tão sério e esforçado. Nem parece que era ele quem sempre esquecia o dever da escola!
Clare riu junto, mas então apontou para outro envelope que estava junto à carta.
— Essa é outra indicação da Academia. Jhon fez questão de mandar pra você. Acho que ele não vai desistir até te ver lá.
Fin pegou a segunda carta e suspirou. Já era a terceira vez que Jhon insistia no assunto. Ele sabia que a Academia era o lugar ideal para quem queria se tornar um Cavaleiro Mágico ou um Mago, mas também sabia que não tinha o que eles buscavam.
Com um pouco de mana e habilidades básicas, Fin era como qualquer outra pessoa no vilarejo. Poderes únicos, como o de Jhon, eram o verdadeiro ingresso para a Academia. Esses poderes diferenciavam as pessoas umas das outras, surgindo com base em suas características e personalidades.
Jhon, sempre tão focado e disciplinado, acabou despertando algo incrível... e eu? Eu nem sei o que seria o meu poder único. Talvez algo relacionado a ferraduras? Fin pensou, rindo para si mesmo.
Ele colocou a carta de lado.
— Clare, você sabe que a Academia não é pra mim. Eles querem pessoas que já despertaram um poder único, e eu só tenho habilidades básicas. Manipulação de mana, controle mágico... nada que me torne especial.
Clare abriu a boca para responder, mas foi interrompida por um grito vindo de fora da forja.
— Fiiiiin!
Era Miranda, chamando-o do restaurante.
— Vai lá antes que ela venha te buscar pela orelha! — Clare provocou, rindo.
— Tá bom, tá bom! Mas só porque não quero que ela pegue o martelo e jogue em mim de novo. — Fin respondeu, pegando sua camisa no canto da bancada antes de sair, ainda rindo.
Ele sabia que o que quer que Miranda quisesse dizer provavelmente seria importante. Mal sabia ele que aquele dia seria o começo de algo muito maior do que ele podia imaginar.
Fin atravessou o restaurante e foi até o balcão, onde Miranda o aguardava com as mãos na cintura, seus olhos lançando um olhar severo. Ele sabia que estava em apuros.
— Fin, já falamos sobre isso! Você sabia que tinha que trabalhar na hora combinada! O que você tá fazendo na forja antes do horário, hein? — Miranda gritou, seu tom firme, mas com uma pitada de exasperação.
Fin se encolheu, meio rindo de si mesmo, meio envergonhado.
— Desculpa, Miranda... Eu estava tentando terminar umas coisas na forja, sabe, dando uns marteladinhas aqui e ali... — Fin respondeu de forma cômica, fazendo gestos amplos com as mãos. — O ferro estava me chamando...
Clare, que o seguia, não pôde deixar de rir da cara de Fin.
— Vai ver que o ferro era mais importante que o restaurante, não é, Fin? — Clare zombou, provocando o amigo com um sorriso travesso.
Miranda respirou fundo, como se tentando manter a calma. Depois de alguns segundos, ela suspirou e apontou para uma folha de papel que estava sobre a bancada.
— Tudo bem, mas agora, ou você começa a fazer o seu trabalho aqui, ou vou começar a te usar como decoração na forja. Vou precisar de você para uma tarefa. Olha aqui.
Ela estendeu a lista e Fin a leu em voz alta:
— "Farinha de trigo, ovos, açúcar, mel, amêndoas, e... ah! Canela?!"
Fin olhou para Miranda, desconfiado.
— Mas... Miranda, esses ingredientes são difíceis de encontrar aqui. Farinha, ovos, açúcar... ok, mas mel e amêndoas? Nem se eu for à outra cidade... E a canela?! Estamos no fim do mundo, por que não podemos fazer uma receita com o que temos aqui?
Miranda deu de ombros, sem perder a compostura.
— Eu sei muito bem, Fin, e é por isso que você vai ter que fazer algo por mim. Quero que você vá até o Pico da Rocha Negra. Lá é onde podemos encontrar mel, amêndoas e alguns outros ingredientes que estamos em falta. Vai ser um bom trabalho pra você.
Fin franziu a testa, preocupado.
— Pico da Rocha Negra? Isso é... não é um lugar perigoso? Ouvi histórias sobre lobos selvagens e criaturas estranhas que moram por lá.
Miranda o olhou de lado, um leve sorriso aparecendo em seu rosto.
— Sim, é perigoso, mas você vai contar com a ajuda de um aventureiro.
Fin a olhou surpreso.
— Aventureiro? Você contratou um?
Miranda assentiu, ainda sorrindo.
— Sim. Eu contratei um aventureiro mágico Rank D para ajudar. Não vai ser muito caro, e ele vai ser seu guarda-costas. Ele estará aqui amanhã.
Clare, que estava ouvindo a conversa com atenção, ergueu a mão.
— Eu vou junto!
Fin a olhou, levantando uma sobrancelha.
— Ah não, você vai ficar aqui e me deixar em paz! Vai estar muito perigoso!
Clare cruzou os braços com um sorriso travesso.
— Eu vou com você, sim, e quem vai me impedir? Se vai ter um aventureiro, então estarei protegida, certo?
Fin respirou fundo, sabendo que não ia convencer Clare.
— Ok, ok... Você pode vir. Já que tem um aventureiro Rank D, não vejo problema em ter uma acompanhante. Vai ser como uma excursão escolar, só que mais perigosa.
Miranda riu, mas logo fez um gesto para que Fin se concentrasse.
— E como você sabe, Fin, contratar um aventureiro não é barato. Então, já que você está sendo tão generoso em me ajudar com a receita, vou pedir que divida a conta. Pode ser um bom aprendizado para você, saber o valor do trabalho de um aventureiro.
Fin balançou a cabeça, mas sabia que Miranda estava certa. A contratação de um aventureiro mágico não era algo barato, mas ele não tinha escolha.
— Tá bom, eu pago a parte. Mesmo não tendo muito, posso ajudar... e ainda vou arrumar umas moedas com a venda das armaduras um dia.
Clare riu baixinho.
— Esse é o Fin, sempre com a cabeça nas armaduras e no bolso vazio!
Fin deu uma risada nervosa, mas não se importou. Ele sabia que o que vinha pela frente seria mais complicado do que ele imaginava. O Pico da Rocha Negra, lobos selvagens e um aventureiro mágico... tudo isso estava prestes a se tornar real.
— Amanhã, então... vamos ver como será essa aventura.
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