Enquanto caminhavam pela trilha que levava ao Pico da Rocha Negra, Fin não conseguia parar quieto. Ele corria de um lado para o outro, pegando pedras, minerais e tudo que pudesse ajudar na forja, como se estivesse em um mercado de minerais. Seu entusiasmo era evidente, embora fosse cômico para quem observava.
— Esse garoto é incansável, não é? — comentou Roderick, sorrindo enquanto via Fin tentando carregar mais do que conseguia.
— Ele tem suas peculiaridades, — respondeu Clare, com um suspiro e um sorriso. — Mas no fundo, ele é bem dedicado.
Roderick observou Clare por um momento e perguntou:
— Você o conhece há muito tempo, não é? Deve ser interessante ver como ele se tornou esse... coletor de pedras.
— Desde que me lembro, sim. — Clare deu de ombros. — E ele sempre foi assim, todo cheio de energia e sonhos malucos.
Enquanto isso, Fin soltou um grito de vitória ao encontrar uma pedra de formato peculiar.
— Olhem isso! Esse aqui vai ser perfeito para um cabo de martelo! — disse ele, empolgado, antes de tropeçar e quase cair.
Clare revirou os olhos.
— Isso é o que eu aturo todos os dias, — disse ela, em tom sarcástico.
Roderick riu e voltou sua atenção para Clare.
— E você, Clare? Já pensou em se tornar uma aventureira mágica?
— Eu? Não mesmo. — Clare balançou a cabeça. — Não é meu estilo. Mas e você? Como é essa vida de aventureiro mágico? Deve ser incrível, não?
Roderick ficou pensativo por um momento, respondendo com sinceridade:
— É uma vida dura, cheia de perigos. Mas ao mesmo tempo, é recompensadora saber que você pode ajudar pessoas ou proteger algo importante. E isso só foi possível graças ao tempo que passei na academia.
Clare lançou um olhar para Fin, que continuava mexendo em pedras, e comentou com sarcasmo:
— Quem sabe alguém aqui deveria pensar nisso também.
Fin, como se tivesse sentido o ataque indireto, espirrou alto.
— Alguém falou de mim? — ele perguntou, confuso, enquanto olhava para os dois.
Antes que Clare pudesse responder, Roderick ergueu uma mão, pedindo silêncio.
— Esperem... — ele disse, franzindo a testa. — Ouvi algo...
Os três pararam, atentos. Roderick avançou alguns passos, observando os arbustos ao lado da trilha. O vento balançava as folhas suavemente, mas havia algo ali. Ele conseguia sentir.
— Fiquem aqui. Vou dar uma olhada. — disse Roderick, com a voz séria.
Enquanto ele inspecionava os arredores, Fin e Clare ficaram mais para trás. Fin olhou para Clare com um sorriso travesso.
— Ei, você acha que o Jhon está em um relacionamento? Ele sempre chamava atenção das garotas no vilarejo, lembra?
Clare levantou uma sobrancelha.
— Por que está me perguntando isso agora?
— Ah, sei lá. É que ele era todo pomposo com aquele cabelo lambido e óculos perfeitos. Aposto que já fisgou alguém por lá. — Fin começou a rir.
Clare riu, mas logo parou ao ouvir a próxima pergunta de Fin.
— E você? Gosta do Jhon?
Clare hesitou, mas antes que pudesse responder, um som rápido e agudo cortou o ar. Uma pequena silhueta surgiu dos arbustos, avançando em Clare.
— Cuidado! — gritou Fin.
Clare deu um grito ao ver a criatura saltar na sua direção. A adrenalina tomou conta enquanto Roderick se virava rapidamente, sacando sua espada para defender o grupo.
Fin sacou sua espada, mas seu movimento desajeitado foi tudo menos heroico. O coelho branco de olhos vermelhos, que avançava furiosamente, colidiu com a lâmina de Fin em vez de ser atingido por um golpe direto.
— Ah! — exclamou Fin ao ver o impacto inesperado.
O coelho bateu a cabeça com força na lateral da espada e caiu desmaiado no chão.
— Ufa, consegui! — disse Fin, tentando parecer confiante enquanto guardava a espada com pressa.
Clare correu até ele, claramente aliviada.
— Obrigada, Fin! Você foi incrível... mesmo que de um jeito estranho, — disse ela, com um sorriso que misturava gratidão e humor.
Roderick também relaxou a postura, guardando sua própria arma. Ele caminhou até o coelho branco, abaixando-se para examiná-lo.
— Um coelho branco... Eles não costumam atacar sozinhos. Só fazem isso quando estão em bando, — murmurou, franzindo o cenho.
— O que você está dizendo? — perguntou Clare, ainda recuperando o fôlego.
Roderick virou o pequeno corpo do coelho, revelando marcas profundas e ensanguentadas nas costelas, como se algo com garras fortes tivesse agarrado o animal com força.
— Essas marcas... — Roderick passou a mão pela barba, pensativo. — Foi atacado recentemente. E por algo muito maior e mais forte.
Clare franziu a testa, inquieta.
— Isso significa que tem algo mais perigoso por aqui?
Roderick assentiu, ainda analisando o coelho.
— Não só isso. Coelhos brancos geralmente ficam mansos quando estão sozinhos. Mas esse aqui estava tão agitado que tentou atacar. — Ele se levantou. — Tem algo errado por aqui.
Antes que pudessem aprofundar a conversa, Fin, aparentemente alheio à tensão crescente, apontou para algo próximo.
— Olhem! Ali estão os ingredientes que Miranda pediu! — disse ele, com entusiasmo, já se movendo para coletá-los.
Clare e Roderick trocaram olhares.
— Como é que ele consegue se distrair assim? — murmurou Clare.
Roderick deu uma leve risada.
— Bem, pelo menos ele tem prioridades... mesmo que sejam completamente fora de ordem.
— Fin! — Clare chamou, andando atrás dele. — Espere, não saia correndo assim sozinho!
Enquanto isso, Roderick se manteve em alerta, observando os arredores. A sensação de que algo estava os observando não desaparecia, e as marcas no coelho branco eram uma prova clara de que a floresta escondia perigos maiores do que eles esperavam.
Os três avançavam pela trilha de terra, cercados por árvores densas e o som distante de pássaros e outros animais. Clare carregava a bolsa com os dois ingredientes que já haviam encontrado, enquanto Fin caminhava à frente, ocasionalmente parando para olhar ao redor e procurar mais materiais.
— Ainda faltam alguns... — disse Fin, olhando o papel que Miranda havia lhe dado.
— Vamos achar, só não vá se perder, — respondeu Clare, carregada de sarcasmo.
— Eu? Me perder? Nunca! — retrucou Fin, inflando o peito com orgulho.
Logo à frente, a trilha começou a subir, levando a uma colina com o caminho marcado por rodas pesadas. À esquerda, os três avistaram algo que chamou sua atenção.
— Olhem isso! — Clare apontou, surpresa.
Uma carruagem luxuosa, claramente pertencente a alguém de grande importância, estava parcialmente escondida entre as árvores. Seu design ornamentado, com detalhes dourados e símbolos nobres, reluzia levemente sob a luz que atravessava as copas das árvores.
Os olhos de Fin se arregalaram. Ele puxou um caderno e rapidamente começou a rabiscar.
— O que está fazendo agora? — perguntou Clare, aproximando-se para espiar.
— Desenhando, claro! Olha só esses detalhes, Clare! Se uma carruagem pode ser tão incrível assim, imagine com armadura!
Quando Fin virou o caderno para mostrar seu desenho, Clare não conseguiu conter o riso.
— Isso... isso é o que você acha que uma carruagem vestindo armadura seria? — Clare apontava para o desenho, rindo tanto que segurava os lados da barriga.
A imaginação de Fin havia transformado a carruagem em algo que parecia mais uma criatura metálica, com placas de ferro cobrindo cada roda e até mesmo um elmo no topo.
— Isso é incrível, tá bom? Até carruagens podem usar armaduras. Agora, pare de rir! — disse Fin, com o rosto vermelho como um tomate enquanto guardava o caderno.
— Você não existe, — disse Clare, enxugando uma lágrima do canto do olho.
Enquanto isso, Roderick, que vinha seguindo os dois, observava o redor com seriedade.
— Vocês dois, andem logo. Estamos chegando no Pico da Rocha Negra. Não quero surpresas quando estivermos lá em cima, — disse ele, com um tom de advertência.
Subiram a trilha até alcançarem o topo, onde o cenário mudou drasticamente. Rochas negras e pontiagudas dominavam a paisagem, como se o local tivesse sido esculpido por uma força antiga e poderosa. A vegetação diminuía, dando lugar a uma terra escura e poeirenta.
— Finalmente chegamos, — disse Roderick, olhando ao redor.
— É mais assustador do que eu imaginei... — comentou Clare, abraçando a bolsa contra o peito.
Fin olhou para o horizonte, o entusiasmo crescendo novamente.
— Vamos logo achar o resto dos ingredientes e voltar. Isso aqui não parece muito acolhedor.
Roderick assentiu, mantendo a mão próxima à sua espada. O grupo começou a explorar o local, mas a sensação de que algo os observava continuava presente, como uma sombra invisível no canto dos olhos.
As gramíneas negras e árvores arroxeadas balançavam levemente ao vento, criando um cenário tão inquietante quanto o rugido que ecoou pelo ar. Roderick se colocou imediatamente em posição de combate, enquanto Fin, ainda em choque, tentava entender o que estava acontecendo.
— Urso-Fera Soldado... — murmurou Roderick. Seus olhos se estreitaram enquanto analisava a criatura. — Mas o que um monstro desse tipo está fazendo aqui?
O urso tinha quase três metros de altura, sua pelagem negra brilhava sob a luz difusa do lugar, e cicatrizes marcavam seu corpo, a mais notável cobrindo o olho direito. No entanto, o que mais chamava a atenção era a antena metálica que surgia de sua nuca, uma peça totalmente anômala naquele mundo.
O monstro caminhava de um lado para o outro, como se estivesse se ajustando, mas seus movimentos eram estranhos, quase mecânicos. Então, sem aviso, lançou-se em direção a Fin com um rugido avassalador.
— FIN, CUIDADO! — gritou Roderick, avançando com sua espada desembainhada.
O impacto do urso contra a lâmina de Roderick foi ensurdecedor, e o aventureiro quase perdeu o equilíbrio ao defender o golpe.
— Que força absurda... — pensou Roderick, rangendo os dentes enquanto lutava para manter a posição.
O impacto da colisão lançou Fin ao chão, e Clare, que estava mais atrás, foi arremessada contra uma rocha, perdendo a consciência.
— Clare! — gritou Fin, tentando se levantar, mas o mundo girava ao seu redor após o golpe.
Roderick pressionava a espada contra a pata do urso, mas sabia que estava em desvantagem. O rugido monstruoso ressoou novamente, ecoando pela área, enquanto o urso empurrava cada vez mais, quase esmagando Roderick.
— As histórias... não são mentiras... — disse Roderick entre os dentes. Seu olhar rápido avaliava Clare inconsciente e Fin ainda atordoado.
O urso recuou por um breve momento, apenas para se lançar novamente com ainda mais força.
— Fin! Pegue Clare e corra! — ordenou Roderick, sua voz carregada de urgência.
Mas Fin, ao olhar ao redor, percebeu que estava longe de Clare e que o impacto havia o empurrado para o lado oposto. Clare, vulnerável e imóvel, estava entre Roderick e o urso, o que significava que ele teria que passar pelo monstro para alcançá-la.
— Eu não posso deixá-la aqui! — disse Fin, sua voz tremendo enquanto tentava se levantar.
Roderick gritou algo, mas foi abafado pelo rugido do urso que avançava novamente. Com um golpe poderoso, a pata da fera colidiu contra a lâmina de Roderick, empurrando-o para trás e quase o fazendo cair.
— Esse monstro é diferente... tem algo errado com ele! — pensou Roderick, agora completamente focado na batalha, enquanto o urso continuava a pressioná-lo.
No chão, Fin apertava os punhos, observando o cenário caótico à sua frente. Ele sabia que correr não era uma opção, mas enfrentar aquela criatura parecia igualmente impossível. Seus olhos então caíram sobre sua espada no chão.
— Eu preciso fazer alguma coisa... — pensou Fin, engolindo seco enquanto se preparava para agir, apesar do medo que o paralisava.
O urso voltou a rugir, e seus movimentos se tornaram ainda mais agressivos, como se algo estivesse o controlando. Era agora ou nunca.
Fin rastejava pelo chão, ignorando a dor que irradiava de seus braços e pernas. Seus olhos estavam fixos em Clare, que permanecia inconsciente encostada na rocha onde havia sido arremessada.
— Por favor, esteja bem... — murmurou ele, aproximando-se para verificar sua pulsação. Sentiu o leve batimento em seus dedos e suspirou aliviado.
— Ela está viva... — pensou, enxugando o suor da testa enquanto olhava ao redor, ainda ofegante. A batalha de Roderick e o urso continuava intensa, mas a cada segundo parecia pender mais a favor da criatura.
Fin segurou Clare pelos ombros e a puxou com esforço para longe do conflito. Enquanto arrastava sua amiga para um lugar seguro, flashes de memórias passaram por sua mente. As palavras de Jhon ecoaram em seus pensamentos:
— "Cuide dela, Fin. Clare é forte, mas às vezes ela se coloca em perigo sem pensar."
Fin apertou os punhos ao deitar Clare em um local mais seguro. Virando-se para voltar à cena do combate, seu coração afundou.
Roderick, que até então mantinha-se de pé, tropeçou e caiu pesadamente ao chão, desacordado. A espada do aventureiro escorregou de suas mãos, caindo a poucos metros de distância.
— Não... — murmurou Fin, observando o urso de quase dois metros rugir vitoriosamente sobre o corpo de Roderick. A criatura abaixava-se lentamente, as garras afiadas prontas para dilacerar sua presa.
Fin sentiu algo ferver dentro de si. O medo ainda estava lá, mas a ideia de ficar parado enquanto seus amigos estavam em perigo era insuportável. Sem pensar, ele agarrou uma pedra do chão e a atirou com toda a força.
— Ei, sua pilha de pelos imunda! — gritou Fin, sua voz tremendo mas firme.
A pedra acertou a lateral da cabeça do urso, que parou subitamente e virou-se para o garoto. Seus olhos vermelhos brilhavam, cheios de fúria e selvageria.
— Droga, agora fiz besteira... — pensou Fin, engolindo em seco enquanto pegava sua espada do coldre.
O urso encarou Fin, soltando um rugido que fez o solo tremer. Fin levantou a espada com mãos trêmulas, os nós dos dedos brancos de tanto apertar o cabo.
O mundo parecia congelar ao redor dele. Ele sabia que não tinha chances contra uma criatura daquela magnitude, mas recuar não era uma opção.
— Se vou cair aqui, pelo menos vou lutar até o fim.
O urso avançou um passo em direção a Fin, que tentou manter a postura, apesar das pernas bambas.
— E agora? — pensou ele, enquanto o rugido da fera preenchia o ar.
A cena congelou. A batalha estava prestes a começar, e a pergunta pairava no ar: será que Fin, o ferreiro de um pequeno vilarejo, seria capaz de derrotar uma criatura tão monstruosa?
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