Sara entrou no quarto da irmã para pegar um absorvente, já que no seu sobrou apenas uma embalagem vazia. Sabendo que Alana não estava em casa, girou a maçaneta e entrou no cômodo sem demora. A poucos passos do banheiro acoplado ao quarto, deteve-se ao reparar em um pôster na parede, próximo à porta de vidro. Era o Juan “Mostarda”, de camiseta amarela e encharcada de suor, correndo sobre um gramado.
— Esse é novo — murmurou, lançando um olhar de relance para os outros pôsteres do aurano espalhados pelo cômodo. Havia também um Juan Mostar pintado por Alana, num quadro pendurado na parede oposta, sendo essa, curiosamente, a representação menos sexy do rapaz.
Era uma idolatria que Sara não conseguia entender, achava uma obsessão exagerada e até infantil. “É só uma fase”, dizia o seu pai, como se esperasse que Sara um dia também entrasse nela. Mesmo suas colegas vulgares se derretiam por algum ator, cantor ou outra celebridade qualquer, mas Sara não sentia o mesmo fascínio. Era como se uma parte dentro de si ainda não houvesse virado uma adolescente, pois era esperado que qualquer garota da sua idade morresse de amores ao menos por algum homem. Nunca que ela trocaria os pôsteres das auranas em seu quarto, as quais considerava elegantes e imponentes como gostaria de ser no futuro, por rapazes de rostinho bonito.
Mas Sara não estava ali para comparar sua sexualidade com a da irmã. Queria somente um absorvente, então caminhou até o banheiro e deslizou a porta de correr. Começou abrindo o armário atrás do espelho, depois vasculhou a prateleira de madeira na parede e, em seguida, as prateleiras de vidro abaixo da pia. Lá estava! Assim que pegou o pacote e tirou dois absorventes, seus olhos discerniram um objeto na prateleira inferior que definitivamente não era um produto higiênico.
— Caralho! — O palavrão escapou de sua boca, tão inapropriado quanto a revista que encontrara: “Corsex - para mulheres”.
Na capa da revista, Juan Mostar — só de sunga! — exibia um volume destacado que fez Sara piscar incrédula. Estava perplexa que a irmã tivesse posse de uma revista erótica. Alana claramente tinha ignorado a restrição etária de 18 anos. Aquela assanhada não aguentou esperar dois anos para ver seu ídolo seminu.
Era a primeira vez que Sara tocava nesse tipo de revista. A foto apelativa do Mostar lhe deixava meio desconfortável, mas não ao ponto de refrear sua curiosidade. Pequenas chamadas de texto na capa prometiam conteúdos picantes, e ela, sem pretender realmente ler a revista, sentiu o impulso de folhear as páginas, apenas para saber o que mais a Corsex oferecia além de imagens provocativas.
Sentou-se na tampa da privada e começou a virar as páginas. Encontrou relatos de leitoras compartilhando suas memórias românticas, bem como sonhos noturnos e fantasias que as excitavam; contos e histórias em quadrinho eróticas, escritas e desenhadas por mulheres; tutoriais de maquiagem para festas da Academia; anúncios de acessórios eróticos; além de textos sobre saúde feminina. Havia até uma resenha de um romance literário picante e, claro, várias fotos de homens seminus, em poses e cenários (supostamente) estimulantes. E ali estava a bunda de Juan Mostar, marcada pela sunga.
— Quer emprestada?
Sara soltou um gritinho e se levantou de imediato, quase derrubando a revista. Alana estava parada na entrada do banheiro, olhando-a com um sorriso travesso.
— Que? Ah, nã-não. Não. Eu só… — Sara gaguejou, tentando se recompor, enquanto o coração martelava em seu peito. Seu olhar intercalava entre o sorriso divertido da irmã e o corpo esbelto de Juan na página aberta. — Co-como conseguiu isso? Você não devia estar lendo essa revista.
— Por que? Não tem nada aí que eu não goste — justificou Alana. Sara encarou-a, insatisfeita com a resposta. — Ah, irmã, para com esse olhar de julgamento. Eu não fico lendo a Corsex escondida. Foi só essa edição, e você já sabe o porquê. Uma amiga da escola me emprestou; pegou da irmã dela.
Isso explicava a situação. Sara não tinha a ver com as fantasias de Alana, então deixou por isso mesmo.
— Tanto faz. Só não deixe isso à vista, tá? — disse a garota, estendendo a revista para devolvê-la. — Se o nosso pai ou a dona Helena encontrar isso, você está ferrada.
— Não vai querer? — perguntou Alana. — Se o Juan não faz o seu tipo, o que é muito estranho, tem uns outros caras bem gatos aí também.
Sara não respondeu, apenas empurrou a revista contra o peito da irmã, forçando a devolução. Pegou os dois absorventes e saiu do quarto sem dizer nada.
* * * * * *
Por culpa daquela maldita revista, Sara teve um sonho esquisito à noite. Estava em sua escola vulgar, cercada pelos seus colegas de sempre, quando um homem fidalgo aproximou-se do grupo para falar com a Paola. Ele fez à garota uma proposta absurda: participar de um ensaio fotográfico para a revista Corsex. Sara redarguiu depressa: “A Paola é de casta vulgar. Ela não pode estar numa revista fidalga. E ela só tem 16 anos.” Mas Bianca, a namorada da Paola, adorou a ideia e disse que, se a Sara quisesse, emprestaria a revista para ela.
Sara despertou subitamente à uma da manhã, aborrecida por aquilo ter atrapalhado o seu sono e criado um devaneio tão sem sentido. Sentiu a boca seca, então decidiu levantar da cama para buscar um copo d’água.
A casa estava mergulhada em sombras. Seus passos eram suaves enquanto caminhava pelo corredor em direção à escada. Mas, ao se aproximar da balaustrada, algo a fez parar. Um leve clique, o som inconfundível de uma porta se fechando lá embaixo. Devia ser seu pai chegando em casa, visto que ele não havia retornado quando ela fora deitar. Contudo, escutou sussurros. Seu coração acelerou ao perceber que havia pessoas dentro de casa, em plena madrugada.
Intrigada, Sara se escondeu no ponto onde a parede do corredor dava lugar à balaustrada e, em seguida, espiou o andar inferior. Seus olhos pescaram a silhueta de um rapaz pouco antes de ele desaparecer em um corredor. Tinha os cabelos escuros, sem mechas coloridas à vista. Um vulgar? Dentro de casa? Quem dessa casta seria idiota o bastante para assaltar a moradia de uma família fidalga? Era um crime sério e inafiançável. E seja quem fosse, não estava sozinho.
Outro barulho. Abriram mais uma porta e a fecharam em seguida. Sara reconheceu-a pelo rangido: a porta de acesso ao subterrâneo. Como eles haviam conseguido a chave? Aquela porta ficava sempre trancada, assim como a do salão de treinamento.
A adrenalina já pulsava forte quando ela correu até o quarto do pai. Chegando lá, não havia ninguém no cômodo. Se Camilo não se encontrava ali, estaria, por acaso, acompanhado dos visitantes? Se sim, por que os levaria para o salão subterrâneo? Aquele era um local exclusivo aos membros da família e fidalgos convidados. Mas Sara tinha certeza que havia visto um vulgar há pouco.
Não havia tempo para hesitação. Tomada pela urgência, Sara desceu as escadas e girou a maçaneta da porta de acesso ao andar inferior. Estava trancada.
— Merda.
Eles haviam passado a chave por dentro, e provavelmente fariam o mesmo com a porta do salão, tornando-os inacessíveis para ela. Isso, é claro, se não tivesse chaves reservas escondidas na gaveta da escrivaninha em seu quarto. Alana havia tirado uma cópia delas sem o pai saber, e Sara aproveitara para fazer o mesmo.
Após uma rápida viagem de ida e volta, Sara inseriu a chave na maçaneta e destrancou a porta. Com os sentidos em alerta, ela desceu os degraus furtivamente e continuou se movendo na ponta dos pés até alcançar a porta dupla do salão. Não ficou surpresa ao encontrá-la trancada também.
Aguardou alguns instantes, a fim de escutar vozes do outro lado, mas só captou o silêncio. Se não estavam ali, só poderiam estar… no porão. Mas esse era o único lugar da casa que seu pai definitivamente não mostraria a alguém de fora, ainda mais para um vulgar. Lá só havia os objetos de pintura de Alana, ferramentas, tralhas… e o espelho de Greine.
Uma pontada de pânico desnorteou seus pensamentos. E se Camilo não estivesse com eles? E se fossem policiais, obrigando seu pai a entregar o artefato? Não. Improvável. O que um vulgar estaria fazendo na polícia? Mas e se ele fosse uma testemunha? E se tivesse ouvido alguma conversa do seu pai a respeito do artefato?
Sara respirou fundo. Uma. Duas. Três vezes.
Com a mão firme, girou a chave e empurrou vagarosamente uma das faces da porta. Confirmou que não havia ninguém no salão. Em seguida, correu até a porta do porão, mas não entrou de imediato. Em vez disso, tentou escutar algum ruído ou voz vinda lá de dentro.
Seus olhos arregalaram ao identificar a voz do pai em meio a outras. Conseguiu discernir algumas palavras soltas: espelho, fugir, rastrear, cadeia, morto… A frase “vamos logo!” dita por alguém que não conhecia. Além de Camilo, devia haver duas ou três pessoas com ele. Mas por quê? Será que a polícia realmente tinha seu pai sob custódia?
Sara aguardou, as vozes do outro lado cessaram. Deviam ter passado para a ilha.
Enfim, ela abriu a porta, bem devagar, e constatou que não havia ninguém no porão-ateliê. O espelho de Greine, que deveria estar sob um pano e escondido atrás de um armário, estava descoberto, no centro do cômodo.
Com o coração martelando no peito, Sara pensou em sua próxima ação. Contanto que eles não houvessem tirado uma foto do artefato, ela poderia destruí-lo naquele instante. No entanto, isso deixaria seu pai preso no outro lado, sozinho com eles. Sua única alternativa era atravessar o espelho e libertá-lo.
— Certo. Eu consigo — disse para si, respirando fundo.
Apanhou uma marreta para usar como arma contra os fidalgos. Se fossem magos ou auranos, seria difícil enfrentá-los com isso, mas um ataque surpresa pelas costas poderia dar-lhe a vantagem necessária para ajudar Camilo a escapar.
Decidida, Sara deu passos nervosos em direção ao espelho.
Assim que atravessou para o outro lado, seu campo de visão foi quase inteiramente tomado pela palma de uma mão, que emitia um leve brilho amarelado. Seus olhos, então, ajustaram o foco para além da mão, discernindo o rosto daquele que a ameaçava.
Era Juan Mostar, a fantasia proibida de sua irmã.
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