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O Enforcado

Preocupações e Constrangimentos - Parte 1

Preocupações e Constrangimentos - Parte 1

Feb 09, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Mental Health Topics
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É de tarde. O sol, em sua intensidade máxima, derrama raios ardentes que queimam o asfalto e enchem o ar de um calor sufocante. As ruas fervilham de vida, carros passam apressados, trabalhadores caminham com passos firmes. Som de ferramentas, construções e o murmúrio constante das conversas preenchem o ambiente. Cada pessoa envolta em uma corrida particular, todos avançam em suas vidas, imersos em rotinas que exigem esforço e pressa.
Dentro de um quarto escuro, onde as cortinas pesadas bloqueiam o brilho do dia, um jovem dorme profundamente, alheio ao movimento que agita o mundo lá fora. O ar ali é parado, o silêncio contrasta com o turbilhão exterior, e o único som audível é o de sua respiração lenta e pesada. Sua cama está desarrumada, os lençóis amassados pelo peso de seu corpo que se entregou ao sono até tarde. Enquanto os outros seguem adiante, ele permanece imerso em seu sonho, flutuando em seu próprio tempo, distante da realidade que o chama, mas que ele escolhe ignorar até que possível. 
Júnior baba no travesseiro. - Ut sementem feceris, ita metes. Ut sementem feceris, ita metes. Ut sementem feceris, ita metes. – Repete em transe hipnopômpico .
Acorda lentamente. Uma intensa dor de cabeça, não se lembra de nada. Mais um dia que não poderá anotar seu sonho no diário. Puxa o celular enquanto volta para realidade, sempre quando acorda não tem nenhuma noção de que dia, mês ou ano esteja, não importa muito, todo dia é o mesmo e tudo se repete. Sua mãe não está na sala ou na cozinha, deve ter se trancado no quarto para privacidade ou está apagada pelo efeito do remédio.
Vê os vídeos que sua mãe o enviou, pessoas que se medicaram e fizeram terapia e melhoraram, sua mãe o sugere às vezes que busque terapia, Júnior se recusa. As pessoas mais sequeladas mentalmente que ele conheceu irão cursar psicologia, tem um profundo preconceito e rancor dos psicólogos, acha essa profissão uma grande bobagem, um pega-idiota. Como uma pessoa pode fazer terapia com pessoas tão fodidas mentalmente quanto ela? Não faz o menor sentido, é como pedir dicas de enriquecimento com mendigos.
Vai até o banheiro dar sua mijada da manhã. Vê seu reflexo, seu olho esquerdo está muito vermelho. Seu olho fica vermelho quando dorme pouco, mas dessa vez é absurdo. Está parecendo um drogado ou alguém que sofre de conjuntivite. Lembra do ano passado, todos o julgavam ser um drogado por isso. Ia para a escola com os olhos vermelhos de falta de sono e vontade de chorar.
Sua vó, a Maria, bate e chama na porta. Júnior não queria atende-la, a avó tem o costume de visita-los para os provocar e irritar, se sente no direito disso já que ajuda nas compras deles com o dinheiro. A mãe de Júnior, Luciana, nunca pode se desvencilhar do controle de sua próprio mãe, por mais que quisesse.
A Maria, apoiada na janela da cozinha com as mãos enrugadas, começa seu ritual diário de reclamações. Com os olhos semicerrados e a voz carregada de reprovação, ela murmura sobre a vizinhança, como se cada um fosse um personagem de uma novela mal escrita. 
- Aquele ali, da casa aqui da frente, aposto que anda metido em coisa errada! E a fulana, já viu como sai de casa toda hora quando o marido está fora trabalhando? Isso vai gerar um escândalo! - Espalha as fofocas, seu entretenimento diário, o tom indignado subindo a cada palavra.

Em um breve intervalo, ela se volta para Júnior, como se de repente lembrasse de sua filha. 
- E tua mãe, hein? Onde ela está agora? - Pergunta, já sabendo a resposta, mas buscando combustível para seu próximo ataque verbal. 
Júnior, sem tirar os olhos do celular de desconforto, responde com a mesma neutralidade de sempre. - Ela tá dormindo.
A resposta é como um estopim. A avó exala um suspiro exagerado, jogando as mãos ao ar em um gesto dramático. - Dormindo ainda? Isso é um absurdo! Uma mulher dessa idade, com uma casa pra cuidar e um filho para criar fica dormindo até tarde?! Que falta de juízo, meu Deus, que vergonha!
Ela balança a cabeça em sinal de reprovação. - Não sei mais o que fazer com vocês... Essa família só decai, ninguém mais se fala. Depois que eu morrer, cada um vai ir para um lado diferente. – Maria só não percebe que a família já morreu há muito tempo, só ela não notou. Todos já seguiram suas vidas e não se importam uns com os outros há muito tempo. 
Júnior se pergunta internamente se sequer teve algum dia que foram uma família de verdade, talvez tenha sido tudo uma forçação de barra. Quem segurava as pontas foi seu avô Celso, mas este já morreu há longos 8 anos.
Maria traz uma papelada de jornais de sua igreja. – Toma. Lê um pouco, trouxe para você.
Júnior acena que não, visivelmente incomodado. Ela põe sobre a mesa mesmo assim. Júnior usará as imagens destes papeis para recorte, já que nunca os lerá.
- Minha amiga da igreja perguntou de você outro dia, queria saber como você tá. Elas lembram de você quando era pequeninho. Quando você vai voltar a ir para a igreja comigo?
Júnior torce o rosto, mas disfarça. Tem que fingir. – Não sei... – Olha para os lados, constrangido.
Sua avó muda a tática, vai para um assunto completamente desconexo em seguida. - E como tão as namoradinhas, hein? - Ela pergunta de repente, com aquele tom ligeiro de curiosidade forçada, como se tivesse acabado de lembrar de algo muito importante. Seus olhos brilham com uma intenção disfarçada, e Júnior já sabe o que está por vir.
- Você viu as novas meninas aqui da rua? Podia pegar amizade com elas, são tão simpáticas! - Continua, inclinando-se levemente para frente, tentando fisgar a atenção dele. - Tem aquela moreninha loira, sempre fala comigo de tarde quando tá junta da mãe... bonita, viu? E muito simpática! Seria uma boa companhia para você.”
Júnior, mais desconfortável ainda, suspira. Não sabe o que responder. Se soubesse que o assunto viria a ser esse, teria preferido que ela continuasse fofocando sobre as pessoas da rua mesmo.
A avó não se dá por vencida. - E aquela sua antiga amiga, hein? Aquela antiga, que mora aqui em frente... Ela cresceu, está uma moça linda e gentil! Devia voltar a falar com ela, ela fica sozinha em casa e tem poucas amizades, quem sabe...? - Ela lança essas ideias com a mesma casualidade de quem oferece um bichinho de estimação numa feira. Empurra as amizades e namoricos como se fosse uma questão urgente e prática, algo que Júnior precisasse fazer logo, antes que perdesse a chance. 
Ele, no entanto, só balança a cabeça discretamente, tentando ignorar o impulso da avó de empurrá-lo para qualquer relacionamento ou conversa forçada, enquanto ela continua a murmurar.
Ele não consegue entender ao certo o que motiva essa insistência incansável dela em empurrar meninas para ele. Seria um desespero velado, uma tentativa de apagar sua imagem na vizinhança de "jovem depressivo que passa o dia recluso no quarto”? Ou talvez fosse algo mais benigno, uma tentativa desajeitada, porém genuína, de resgatá-lo da solidão?
Ele sente a tensão entre essas duas possibilidades, mas nenhuma delas lhe traz conforto. 
De um lado, ele percebe o incômodo nada novo da avó em se importar com o que os vizinhos pensam de sua família, seu jeito de sempre de querer aparentar sociabilidade e bem-estar para os outros. 
De outro, talvez houvesse uma preocupação sincera, um desejo de vê-lo feliz e junto de outra pessoa, mesmo que expressado de uma maneira que só o fazia se sentir ainda mais desconfortável do que se sente quando está só.
Essa confusão o mantém em silêncio, enquanto a avó continua falando. O que poderia ser uma tentativa de ajuda é apenas mais um momento ruim e incômodo em sua vida.
- E seu amigo? Ainda fala com ele? - A pergunta surge de repente, sem aviso, interrompendo o fluxo constante de reclamações e sugestões da avó. 
Júnior, pego de surpresa, demora segundos para responder. Ele sabe exatamente de quem ela está falando, mas as palavras não vêm com facilidade. Há um ano que não fala com ele, não por falta de vontade, mas porque, assim como muitas coisas em sua vida, a amizade se foi. Ele ergue os olhos da tela, mas não consegue sustentar o olhar da avó por muito tempo. – Falei com ele ano passado pelo celular. Há uns meses atrás encontrei seu antigo caderninho de desenhos na minha cama baú. - Responde, com um tom arrastado, como se a própria frase estivesse cheia de um peso que ele preferia evitar. Queria poder inventar uma desculpa para mudar de assunto, alguma história de como ele morreu baleado ou se mudou para outro país. Mas seria de um extremo mau gosto e uma péssima mentira.
A avó, no entanto, não se detém. – Por que não se falam mais com frequência? 
- Ele mudou de escola né, está em um lugar bem longe. Seguimos para lugares diferentes. – Júnior responde sinceramente.
- Era um bom menino, sempre aqui em casa... Por que não volta a falar com ele? Poderiam sair juntos, coisas de amigos. - Mais uma vez, ela tenta resgatar algo, uma conexão, uma amizade. 
Para Júnior, o assunto já é algo enterrado no passado e ele tem dificuldade com o passado, há uma enorme barreira que se criou entre ele e o mundo real.
- Ele seguiu sua vida, já tem seus amigos novos e suas pendências. - Júnior responde, tentando desviar o assunto com uma tentativa de humor, forçando um sorriso. 
A avó faz uma pausa, como se estivesse processando a resposta por um instante, mas logo solta um suspiro dramático, como se esse fosse o menor dos problemas. - Ah, besteira! Isso é coisa da sua cabeça! - Ela retruca, abanando a mão no ar como se varresse a desculpa de Júnior para longe.
- Vocês são amigos de longa data, isso não muda. Entregue o caderninho de volta para ele e voltem a conversar. - Ela insiste em algo bom que irá intervir na vida melancólica de Júnior, e ele, por outro lado, sente cada vez mais que não terá destino algum.
Júnior se cala, é inútil conversar com os outros.

Após a conversa, que mais parecia um interrogatório repleto de sugestões e empurrões, a avó finalmente se levanta da cadeira, ainda murmurando algo sobre como os jovens de hoje em dia são complicados. Ela ajeita o vestido, dá uma última olhada no relógio e, com uma sacudida exagerada, começa a caminhar em direção à porta. - Bom, vou indo... mas pensa no que eu disse, tá? Não fica só nesse quarto, Júnior, a vida tá acontecendo lá fora!
Ela então para e parece se lembrar de algo. Puxa do bolso um saco de sal e se aproxima de Júnior.
- O que foi?
Ela taca o sal na cara de Júnior sem nenhum aviso prévio. – Isso é para a corrente da minha igreja. – Maria é uma fanática religiosa que não se importa pouco com a vontade dos outros.
– Depois eu volto! Diz para sua mãe ir lá em casa, a gente mora na mesma rua e é pertinho.  Diz com uma pontada de ironia. Antes de descer a escada da casa, deixando um silêncio repentino.
Júnior solta um longo suspiro, sentindo a tensão se dissipar assim que fecha a porta. - Tchau. - A casa volta ao seu estado natural de quietude, e ele, sozinho, se afunda mais uma vez no próprio mundo.

NickLuska
Lucas Réver

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