Volta para casa nas Quintas se contorcendo e murmurando de vergonha, relembrando os constrangimentos que sofreu nas aulas das duas matérias.
A dor de existir é como um órgão com vida própria em sua vida, usa de todos os escapes para tentar apaga-la, mas ela não sai.
Por que teve que nascer? Por que logo aqui? Por que logo como ele? Júnior se pergunta, afundado em uma maré de pensamentos existenciais que o arrastam cada vez mais para dentro de si. Ele sente o peso dessas questões como um fardo invisível que carrega todos os dias. Por que tem que passar por tantas humilhações?
Enquanto está imerso nesse turbilhão de dúvidas, de repente, ele sente algo frio e úmido escorrer pela cabeça. Confuso, ele ergue os olhos para o céu apenas para perceber o que acaba de acontecer, um pombo, com pontaria exata e irônica do universo, acabou de cagar em sua cabeça.
Velhos bêbados riem com suas vozes roucas no bar próximo. O som das gargalhadas são altas. Júnior sente o calor subir ao rosto, uma mistura de vergonha e humilhação. Sem levantar a cabeça, Júnior apressa seus passos, tentando sair dali o mais rápido possível. Ele enfia as mãos nos bolsos, abaixa ainda mais o olhar, fixando-o no chão, como se o concreto pudesse oferecer algum esconderijo. Cada passo parece uma tentativa desesperada de desaparecer, de se distanciar do mundo ao redor que insiste em zombar de sua existência.
- Por que essas coisas só acontecem comigo? – Pensa em voz alta, rangendo os dentes de raiva.
Enquanto caminha, o som das risadas se afasta, porém, o incômodo fica.
Júnior volta para casa com a cabeça suja de cocô de pombo. Felizmente, não há ninguém de sua rua para testemunhar sua humilhação. Ele atravessa o portão com passos pesados, sentindo o desconforto daquela sujeira pegajosa.
Assim que sobe as escadas e entra em casa, sua mãe o vê.
Alarmada, pergunta. - O que aconteceu?
Ele só consegue responder com o óbvio. - Um pombo cagou na minha cabeça.
Sua mãe, ao invés de se chocar, solta um suspiro de alívio. - Ah, graças a Deus! Dizem que levar coco de pombo é sinal de boa sorte! - Ela diz isso com um sorriso meio divertido, como se estivesse oferecendo um consolo genuíno.
Júnior a encara incrédulo, sentindo uma onda de irritação borbulhar. - Boa sorte? Onde diabos levar cocô de pombo na cabeça pode ser considerado algo positivo?
Para ele, era apenas mais uma peça ridícula que o mundo havia pregado nele naquele dia.
- Que crença besta. - Murmura, a irritação crescendo. Em que tipo de realidade isso poderia ser visto como algo afortunado? A frase só reforça o sentimento de que a vida parecia estar rindo dele o tempo todo.
Enquanto sua mãe vai buscar uma toalha para ajudá-lo a se limpar, ele fica ali parado, perguntando se merece tal vida patética.
Naquela noite, como tantas outras, as lembranças ruins retornam sem aviso, invadindo a mente de Júnior com uma força implacável. Os momentos de humilhação, os traumas, seus sentimentos de inadequação — todos eles se misturam em uma corrente de pensamentos que ele tenta, em vão, ignorar. É sempre à noite que essas memórias se tornam mais fortes, como se a escuridão das madrugadas as alimentasse. Júnior se revira na cadeira, inquieto. Ele já conhece bem essa sensação, sabe que tentar enfrentá-la é inútil. Então, faz o que aprendeu com o tempo. Para apagar os pensamentos, deve apagar a si mesmo, de forma literal. Com os punhos cerrados, ele começa a se socar, golpes duros no próprio rosto, na cabeça, qualquer lugar que faça sua mente e corpo ficarem dormentes. A dor física é uma distração da psicológica. Crua, direta, e eficaz. O doloroso transe percorre seu corpo, as lembranças vão sendo empurradas novamente para um canto obscuro da sua mente, sufocadas pelo brutal entorpecimento de sua tortura própria. Enquanto os socos continuam, ele se sente, por um breve momento, livrado dos pensamentos.
Quando finalmente para, Júnior não sente mais nada além da agonia física de suas agressões, por enquanto, está anestesiado de seus pensamentos. O silêncio dentro de si o encharca, a única maneira de calar sua dor interna é causando a si uma dor ainda maior.
Se masturba agressivamente, já não sente prazer com isso há anos, só que precisa fazer para conseguir dormir. Sente o braço dormente e dor de cabeça pelos gemidos barulhentos no vídeo.
Marco Júnior é um adolescente prestes a concluir seus 18 anos que tenta seguir sua vida excêntrica e solitária, todavia, começa a ser perseguido por interrogatórios oníricos que revivem seu duro passado. Em uma jornada sombria de constragimentos, confrontos e uma busca pela esperança, ele descobre que seus demônios internos podem estar mais conectados ao passado do que ele imagina. Entre a árvore que apodrece e as ilusões da libertação, Marco mergulha em um labirinto de sonhos e traumas, onde cada passo revela mais sobre sua fragilidade e insanidade.
O quanto é possível esquecer o passado e seguir em frente?
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