Please note that Tapas no longer supports Internet Explorer.
We recommend upgrading to the latest Microsoft Edge, Google Chrome, or Firefox.
Home
Comics
Novels
Community
Mature
More
Help Discord Forums Newsfeed Contact Merch Shop
Publish
Home
Comics
Novels
Community
Mature
More
Help Discord Forums Newsfeed Contact Merch Shop
__anonymous__
__anonymous__
0
  • Publish
  • Ink shop
  • Redeem code
  • Settings
  • Log out

O Enforcado

O Terceiro Pesadelo - Parte 1

O Terceiro Pesadelo - Parte 1

Feb 09, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Mental Health Topics
  • •  Suicide and self-harm
Cancel Continue
Ele está novamente no maçante campo vasto e silencioso. A paisagem manchada, o sopro dos ventos que com sussurram coisas incompreensíveis. Levanta as mãos com agilidade, não aguenta mais sonhar a mesma coisa. Sabe do que vem pela frente. Consegue se controlar, o mesmo sonho lúcido. Olha para frente, a árvore está lá. As folhas que formam palavras parecem menores. O tronco está mais apodrecido, os galhos mais finos, Júnior não se surpreenderia se a árvore apenas despencasse em qualquer instante. Olha para o céu, como uma tela pintada por aquarela. O mesmo sonho, repetido pela terceira vez, que horrível. A entrada da árvore o suga para dentro. Ele não tem escolha que não seja aceitar.
Tudo escuro como da última e penúltima vez.
Ele se acostuma com a sala escura. Perambula procurando as poltronas, impaciente.
O cenário clareia. Consegue ver. 
As três poltronas estão ali. 
Os Dois também. Batem palmas. 
– Já está ficando tão independente! – O Homem brinca.
- Eles crescem tão rápido. – A Mulher segue a zombaria.
Júnior forma uma carranca com seu rosto. – Não quero papo furado.
- Olha, ele está bravinho! O que aconteceu? – O Homem o ironiza.
- Eu não aguento mais esses pesadelos, ter que reviver esses momentos de merda.
- Calma, garotão. Ainda vem muito mais pela frente. – Ele gesticula com a mão um sinal.
Um espelho de moldura folheada por ouro desce dos céus e fica sobre o chão naquele escuro quarto.
Júnior vê seu reflexo. Seu olho esquerdo torto para a esquerda e seu dedo do pé inflamado. Sente-se triste, evita o olhar para o espelho.
- Conte-nos mais sobre a escola antes da pandemia. – Eles ordenam.
Os Três estão na quadra vazia da escola onde Júnior estudou.
- Eu tinha algumas amizades por causa do meu melhor amigo, só que não dava valor para nenhum deles, não sabia a importância da amizade ou de qualquer outra coisa nessa época, eu tinha 11 anos. Mas já sentia o que vinha por aí.
- Como assim?
- Eu já me sentia um pouco deslocado, diferente. Eu era o excluído do grupo, às vezes tentavam se afastar de mim, eu quem insistia por lerdeza, não entendia os sinais. Todos, menos meu melhor amigo. Eu percebi uma coisa muito importante nesse sexto e sétimo ano.
- O que?
- Que eu nunca seria como eles, os outros. Eles tinham facilidade em arranjar amizades, namoros e apresentar trabalhos, eu tinha dificuldade até para ir falar com o professor entregar meu caderno para dar visto. Trabalhos para apresentar eram o fim do mundo. Eu nem sequer ia nas feiras, só fui em uma de ciências por causa que meu amigo avisou minha mãe pelo WhatsApp e ela me obrigou.
O Homem se apoia na poltrona, rindo. - Sempre foi a porra de um retardado, de um doente mental!
- Isso. E eu era absurdamente feio na pré-adolescência, do tipo que chegava a doer ao olhar, o que só piorava mais minha autoestima e confiança. As pessoas não poupavam comentários ou zoações em mim. – Júnior se arranha com suas unhas grandes, forma de camuflar a vergonha misturada com o ódio.
Um palhaço autômato brota da escuridão, rodopiando em volta de Júnior. – Amaldiçoado! Amaldiçoado! Amaldiçoado!
- Comecei a sentir uma depressão já nessa época. Cortava meus pulsos com tesoura e faca.
- E nunca perceberam? – A Mulher quem pergunta.
- Meus amigos? Sim, falaram para eu parar com isso.
- Falo da sua família.
- Não, sempre foram lerdos e ausentes, apesar de próximos, não percebiam absolutamente nada. 
Júnior coça a cabeça, tentando lembrar. - Exceto, talvez meu, pai. Uma vez na noite veio me visitar contra minha vontade, estava com ele nas escadas de casa e ele puxou meu braço, ficou encarando em silêncio, mas não disse nada.
- Ele viu as marcas?
- Estava bem escuro. Ele só ficou olhando sem dizer nada. Não sei se ele viu e não entendeu porque estava bêbado ou se ele ficou bravo porque eu tinha depilado os cabelos do meu braço com máquina.
Os Três veem a cena repetir. A cara do pai de Júnior, Marco, é hilária.
- Que cena digna de filme de humor negro! – O Homem não se aguenta.
- Ninguém nunca prestou atenção em mim... Sabe quem ia para minhas reuniões escolares depois que meu avô morreu?
- Quem?
- Ninguém. Ninguém mais foi, fingi não me importar.
O Homem gargalha, sentindo prazer na resposta.
Eles voltam para a escola. 
- Você sentia inveja ou rancor das pessoas da sua escolas que eram normais?
- Claro. Como não sentiria? Gostaria que esses desgraçados provassem do meu veneno.
- Como tudo acabou?
- Meu amigo estava tirando notas ruins na escola e sua mãe não estava gostando nada nada. A escola era bem precária, então ela pensou que seria melhor transferir ele para uma com boa educação, o que tá certo. Porém, apesar de eu não ter demonstrado para o amigo, estava com um pressentimento ruim, lembro que ele ficou meio mal também.
- Prossiga.
- Tudo começou a ficar estranho, não sei explicar, o ambiente. E então o ano acabou. Eu passei, mas dois amigos reprovaram, melhor amigo reprovou, parei de falar com um e outro se mudou. E então chegou 2020, estava indo para o oitavo ano, sem mais nenhum amigo, não havia mais ninguém. 
- Maravilha! – O Homem escuta, em êxtase.
- Nunca tinha percebido que quem fazia eu ter amigos era meu melhor amigo, percebi o quão excluído eu era da sociedade nesse momento. Fiquei um mês estudando, sem falar com ninguém. Completamente só. Cada dia era um inferno, só queria que tudo aquilo acabasse, não sabia o que fazer. Sabe o que aconteceu?
- O que? – O Homem pergunta, mesmo já sabendo a resposta.
- A pandemia do COVID19 em março. Uma semana após meu aniversário. Eu não precisaria mais ir para a escola, não precisaria mais sentir o desconforto e a isolação.
Os Três estão no quarto, vendo Júnior adolescente em seu computador.
- Como se sentiu?
- Sei o quão errado é, mas senti um enorme alívio, senti alegria ao ver que não precisaria mais sofrer na escola. Estava no meu quarto, tranquilo.
- Que ser humano horrível! – O Homem responde com alegria ao ver o lado ignorante e mau de Júnior.
- Pude focar nos desenhos e evoluí bastante. Nesse período até estava fazendo um jogo de RPG Maker, que só desisti depois porque percebi que quase ninguém jogaria. - Júnior força a memória. – Na pandemia senti uma ambição artística muito grande, gerada por um ressentimento com meu pai.
- Qual? Nos conte.
- Uma vez ele veio me visitar puto, porque não tinha respondido suas mensagens repetitivas e insignificantes. Quando falei para ele que estava ocupado desenhando e mostrei a ele meu desenho. Ele me respondeu com um “Você gasta seu tempo com isso?”, isso me trouxe um ódio motivador.
O Homem aplaude. – Hilário! Mas volta para o assunto da pandemia.
- As coisas estavam melhores que antes na pandemia, mas depois de um tempo comecei a sentir a solidão, lembrava dos tempos bons do sexto e sétimo todo dia e toda madrugada, sempre. Sentia que tudo só pioraria, e acredite, esse foi um dos meus únicos acertos.
Os Dois se acabam de rir.
O Homem questiona. - Se encontrava com o melhor amigo?
- Acabamos brigando por provocações e cortamos laços. As únicas pessoas com que falei durante todo essa fase foram meu pai, minha mãe e o amigo que reprovou pela internet. Apenas memes e mensagens breves. Apesar dos pesares, ainda estava confortável com a situação, meu medo era que o vírus acabasse e tudo aquilo voltasse, mas o vírus se alastrava cada vez mais.
Os dias passam. Os Três veem Júnior com seu olho vesgo e com o pé de molho em um balde de água.
- Agora sobre como tudo piorou. – O Homem pede, ansioso.
Júnior olha para si mesmo. Patético. – Comecei a ter problemas no olho. 
- Quem percebeu?
- Minha tia, enquanto voltávamos da podóloga, por causa do meu pé que inflamou. Minha relação com minha mãe nessa época já estava péssima, já quase não nos falávamos direito e ela nunca prestou atenção em mim.
- Você ficou vesgo?
- Fiquei. Além de tudo, fiquei vesgo. Às vezes quando deixo os olhos abertos por muito tempo ou estou nervoso, ele entorta totalmente para a esquerda, tornando minha cara ainda mais ridícula e feia do que já é. 
- Tentou buscar médicos?
- Não tem nenhuma na minha cidade, nem perto daqui. Só muito, muito longe. E eu provavelmente não teria o dinheiro para isso.
- Que azar. Como acha que começou?
- Eu tinha mania de tampar o olho esquerdo, como um pirata, quando saía de casa. A luz do sol era muito forte e machucava minha vista, daí comecei essa mania. Acho que, por isso, ele não se desenvolveu e meu olho começou a se entortar às vezes.
- Estrabismo?
- Sim. Exotropia, o tipo específico.
O Homem gargalha, aplaudindo. – E não teve origem?
- Adquiri todos os problemas da minha família materna e paterna. A vesguice e unha que cresce para dentro e fica inflamada de alguns membros da família paterna e a loucura e a depressão da materna. Só recebi a parte genética ruim de ambas as famílias.
- Puta merda. Você só se fode, hein? – Ele aperta a barriga com os dois braços de tanto rir.
- Sim. Eu me tornar vesgo foi o veredito, de que sempre serei um anormal, excluído. Não há cura, não há escapatória. Estava predestinado, pelas minhas raízes.
- Você consegue sentir quando fica vesgo ou só os outros percebem?
- Consigo sentir um olho levemente afrouxando, mas não é sempre que reparo.
Júnior da simulação, sonolento, abre um pornô.
Júnior observa a si mesmo. – Já era um viciado em pornografia um pouco antes disso, quando ainda estava na escola presencialmente, caso não visse, ficava agressivo. Só conseguia dormir e relaxar se assistisse esses vídeos e me masturbasse antes. Era a única vez do dia em que sentia algum prazer, alguma emoção positiva. Se tornou meu escape. Fazia várias vezes por dia, todo dia, sem nenhuma exceção.
O Homem acha hilária a confissão de Júnior e a cena que vê na simulação.
- Nunca tentou sair disso? – Ela pergunta.
- No passado? Várias vezes.  O máximo que consegui foram 25 dias. De resto, só conseguia parar por uma semana ou menos. Atualmente já desisti, não tenho mais motivos para lutar contra.
A Mulher se aproxima da simulação de Júnior adolescente, se diverte com a patética cena.
- É uma necessidade diária e obrigatória, preciso fazer isso para dormir ou me acalmar. Um vício. É aliviante, é o único momento do dia onde sinto um momentâneo prazer ou validação. – Júnior não sente vergonha e nem hesita ao falar sobre isso, é uma atividade natural para ele.
- Mas você tinha tarefas da escola nessa época, né?
- Sim, não fiz quase nada, apenas 8 semanas. Tiveram aulas online, mas entrei duas vezes apenas, não queria ver nenhum conhecido, me trazem as velhas más recordações.
- Sua mãe descobriu?
- Claro, mas só no último dia possível, no de entregar as folhas e cadernos. 
- Que maravilha! – O Homem se diverte.
- Ela ficou coberta de raiva, pagou para imprimir a porra toda que tinham mandado em pdf. Falou que mesmo se eu reprovasse, teria de fazer aquelas folhas, uma por uma. Faltou pouco tentar me abortar tardiamente.
- Que cena!
- A escola aumentou o prazo de entrega, porque quase ninguém tinha feito esses exercícios mesmo. Eu fiz diversas folhas e no fim fui entregar. Adivinha o que aconteceu?
- O que?
- Todos foram aprovados por causa da quarentena. Meu esforço apressado foi inútil.
- Maravilha! – O Homem aplaude.
- Mas foi útil para você aprender a matéria, não?
- Eu não lembro de nada dessas coisas. Foi em vão. De qualquer forma, não teria utilidade nenhuma para mim.
O Homem se sacode de tanto rir.

NickLuska
Lucas Réver

Creator

Comments (0)

See all
Add a comment

Recommendation for you

  • Invisible Boy

    Recommendation

    Invisible Boy

    LGBTQ+ 11.4k likes

  • Touch

    Recommendation

    Touch

    BL 15.5k likes

  • The Last Story

    Recommendation

    The Last Story

    GL 43 likes

  • What Makes a Monster

    Recommendation

    What Makes a Monster

    BL 75.3k likes

  • Secunda

    Recommendation

    Secunda

    Romance Fantasy 43.3k likes

  • Blood Moon

    Recommendation

    Blood Moon

    BL 47.6k likes

  • feeling lucky

    Feeling lucky

    Random series you may like

O Enforcado
O Enforcado

1 view0 subscribers

Marco Júnior é um adolescente prestes a concluir seus 18 anos que tenta seguir sua vida excêntrica e solitária, todavia, começa a ser perseguido por interrogatórios oníricos que revivem seu duro passado. Em uma jornada sombria de constragimentos, confrontos e uma busca pela esperança, ele descobre que seus demônios internos podem estar mais conectados ao passado do que ele imagina. Entre a árvore que apodrece e as ilusões da libertação, Marco mergulha em um labirinto de sonhos e traumas, onde cada passo revela mais sobre sua fragilidade e insanidade.
O quanto é possível esquecer o passado e seguir em frente?
Subscribe

20 episodes

O Terceiro Pesadelo - Parte 1

O Terceiro Pesadelo - Parte 1

0 views 0 likes 0 comments


Style
More
Like
List
Comment

Prev
Next

Full
Exit
0
0
Prev
Next