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O Enforcado

A Ilusão da Libertação - Parte 1

A Ilusão da Libertação - Parte 1

Feb 09, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Abuse - Physical and/or Emotional
  • •  Mental Health Topics
  • •  Suicide and self-harm
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Ele acorda cedo, exausto após um sonho que não lembra e o traz dor de cabeça. Se levanta, vai direto ao computador e senta na cadeira. Escreve seu último livro. As palavras fluem como um rio que finalmente encontra seu caminho para o mar, carregando consigo tudo o que foi e tudo o que sonhou ser. Termina seu último desenho, um traço final que encapsula a essência de seu ser, cada linha e cor refletindo uma parte sua que será eternamente imortalizada no papel. Depois, escreve sua despedida, uma carta para o mundo que deixa para trás, repleta de certeza e melancolia. E, por fim, termina esse memorial digital egocêntrico, um tributo à sua vazia vida, aos momentos que moldaram ela e às pessoas que cruzaram seu caminho, eternizadas em sua memória.
8 de março. O horário ainda é cedo, mas é tarde para ele. A manhã é calorosa, mas o sol é coberto pelas tortas nuvens cinzentas que se espalham pelo céu, o calor envolve o ambiente abafado com a atmosfera que parece suspensa, esperando por algo que ainda virá, diferente dele. Amanhã, completaria 18 anos, ou 216 meses, ou 939 semanas ou 6574 dias interruptos do ato da existência. 18 anos, a idade que carrega em si as mudanças. Irá mudar, mas não do jeito que se espera. Ele já sabe o que deve ser feito. 
Sua mãe está profundamente adormecida, envolta de sonhos que Júnior desconhece. A oportunidade é perfeita, como se fosse destinado a ocorrer dessa maneira, talvez realmente seja. Com cuidado e silêncio, se aproxima da bolsa dela, que repousa silenciosamente no guarda-roupas. Com dedos trêmulos abre o zíper e, em um gesto furtivo, rouba o dinheiro que encontra ali. Esse será seu penúltimo pecado. Calcula o valor das notas, é o suficiente para o que deve ser comprado. Após abrir a porta lentamente, garantindo que não a acordaria, segue seu caminho descendo a escadaria, para fora da casa. Seu coração acelera-se à medida que se distancia de casa, se despede. Ainda voltará para este terreno depois, mas apenas para o quintal.
O retardado, que nunca saiu de casa sozinho, se encaminha até a loja de materiais de construção. Ao cruzar a porta, é recebido pelo cheiro familiar de madeira e cimento, um aroma esquisito. Entra na loja com um sorriso distorcido, uma expressão que esforça para parecer ser amigável, mesmo que o que seu eu realmente sinta seja uma mistura de ansiedade e determinação. Cumprimenta o dono com um aceno gentil, tentando soar casual enquanto conversa brevemente sobre o tempo e as novidades da cidade. Começa a percorrer as prateleiras, olhando para os itens comuns e fazendo pequenas compras para disfarçar sua verdadeira intenção.
Entre a areia, os sacos de cimento e as ferramentas de jardinagem, está a única coisa que realmente deseja, a corda de sisal. Lembra da carta O Enforcado que recebeu no Tarot no final do ano passado, a imagem e o significado da carta batem exatamente com o que está prestes a acontecer. Pensa que talvez o superior realmente exista. 
Compra tudo com o dinheiro roubado, observando cada notinha sendo trocada pela ferramentas. O dono da loja, sempre prestativo, busca assunto com Júnior, talvez tentando preencher o silêncio da loja. Ele pergunta para que Júnior irá usar as ferramentas, e, em um impulso, ele responde que é para ajudar seu pai, que trabalha como pedreiro na construção.
- Serei um servente de pedreiro, só que sem receber o salário. Tô mais para escravo do que pra servente. – Júnior brinca enquanto mente, fazendo com que o dono da loja se distraia e não passe pela sua cabeça a ideia do que Júnior realmente irá fazer. 
O homem sorri, um sorriso que momentaneamente dissipa as sombras da loja. Júnior fica feliz em ter alegrado alguém pela última vez, mesmo que seja apenas com uma piada tão bobinha e simples. Essa breve conexão humana, ainda que efêmera, o faz sentir um pouco menos sozinho, como se, em meio à tempestade que se aproxima, ainda houvesse espaço para um momento de leveza. Espera que ele não descubra depois para o que ele usará seus produtos, e caso descubra, Júnior espera que o homem não se sinta mal ou culpado, ele não teve nada a ver com isso.
Volta para casa com a sacola pesada, sentindo o peso não apenas dos objetos que carrega, mas também das memórias que as paisagens evocam. Passa pelas ruas que tanto vagou durante sua vida, os caminho familiares, mas agora tão distante ao mesmo tempo. As lembranças se entrelaçam com o presente, como um fio de nostalgia que não pode evitar. 
Vê crianças que caminham juntas, rindo e brincando despreocupadas, e não pode deixar de pensar em como já foi uma delas, cheia de sonhos e esperanças, jamais imaginando as coisas que viriam a acontecer.
Avista jovens adultos e idosos, alguns com um sorriso no rosto, outros neutros focados em suas jornadas, cada um com suas histórias e experiências. Se pega refletindo sobre como poderia ter se tornado um deles. 
Tudo isso é tão nostálgico e doce, uma mistura de alegria e melancolia o envolve, se sente abraçando um cacto. 
É como um final de sitcom antigo, um seriado de péssima qualidade, mas que ainda nos faz sorrir por conta das memórias que carregamos. Essa sensação de saudade é calorosa, quase reconfortante, lembrando-se de que, mesmo nas piores tramas, sempre há um calor saudosista que sentimos por aquilo que foi, e talvez, por aquilo que poderia ter sido.
Mesmo desprovido de qualquer fé ou esperança até aqui, segue seu caminho pelas ruas até que uma vontade inesperada surge nele, abençoar e desejar sorte mentalmente para cada uma das pessoas que cruzam seu caminho e o atravessam, mesmo que elas não o conheçam ou sequer se importem. É como se quisesse, inconscientemente, fazer uma última boa ação, por mais tola que seja. Vê rostos apressados, pessoas imersas em seus próprios pensamentos, algumas que sorriem com a boca fechada, outras que apenas pelo olhar, expressam carregar um estrondoso peso. Com um simples olhar, tenta, como antes fazia em suas estúpidas tentativas de telecinese, enviar uma mensagem boa para eles. É uma maneira de tentar se conectar ao mundo pela última vez, de afirmar que, mesmo sabendo que não há mais esperança para si mesmo, ainda pode desejar o bem a eles, criando uma rede invisível de positiva união, mesmo que por um breve instante.
Enquanto atravessa a velha passarela, seus olhos se distraem, olha para baixo. Vê os pés de alguém que anda com pressa, pisando firmemente no chão. Então, ao olhar para cima, avista uma figura familiar que faz seu coração acelerar, é seu antigo melhor amigo dos tempos do fundamental, atravessando a passarela também. O tempo congela para Júnior, por um instante. O amigo olha para cima e um sorriso de canto de boca está em seu rosto, como se estivesse almejando os céus. Júnior o observa com um olhar sorridente e imparável, um misto de nostalgia e alegria inundando seu ser. Ele vê que Júnior o observa. Acena para Júnior, confuso, mas feliz. Ele não o reconhece, Júnior não liga, o que importa é que está aqui, diante dele, sentindo pura alegria ao vê-lo novamente, mesmo que por milésimos de segundo. Seus caminhos se cruzam e ele o atravessa, ameno, e neste breve encontro, Júnior pensa algo que jamais teria pensado antes. A vida é linda. Infelizmente, nunca poderá pessoalmente devolver a ele seu caderninho de desenhos que encontrou no baú de sua cama há meses. 
Chega novamente à rua da casa, o caminho familiar trazendo um misto de conforto e nostalgia. Assim que se aproxima, dá de cara com seu tio, que está saindo de casa segurando sua bicicleta. Ele para abruptamente ao o ver, uma expressão de surpresa estampada em seu rosto, como se Júnior fosse um espectro aparecendo do nada. Sua reação imediata revela uma desconfiança velada, o tio parece achar suspeito o fato de Júnior ter saído de casa sozinho pela primeira vez. Por um momento, sente uma pancada no estômago, imaginando o que ele deveria fazer caso o tio pedisse para ver o que há em sua sacola ou chamasse sua mãe. Felizmente, a grande sacola não é transparente, isso o dá um breve alívio.
Decide falar com o máximo de naturalidade que consegue que foi fazer compras porque sua mãe está doente, a primeira mentira que conseguiu pensar. O tio o observa por um instante, e, em seguida, responde sem nenhuma suspeita. 
Enquanto isso, seu interior anseia para que o tio vá embora logo antes que mais pessoas da rua apareçam ou que seu mãe acabe acordando.
Ele pousa a bicicleta na parede e vem em sua direção com um sorriso largo e braços abertos, está indo abraça-lo. Ele fica confuso e então percebe, o tio acha que seu aniversário é hoje. Júnior sente uma onda de constrangimento subindo por ele, como se o momento estivesse carregado de uma expectativa que não consegue corresponder. Avisa que seu aniversário é amanhã, o tio se surpreende, um olhar de confusão e constrangimento passando por seu rosto. Ele se desculpa, sua voz sincera, reconhecendo que confundiu o dia. Júnior diz que está tudo bem, tentando aliviar a situação, embora uma parte sua se sinta estranha em ter que explicar. Será que teria sido melhor ter aceitado o abraço e fingido que hoje é seu aniversário para que o tio não tivesse se sentido mal ou constrangido? Ele então o pergunta se terá bolo amanhã. Júnior não consegue evitar o sorrisão amarelado, uma expressão camuflada que, no fundo, carrega uma mistura de profunda tristeza. Responde que provavelmente sim, essa será sua última mentira. O tio pega a bicicleta novamente e vai embora, alegre. Se despede dizendo que vai capinar um lote. Júnior se despede também. 
Vê beleza no momento, nunca sabemos quando é a última despedida. A vida é um matadouro.
Se lembra do dia anterior ao qual seu avô morreu, a última vez que o viu, ele não se despediu. O avô estava sentando no sofá, observando atentamente o filme que se passava na televisão. Sua mãe estava obrigando Júnior a ir para sua casa, ele estava bravo e foi calado. Nunca saberia que essa seria a última vez que o veria.
A casa está silenciosa e livre. Sua mãe dorme em seu quarto, completamente alheia ao que se passa e seu tio foi trabalhar. Agora, está livre. Finalmente, livre. Sente uma onda de alívio percorrer seu corpo enquanto vai até ao quintal. Em um impulso, joga todos os itens inúteis da sacola que longe, como se tivesse se livrando de um fardo que não o pertence. Não precisa deles. As coisas caem ao chão, barulhentas e despretensiosas, como se também quisessem se libertar. Apenas segura a grossa corda de sisal. Nesse instante, respira fundo e deixa que a sensação de liberdade o envolva.

NickLuska
Lucas Réver

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