As grandes árvores ao seu redor se erguem majestosas, suas copas densas o cobrindo com a escuridão das sombras. A luz do sol se transforma em um emaranhado de raios que se filtram timidamente entre as folhas, criando um padrão de luz e sombra que balança no chão.
Com passos lentos e dramáticos ele carrega sua própria cruz, como seu pai com a moto roubada.
Se encaminha até a árvore que apodrece. “Cortar o mal pela raiz”, ele lembra do ditado de sua avó. Seus troncos, outrora robustos, exibem agora fissuras e manchas, lentamente morre. A aura de deterioração ao redor dela é ridícula, não consegue deixar de ver a conexão profunda que tenho com essa árvore, o símbolo vivo da genealogia e da própria vida, a sua própria vida. A salvação não vem para todos. “Nunca vivi, apenas existi”, lembra do que sua mãe o disse em um surto, há alguns anos.
Ao se aproximar, pode quase ouvir o sussurro do vento entre suas folhas secas, um lamento melancólico que ressoa com a tristeza da inevitabilidade do que está por vir. De repente, uma chuva suave começa a cair, uma inesperada reviravolta em um dia que até então parecia ensolarado, mesmo com o sol coberto. O calor do sol se une à frescura da chuva, um contraste que parece simbolizar a dualidade da vida. As gotas de água descem lentamente, formando pequenas poças no chão terroso do quintal, a sinfonia da chuva se mistura ao canto dos pássaros que fogem dela. O ar se enche de um aroma revigorante. A chuva o banha enquanto olha para os céus. “E se a vida melhorasse?”, chacoalha sua cabeça, não irá cair em tais falsas esperanças novamente, muito menos logo agora.
Se esqueceu da longa escada metálica. Vai até os fundos da casa de seu tio e lá a pega. Com as mãos tremendo levemente, ele volta. Encosta a escada na árvore e a abre toda, sobe os degraus, isso o lembra de um sonho recorrente que tinha na pré-adolescência. Subia uma longa escada que não parecia ter fim, em volta, apenas um vão preto como a via láctea. Ele amarra a corda sobre os galhos tortos da árvore podre, suas fibras ásperas roçando contra a madeira envelhecida. Os galhos resistem ao peso da corda de sisal, mesmo com toda sua deterioração.
- Não há mais volta. – Júnior sem querer pensa em voz alta, soltando um sussurro.
Forma o nó em seu pescoço.
- Adeus mãe. Adeus pai. Adeus aos conhecidos. Adeus a todos. - As sombras das árvores do quintal se intensificam, envolvendo o espaço ao seu redor em um absoluto preto, como o vão em seu sonho.
Por um instante, o mundo ao seu redor se silencia, só se ouve a batida de seu coração.
Ele põe um pé pra frente, fora da escada, e se joga.
A escada cai pro lado.
Sente a adrenalina percorrer suas veias e a corda o estrangular, um turbilhão de emoções e memórias que vão desde o medo até uma estranha sensação de liberdade. Tudo é rápido e lento ao mesmo tempo.
As imagens ao seu redor se tornam um borrão, como se o mundo estivesse se desfazendo, vê seu quintal se desfazer como uma aquarela de cores, algo familiar.
O peso na garganta, apertando, cortando o ar, e a sensação de desespero se instala.
O som da chuva ressurge, mas se transforma em um ruído distante, como se estivesse debaixo d'água, ou sufocado pela própria chuva.
A textura áspera da corda contra a pele, firme. As memórias vêm e vão, uma onda de momentos em instantes como uma overdose.
O coração bate descontroladamente, cada pulsação é um lembrete de que ainda está aí. O ar escasso, a visão se estreita, tudo escurecendo ao seu redor. O mundo segue, indiferente, enquanto ele luta contra a dor.
A corda aperta, e a árvore permanece impassível. O que é um último suspiro em comparação ao peso insuportável de tudo que ele viveu? Um desejo desesperado de escapar, mas uma parte ainda tem medo dessa dor.
Ele ouve o canto de um pássaro.
Vê a sombra de algo escuro que se espreita no quintal, parado, não parece humano.
Lembra do quadrinho que roteirizou e não conseguiu concluir. O que escreveu se repete na realidade. A vida imita a arte. “O único que aguarda é o mal. ” Talvez estivesse certo.
O amaldiçoado lembra do livro que leu, deverá escolher um único momento dentre os que viveu .
Por mais que tente, a insuportável dor o impede de lembrar qualquer bom momento que tenha tido, o nó que a corda faz em seu pescoço o lembra do que sentia o tempo inteiro no terrível ano retrasado.
Soa sangue como Cristo. A dor aumenta cada vez mais.
Está chegando ao limite, já nem enxerga mais nada.
Geme tentando respirar, seu rosto incha como se fosse explodir e sua garganta finalmente fecha.
Não pode aguentar mais.
Desmaia.
Morre. Só mais um entre os 800 mil .
Marco Júnior nunca saberá o que é ter o primeiro beijo e sentira mutualidade de um amor. Marco Júnior nunca saberá como andar de bicicleta, já que ninguém nunca o ensinou. Marco Júnior nunca viajará ou andará sozinho de ônibus. Marco Júnior nunca saberá o que é ter uma vida comum.
O maldito foi consumido pela desgraça e sofreria por sete tempos. Sua vida foi preenchida pela dor e rejeição, rancor em seus ornamentos. Seu último momento foi recordar aquela sala, e lá o amaldiçoado ficará, por todo o eterno sempre.
A mosca passeia pelo corpo sem vida.
De que vale que a morte deste patético garoto, se continuará a sofrer?
Marco Júnior é um adolescente prestes a concluir seus 18 anos que tenta seguir sua vida excêntrica e solitária, todavia, começa a ser perseguido por interrogatórios oníricos que revivem seu duro passado. Em uma jornada sombria de constragimentos, confrontos e uma busca pela esperança, ele descobre que seus demônios internos podem estar mais conectados ao passado do que ele imagina. Entre a árvore que apodrece e as ilusões da libertação, Marco mergulha em um labirinto de sonhos e traumas, onde cada passo revela mais sobre sua fragilidade e insanidade.
O quanto é possível esquecer o passado e seguir em frente?
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