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O Trilho do Trem (PT-BR)

Inferno Mental - Parte 1

Inferno Mental - Parte 1

Feb 25, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Drug or alcohol abuse
  • •  Mental Health Topics
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12 de Outubro de 2023, Segunda-Feira. 
Rua Cinco.
No duro começo de semana, a lua cheia derrama uma luz dourada e melancólica sobre as ruas decadentes e casas entijoladas de muro esfarelado pelo escuro cinza.
Eu que em costume diário que criei há exatos 10 meses, entrava para comprar meu cigarro e não pude evitar ouvir a conversa dos velhos, cujo gritos e risadas permeavam o ambiente e ecoavam mais que o pagode na caixa de som, que se diluía ao calor. Um lugar lotado, chiqueiro.
- As circunstâncias e o berço de uma pessoa a afeta para sempre. – Um velho bêbado com cabelo similar ao de Beethoven diz aos seus amigos em um bar, enquanto dá uma golada numa caneca de Brahma. Sua presença no bar parece onipresente, ninguém o vê um sequer dia fora desse bar, como uma figura folclórica daquele lugar.
- Isso pode levar uma pessoa a ter uma humildade pelo resto de sua vida, ou leva-la para o vitimismo. – Ele diz erguendo sua caneca. Exala sabedoria... ou maluquice, às vezes penso que são quase sinônimos.
Quando um deles começa um debate de como crimes feitos por pessoas com doenças mentais devem ser tratados, não interessado por este tema agora imposto, compro meu Marlboro Blue Ice  e embora do bar caminhando vou evitando a efervescência destas conversas. Não é um desperdício de fôlego e saliva discutir sobre algo não vai mudar? Reflito. 
Política, religião, a vida alheia, nossa opinião não interfere no mundo, é perda de saliva e ar. 
Chegando na esquina, abro o maço e pego um cigarro para acender com um isqueiro que tenho no bolso. O gosto me lembra dos copos de Whisky e Mojito  que eu costumava tomar com minha ex-namorada, Priscilla. Eu não gostava desse sabor na época, talvez não goste nem atualmente, mas o que me prende a esse cigarro são as memórias que me vêm à mente no momento em que o inalo.
Priscilla. Ela era tão dual, olhos que passavam serenidade, mas ao mesmo tempo brilhavam com uma intensidade intimidadora para mim. Tão inocente, mas ao mesmo tempo tão seduzente. 
As memórias vinham em flashes, fragmentadas e inesperadas, como as páginas de um livro velho que se abrem ao acaso. Ele se lembrava das tardes que passavam juntos, o sol a tingir seus cachos finos dourados enquanto ela lia em voz alta, a maneira como ela o provocava com frases afiadas, mas sempre com um brilho de carinho nos olhos. As discussões sobre nada e tudo, os silêncios que diziam mais do que qualquer palavra. Mas o que mais perseguia sua mente eram os momentos mais íntimos, os de fragilidade, aqueles em que Priscilla parecia se despir de todas as suas defesas. Ele recordava a maneira como ela o abraçava nas noites em que o mundo parecia pesado demais, a forma como suas mãos tremiam levemente enquanto se apoiava nele, quando ela já estava cansada de tentar ser forte. Nessas horas, ele a via em seu mais profundo ser, não apenas a mulher que ele ama, mas um ser humano, cheio de dúvidas, medos e fraquezas. Era nessas brechas, nesses momentos de vulnerabilidade, que ele sentia o amor mais profundo e verdadeiro. Agora, porém, tudo o que resta são as lembranças e uma saudade amarga que ele carrega no peito, como um fardo que não sabe como soltar e disfarça com o álcool e o cigarro. Ele se perguntava se algum dia as memórias de Priscilla deixariam de doer, se algum dia ele conseguiria pensar nela sem sentir o vazio doloroso que deixou sem saber. Mas, por mais que desejasse, ele sabia que certas pessoas marcam a alma de uma forma que nunca se apaga. Como uma maldição. Priscilla era uma dessas marcas, uma cicatriz que ele carregará para sempre, mesmo que o tempo tente suavizar, será em vão.
Por algum motivo, sua cabeça fazia um agoniante nó quando tentava lembrar do dia em que terminaram. Era como se a memória estivesse envolta em uma névoa densa, indisponível, e cada tentativa de tentar atravessá-la resultava em uma dor aguda, um aperto no peito que o fazia recuar. Não era só hoje... Sempre que tentava revisitar aquele momento, sua mente teimosa se fechava, se recusando a ceder. Ele se perguntava se era um mecanismo de defesa, uma tentativa desesperada de seu próprio ser de proteger o que restava de seu bem-estar emocional. Talvez, em algum canto obscuro de sua psique, estivesse escondido o que aconteceu naquele dia. As palavras ditas, os olhares evitados, o silêncio que pesava entre eles como uma sentença, algo assim. Em seu subconsciente havia decidido que a dor seria insuportável se ele encarasse essa lembrança diretamente, então a trancou, selando-a com cadeados que ele não sabia como abrir.
E assim vivo com o vazio dessa história incompleta, que sinto não resolvida, com a sombra de uma lembrança que não se permite formar completamente. É um mistério dentro de mim mesmo, uma parte de minha vida que sei que existe, mas não sei o que aconteceu. E enquanto isso, a ausência dessa memória me acompanha, sutilmente. 
Como fantasmas que permanecem nas sombras, onde são intocáveis, mas que nunca deixam de nos assombrar.
Uma orquestra da igreja próxima a mim começa a tocar. Para o desgosto da minha mãe, nunca fui um homem religioso ou convicto de tese alguma, não creio em nada, nem em mim mesmo. 
Não acredito no divino, mas sinto que a música vinda da igreja me julga. Me sinto desconfortável e vou embora. 

Passo pelas ruas sujas e mal cuidadas, onde o tempo parece ter se esquecido de se apresentar. Sinto que as calçadas irregulares e os muros descascados refletem a desordem que sinto por dentro. 
Não importa se as ruas estão vazias ou cheias. Quando estão vazias, o silêncio paira pesado ao ar. Se estão lotadas de pessoas, cada uma está imersa em sua própria pressa e indiferença por causa da vida. Em ambos os casos, a sensação é a mesma, a avassaladora solidão, que me envolve em um manto, me separando do resto do mundo.
As risadas, os passos apressados, as conversas murmuradas, tudo soa abafado, como se estivesse afundando no profundo oceano. Estou cercado por rostos que não reconheço, olhares que me olham, mas me atravessam, é irônico como podemos estar cercado por tantos e, ainda assim, se sentirmos tão sozinhos. É como se houvesse um vidro invisível entre mim e o mundo, como naquelas coreografias dos mímicos. Algo que me impede de verdadeiramente me conectar, de sentir que pertenço a algo.

Volto para minha casa de aluguel. A rua daqui é deserta como sempre.
Ao abrir a porta de ferro, sinto o vento entrar na casa, o som familiar da solidão. A casa é simples em tons neutros, a parede é pintada em branco. 
Na sala há o sofá que é tecido cinza-claro, já amassado pelo peso dos corpos que sentaram ali, a televisão modesta de tamanho médio imposta na parede, o chão branco com manchas cinzas, imagino que essa seja a textura do piso ou marcas antigas feitas pelo dono da casa enquanto ainda morava aqui. 
A cozinha tem uma mesa de jantar em madeira clara sem adornos, os armários brancos com puxadores de metal enferrujados, o fogão com suas bocas já marcadas pelo uso e o relógio que faz Tic-Tac.
O quarto tem paredes brancas e móveis de madeira clara, uma cama, coberta por um lençol de algodão macio e neutro, um armário velho e uma estante com um porta-retrato velho que minha mãe me deu.
O banheiro pequeno tem um chuveiro elétrico que dá problema todo mês, um espelho sujo embaçado nas bordas, entretanto tem uma enorme janela.
Resumindo, uma casa simples, de cores neutras, sem excessos ou pretensões. De todo modo, nesse medíocre espaço encontrei uma forma de ser independente. No início quando vim para cá, meus pais me ajudaram a pagar as primeiras mensalidades do aluguel, até me estabelecer, mas isso fará dois anos, me tornei um adulto há um tempo. Estou com vinte anos.

Entro na cozinha e faço um miojo. O aroma familiar de miojo cozinhando se misturava com a fumaça da panela, enquanto eu me via imerso em uma sinfonia de aromas e sons domésticos vindo da TV da sala. Entretanto essa serenidade é quebrada logo quando chega o som que estoura meu ouvido, o barulho do trem.
Sinto meu tímpano latejar e doer enquanto meus dentes rangem de agonia. A linha do trem fica na rua ao lado e daqui posso ouvir o ruído das rodas do trem raspando o chão, fazendo o som mais agudo e irritante que já ouvi em toda minha vida. Metal contra metal. Um som tão fino, mas responsável por tanta inconveniência e desconforto. Não recordo ouvir este estrondoso som tão desagradável antes em minha vida, só sei que ao chegar do trabalho, em todo monótono anoitecer, eu ouvirei o som do trem passar, riscando descontroladamente os ferros do trilho.
O som começa como um murmúrio distante, um sussurro metálico que parece se arrastar pelo ar, até que, de repente, explode o grito estridente. Congelo, com o corpo inteiro tenso, cada músculo rígido como se eu estivesse à beira de um precipício. O som se intensifica cada vez mais, se enroscando ao redor de minha cabeça como um laço apertado, cada vez mais sufocante, até que sinto como se meu crânio estivesse prestes a estourar. Vasculho o ambiente em busca de algum refúgio, mas tudo ao meu redor embaça, parece irreal. O ruído se infiltra em meus ouvidos, não só como um som, mas como uma força que atravessava minha pele, penetrando o interior e passando por minhas veias até o fundo de meus ossos. É insuportável, uma agonia que não consigo afastar. No auge do surto, os pensamentos começam a se fragmentar, a se estilhaçar como vidro fino. Quase no limite, meu corpo começa a chacoalhar e meu coração a apitar como uma bomba que está prestes a explodir. Então de repente... O som diminuí... Diminuí em segundos e vai embora. 
Some.
Some como se não fosse nada.
Recupero o fôlego, em joelhos. Restauro minha força e levanto do chão, como se não fosse nada.
Então volto ao “normal”.
Mas sempre com aquele maldito fato que não me deixa ficar tranquilo de jeito nenhum, em breve o som voltará.

NickLuska
Lucas Réver

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