Please note that Tapas no longer supports Internet Explorer.
We recommend upgrading to the latest Microsoft Edge, Google Chrome, or Firefox.
Home
Comics
Novels
Community
Mature
More
Help Discord Forums Newsfeed Contact Merch Shop
Publish
Home
Comics
Novels
Community
Mature
More
Help Discord Forums Newsfeed Contact Merch Shop
__anonymous__
__anonymous__
0
  • Publish
  • Ink shop
  • Redeem code
  • Settings
  • Log out

O Trilho do Trem (PT-BR)

Inferno Mental - Parte 2

Inferno Mental - Parte 2

Feb 25, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Drug or alcohol abuse
  • •  Mental Health Topics
Cancel Continue


A rotina maçante começa com o raiar do dia, quando me vejo arrastando para fora da cama para encarar mais uma jornada de trabalho extenuante. São 12 horas, um dia inteiro dedicado a tarefas que parecem sugar a vitalidade de minha existência. O peso do estresse se acumula, um fardo insuportável que carrego nos ombros enquanto tento encontrar sentido em meio à monotonia.

À noite, quando saio do trabalho, sinto-me sufocado pela necessidade de escapar desse ciclo vicioso. Dirijo-me ao bar, lá, busco refúgio no meu ritual reconfortante, inalar meu Marlboro Blue Ice. Às vezes, permito-me afundar em um banco, contemplando os borrões de conversas distantes e risos abafados.
A amarga cerveja escorre pela garganta como um analgésico, amenizando a tensão acumulada nas horas de exploração. O barulho ambiente torna-se um eco suave, um pano de fundo para pensamentos que vagueiam entre a fumaça do churrasco dos vizinhos e a desfocada luz do teto do bar. A hora de dormir é pontuada pelo som estrondoso dos trilhos do trem, uma sinfonia desarmônica que ressoa na escuridão da noite. O metal riscando o metal, uma recordação audível do mundo em constante movimento, enquanto eu tento, em vão, encontrar um respiro de serenidade na imensidão do escuro. Tento cobrir os ouvidos com as mãos, pressionando com força, mas o som só parecia crescer. Caio, sentindo o chão escapar debaixo de seus pés, como se estivesse em um barco à deriva. O descarrilhar agudo se repetia, incessante, uma sirene enlouquecida que ressoava em minha cabeça, distorce meus pensamentos, corroí minha sanidade. Minha respiração se torna novamente errática, ofegante, como se estivesse tentando desesperadamente escapar, mas sem encontrar saída. Sucumbo à exaustão e mergulho no silêncio quebrado apenas pelo zumbido dos meus pensamentos. O ciclo se repete, uma espiral monótona que parece se perder no infinito. O amanhã, apenas um reflexo do hoje, aguarda imperturbável para que eu retorne à rotina. 
E assim, entre o trabalho e o barulho noturno dos trilhos, o ciclo da minha existência continua, uma repetição incessante de dias que se desvanecem na penumbra da vida diária. 
Todo dia é a mesma coisa, e a repetição parece desafiar a própria essência da novidade.
Não lembro de ter tido momentos felizes, a não ser com Priscilla. Lembro-me vividamente dos momentos compartilhados com ela, cada risada trocada e cada instante de cumplicidade que camuflava as dificuldades da vida. Seu toque suave, seu abraço aconchegante, o calor de seu corpo e suas palavras reconfortante, como um bálsamo para minha alma, proporcionando uma sensação de paz que eu raramente experimentava. No entanto, apesar dessas lembranças encantadoras, não posso ignorar o veneno da raiva que surge em mim quando lembro de seu rosto. É paradoxal, por um lado, recordo com carinho os dias em que éramos inseparáveis, mas, por outro, a raiva teima em manchar essas lembranças.
Como fui tão facilmente substituído por ela? Fui jogado fora como um pertence velho defeituoso? Teorizo sobre qual pode ser o motivo do término. Depois que concluí o ensino médio não procurei fazer faculdade e ela apenas me largou? Farão 2 anos em breve, em 12 de dezembro. As pessoas são tão superficiais. Como alguém que deveria ser pura como ela iria me largar por isso. Onde está minha Priscilla? Eu me contorço de maneira avulsa na cama puxando as cobertas. O vazio do quarto é como um eco do meu próprio vazio interior, um reflexo tangível da falta de vivacidade que uma vez existiu. Os móveis, agora despidos de qualquer vestígio pessoal, testemunham a transição de um espaço que já foi preenchido com risadas, conversas e calor humano para uma quietude que se tornou a única constante. As janelas, antes testemunhas de inúmeras amanheceres e entardeceres compartilhados, agora parecem emoldurar um panorama desolador, tudo a ser coberto pelas árvores, sem nenhum raio de luz por aqui. Como tentativa de escapar da tristeza, comecei a apostar na música alta e no constante som de conversas na televisão da sala. Aumentando o volume, tento criar uma cortina sonora que abafe os pensamentos na minha cabeça e, ao mesmo tempo, a presença contínua da televisão proporciona uma ilusão de companhia e normalidade. Essas estratégias temporárias oferecem um alívio momentâneo, por mais que eventualmente e com frequência eu lembre a mim mesmo que isso é uma maneira de tentar lidar e que não funciona de verdade. Não tenho nenhum amigo. Cortei laços com minha família, pois eram mais distantes que desconhecidos.
A frustração só aumenta com o passar do tempo, é como minha sombra que me segue a cada passo. As conversas leves e as interações sociais, que parecem ser tão naturais para os outros, são um terreno incompreensível e exaustivo para mim. Como decifrar enigmas. Há um descompasso entre a alegria que vejo e a tristeza que sinto, uma dissonância que me isola e me faz questionar minha própria capacidade de encontrar felicidade. Me pergunto se há algo de inerentemente errado comigo, algo que me impede de experimentar a leveza que parece ser tão acessível aos outros. A pergunta continua a girar em minha mente, uma constante lembrança de minha busca por algo que parece escapar de minhas garras. Como todos podem sorrir tão facilmente, tão levemente? Como? É uma busca desesperada por respostas, por uma forma de atravessar o abismo que me separa da felicidade que vejo nos outros, uma busca que parece, a cada dia, mais desoladora e difícil de alcançar.

Mais um dia se esboça e me entrego ao meu trabalho, meu cargo é ser jardineiro para o campo da Universidade Rural da cidade. Aviso o Chefe pelo celular, ele é sempre estranhamente receoso comigo, às vezes um supervisor chega para checar se estou fazendo o trabalho adequadamente, mas a maioria do tempo é comigo só. Entre as tramas verdes que compõem a paisagem, encaro a tarefa de domar a natureza que cresce desenfreada ali. Minha maior ferramenta é a paciência, a segunda a lâmina da tesoura de podar que corta e reflete a luz do sol e dos postes pela relva. É tranquilo em meio as capivaras. Em meio ao matagal que, de dia, oferece um local sereno para as capivaras que transitam tranquilas pelos lagos, as quais observam curiosas minhas atividades, é tudo pacato até que na noite de um dia vejo algo fora do comum. Um cenário pitoresco e moderno, universitários meliantes ali se juntam para se drogar e transar selvagemente, algo monótono para eles. Macacos, vacas, cadelas, vira-latas, são animas selvagens. Porcos se banhando em lama, eles se entrelaçam entre a neblina criada pela fumaça da maconha e seus corpos se entregando a promiscuidade. Uma visão repugnante, como uma versão moderna de Sodoma e Gomorra. 
Putas, viados, crioulos, viciados. Aberrações. É intrigante como depositam esperanças nessas coisas. Essas coisas que trazem tanta sujeira e desgraça ao mundo. 
Não. 
Não posso ficar pensando nisso, como disse a mim mesmo no outro dia, para que gastar fôlego em algo incapaz de resolver?

Volto para casa depois do trabalho e penso que os muros podres das casas dessa cidade são mais limpos que aqueles jovens. Novamente como manda a rotina, retorno ao bar e fumo meu Blue Ice, tenho vívidas memórias dos meses que passei com Priscilla quando um avulso devaneio vem a minha mente. Uma novela passa pela TV encaixada na parede do bar, um casal se beija e uma música romântica genérica decorre. Priscilla disse que iria para a faculdade quando terminamos, a mesma em que presto serviço como jardineiro. E se eu procurasse por ela no meio do trabalho? Sentia essa incontrolável vontade de revê-la, queria saber como ela está agora. Não consigo suportar a ideia de ela estar melhor sem mim, ter seguido a vida adiante como se minha presença e posterior ausência não tivesse a impactado em nada. Porém era sexta-feira, eu trabalharia no dia seguinte, mas se quisesse vê-la na faculdade teria que esperar até segunda, que droga. Voltando para casa pude ouvir o trilho do trem novamente às 23:18. 
Meus dedos se cravam no couro cabeludo, puxando os fios do meu cabelo com força, como se isso pudesse aliviar a pressão crescente dentro de minha cabeça. Eu queria fugir, queria gritar até que minha garganta se rasgasse, mas estava preso, preso nesse conflito, essa tempestade de som. Tudo o que consigo pensar, tudo o que consigo sentir, é esse ruído insuportável, aquele descarrilhar agudo que parecia ecoar para todo o sempre. Um grito desesperado escapa de minha garganta, rasgando o ar, mas o som do trilho o engole, o consome, anulando qualquer tentativa de expressão. Sinto como se estivesse sendo esmagado, cada pensamento se despedaçando, cada memória se despregando de sua mente e se perdendo no caos.
Então o som some novamente, como se nada tivesse acontecido.
O som vai voltar, todo dia.
Hoje seu apito estava ainda mais agudo que antes.

Mal posso conter a tremedeira em minhas mãos, fazendo com que eu corte o gramado de maneira não tão profissional e que não me incomodasse tanto com os universitários à noite, pois estava com meus pensamentos centralizados à Priscilla. Durante a ida ao bar quando voltava do trabalho, compro dois maços por dia ao invés de um, como costumo comprar. Espero chegar em casa e no meu quarto para inalar meu cigarro desta vez. Quando termino, não jogo fora os maços nem suas unidades, as deixo em cima da mesa do meu quarto. Resíduos das cinzas dos cigarros se acumulavam em cima da madeira da mesa. Às 00:20 o trem passa pelo trilho e seu barulho estrondoso retorna, não me incomoda dessa vez. Domingo chega e se repete exatamente como sábado, a ansiedade pela segunda-feira aumenta conforme o passar do dia, tanta ansiedade que me faz até esquecer de passar no bar para comprar o cigarro. Me sinto agoniado durante a noite por não ter fumado meu cigarro, um desconforto insuportável. Caminho até ao bar e ele está fechado, volto para casa pelos becos e ouço o vento soprar. Quando mais uma vez chego em casa, escuto a passagem do trem.
À beira do colapso, cada parte de mim sofre por aquele som demoníaco, cada fibra do meu ser grita por socorro, por silêncio, por qualquer coisa que interrompa aquele descarrilar infernal que parece rasgar o mundo ao meio. Então por impulso e por pedido de ajuda, peço a Deus que por favor me ajude. Até mesmo eu, que nunca fui religioso pedia arrependido a ajuda do Senhor. O som é tudo, ele me puxa para um lugar onde nada mais parece existir, apenas a dor aguda que fazia cada célula do meu corpo implorar por uma libertação imediata. Junto minhas mão e tento rezar, mesmo com o som me interrompendo. O som enrosca em torno dos meus sentidos, rezo sem ouvir minha voz ou conseguir extrair som de minha boca, rezo como num filme mudo. Rezo mesmo que meu chão esteja repleto de cigarros, rezo mesmo sendo o pecador errante que sou. As paredes ao meu redor parecem vibrar em resposta, como se a própria casa estivesse começando a desmoronar, vítimas do grito estridente que se arrasta pelos trilhos. Fecho os olhos, forço ainda mais a mão para a reza. Minhas mãos começam a tremer, sinto o suor brotar da minha pele. Uma náusea rastejou pelo meu estômago, enquanto o som permanecia. E então, como uma faca retirada subitamente de uma ferida aberta, o som acabou. O silêncio veio como um golpe, brutal em sua ausência, deixando um vácuo onde antes havia caos.
Olho em volta. Estou livre.
O vento das ruas entra pela janela do quarto, empurra o porta-retrato da estante ao chão e o racha. Um pedaço do vidro espalha pelo chão, se juntando às unidades dos cigarros. Logo o presente que minha mãe me deu.

Fico em choque com o que aconteceu. O som terminava aleatoriamente todos os dias, mas ter acabado dessa vez quando fui orar me fez no fundo acreditar que talvez realmente exista o divino.
NickLuska
Lucas Réver

Creator

Comments (0)

See all
Add a comment

Recommendation for you

  • Invisible Boy

    Recommendation

    Invisible Boy

    LGBTQ+ 11.4k likes

  • Touch

    Recommendation

    Touch

    BL 15.5k likes

  • The Last Story

    Recommendation

    The Last Story

    GL 43 likes

  • What Makes a Monster

    Recommendation

    What Makes a Monster

    BL 75.3k likes

  • Secunda

    Recommendation

    Secunda

    Romance Fantasy 43.3k likes

  • Blood Moon

    Recommendation

    Blood Moon

    BL 47.6k likes

  • feeling lucky

    Feeling lucky

    Random series you may like

O Trilho do Trem (PT-BR)
O Trilho do Trem (PT-BR)

2 views0 subscribers

Álvaro, um jovem de 20 anos, se sente preso em uma rotina exaustiva e decadente, com uma visão distorcida e amarga da sociedade. Oscilando entre memórias obsessivas e fragmentadas de sua ex-namorada Priscilla, tenta preencher o vazio existencial com vícios e encontros superficiais, mas o estrondoso ruído vindo do trilho do trem próximo a sua casa o impede de qualquer fuga mental. À medida que a obsessão e o desespero se intensificam, Álvaro é arrastado para uma espiral de insanidade, e sua máscara de indiferença desmorona junto com os últimos vestígios de sua neutralidade.
Subscribe

11 episodes

Inferno Mental - Parte 2

Inferno Mental - Parte 2

0 views 0 likes 0 comments


Style
More
Like
List
Comment

Prev
Next

Full
Exit
0
0
Prev
Next