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O Trilho do Trem (PT-BR)

Inferno Mental - Parte 3

Inferno Mental - Parte 3

Feb 25, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Drug or alcohol abuse
  • •  Mental Health Topics
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Eu dou início à tão esperada segunda-feira com um semblante caído e olhos exaustos de uma noite derrotada pela insônia. Minha cabeça dói um pouco e tudo a minha volta gira em círculos, no entanto nada me desfocaria da tarefa de executar meu trabalho e ver Priscilla mais uma vez. Tomo meu banho tentando limpar da maneira que posso minha fadiga, tomo meu café, saio de casa. Com o ancinho de jardinagem preso a minha bicicleta, óculos de sol para esconder minhas olheiras e meu óculos para se comunicar com o chefe e ver as horas, me dirijo a universidade por mais um dia, mas este é especial. 
Chego na universidade e pego minhas ferramentas de jardinagem no espaço reservado onde elas ficam guardadas. Aproveito para procurar por Priscilla enquanto passo pelos corredores. Ainda não a vi, esperarei o horário de saída de cada turno da faculdade para vê-la. Ela disse que faria curso de química, então fico de olho nessa parte da universidade enquanto jardinava. O dia aos poucos se esvai e os alunos de cada horário vão para suas casas, não a vejo. A noite chega com o final do dia. Amanhã irei procura-la novamente. A sujeira das ruas se instaura e eu volto para casa. Compro o Marlboro no bar no caminho. O trilho do trem está em um ritmo diferente hoje, mas não menos intensamente agonizante. Outro dia ensolarado com uma brisa fresca, aparo os matagais da universidade. É o horário de saída do turno da manhã, lá vem a multidão. Acumulados andavam em direção à parada de ônibus e outras para suas casas ali perto. Procuro dentre toda essa movimentação a única figura que importa, Priscilla. 
Até que avisto uma jovem de cabelos loiros e uma postura que lembrava a graciosa figura que meus pensamentos perseguiam. Estava ali, imersa em uma conversa animada com suas amigas. Meu plano era avista-la de longe, mas não me contive e fui à tona cumprimentá-la mesmo acompanhada de outras pessoas. A garota se vira e levanta os olhos, surpresa, ao notar o estranho sorriso que se dirigia a ela. Olho em seu rosto e percebo. É uma sósia, idêntica, mas não é ela. Sua voz rouca de fumante é o que me faz distinguir. Fico constrangido e me afasto rindo nervosamente. Algumas pessoas na multidão me olham com avulso e sinto uma vontade imensa de correr, saio andando sem dizer nada e volto ao trabalho. Escolho uma área isolada da universidade, depois da vergonha que passei. Talvez eu devesse parar com isso. Mesmo que eu a encontre, nada vai mudar. Ela seguiu sua vida e eu continuo encalhado no mesmo lugar. Não consigo fazer o trabalho corretamente após isso, sinto como se as capivaras que me rodeiam me julgam enquanto me observam trabalhar.
Escurece, mais um dia que se repete. 
O apito do trem e seu descarrilhar pareciam ecoar dissonante esta noite, parecia transitar de uma nota para outra, grave para a aguda. Inconstante. Faz dueto com o slide de guitarra do George Harrison em “How Do You Sleep”, do John Lennon.

Passo os próximos dias trabalhando e espiando.
Espiando e trabalhando. 

Priscilla, meu fantasma do passado que persigo, não aparece.
Os dias deslizam vagamente e me perco na busca incessante por ela. 

Às vezes, penso ter avistado algo, um brilho de cabelo dourado, um sorriso familiar, um jeito de andar que me faz lembrar dela. Meu coração acelera, e por um breve instante, quase acredito que a reencontrei. Mas então, a realidade me golpeia com a força de uma onda fria, e percebo que foi apenas mais uma ilusão, uma brincadeira cruel da minha própria mente. As pessoas continuam a passar, indiferentes, enquanto eu permaneço ali, preso em um ciclo interminável de esperança e desilusão.
Pensamentos intrusivos tomam conta. Dolorosamente aceito um fato. A figura de Priscilla é facilmente difundida em meio à multidão, há diversas garotas parecidas com ela. 

Essa busca incessante se tornou uma espécie de reflexo condicionado, um movimento automático que não consigo parar. É como se, ao encontrar Priscilla entre a multidão, eu pudesse recuperar algo que perdi, algo que foi arrancado de mim no dia em que nos despedimos.
Tudo agora parece esquivo, como o vento que acaricia o rosto e se desvanece. O cansaço me consome e a desesperança também. 
Cada amanhecer a ausência se torna a constante. Mas sigo o trilho, afinal, o que mais posso fazer? Sou um inseto preso a essa teia.

E, assim, sigo meu caminho, passando por rostos e mais rostos, cada um trazendo consigo uma nova esperança que logo se dissipa. Mas talvez, na verdade, não seja o rosto de Priscilla que procuro – talvez eu esteja apenas tentando encontrar uma maneira de preencher o vazio que ficou quando ela partiu, algo que faça essa solidão parecer um pouco menos insuportável.

É inútil, nada vai fazê-la voltar. Essa verdade me consome como um veneno lento, infiltrando-se em cada pensamento, em cada tentativa de seguir em frente. E assim, vou me afundando nessa verdade, por mais dolorosa que seja.

O cansaço se torna uma marca indelével. A multidão me engole. A exaustão me consome.
Desisto.
Essa era uma ideia estúpida desde o início, Não sei onde estava com a cabeça.

 Largo minha rotina de comprar unidades de Marlboro, depois eu devo jogar fora depois os maços e unidades de Blue Ice guardados e despejados pela minha casa. 

O apito e o descarrilho do trem que costumavam rasgar os tímpanos agora cediam à suavidade, estavam mansos. Tocava “Waltz For Zizi”, da banda Seatbelts. Seu timbre era comum e seu tom não era nem mais tão agudo, nem tão mais grave. Não incomodava mais meus ouvidos. O fato de o som não ter mais o ruído, não causar mais incômodo, me incomodava agora de um jeito diferente.

Na volta cotidiana do trabalho, me deparo com uma imagem surreal que rompe a monotonia. Um homem nu corre descalço pela encruzilhada. Vinha da esquerda e ia reto para a direita, sem olhar para trás, a direção para onde estava indo é onde fica o trilho do trem. Parece louco, parece não, eu tenho é certeza. Corria de maneira descomprometida com seu corpo enrugado em desenfreada liberdade. Não o sigo e entro em minha casa. Como diz o ditado, “Cada um com seu nariz”. Um dueto inesperado com o apito do trem chega, seu som estava reverberado como se alguém tivesse posto um efeito de som nele, fazia eco e delay, parecia preencher o vazio das ruas dessa cidade. 

Dia seguinte eu acordo fazendo a rotina de sempre, trabalho de sempre.
O monótono, como um manto pesado, envolvia cada centímetro do meu ser, transformando o tempo em um enfeite.

A luz pálida da tarde filtrava-se pelas folhas das árvores que dançam pela ventania.

De noite, sobre os móveis empoeirados as sombras dançam preguiçosamente nas paredes, testemunhando a minha batalha silenciosa entre a solidão e o vazio.

O chão coberto de espalhadas e jogadas unidades e maços de cigarro. Grãos de suas partes apagadas pelo fogo do isqueiro acumuladas no chão como flocos que caem na neve. Um fedor intenso. Eu deveria joga-los fora, mas não tenho energia.

O relógio na parede parecia martelar os segundos com uma cadência cruel. Uma contagem regressiva, mas para o que? Nada na vida me aguarda. Apenas a morte. Cada tic-tac do relógio na parede da cozinha era um lembrete do meu desperdício de vida. Um livro empoeirado, um celular velho de tela quebrada, uma tela de pixels do computador que representa sexo.
Nada é capaz de me acender motivação.

Vejo sempre as pessoas da minha idade sorrindo alegremente nas festas que ocorrem naquela mata maldita, não, não só na festa, em todo lugar. Qual o motivo de tanta alegria, como eles sorriem tão facilmente? 
Essa pergunta ecoa em minha mente, uma dúvida constante que parece não ter fim. Eu observo as pessoas ao meu redor com um misto de fascínio e frustração. Em meio ao turbilhão de emoções que carrego, vejo rostos que se iluminam com sorrisos sinceros e despreocupados, como se a felicidade fosse uma realidade tão natural e acessível para todos, exceto para mim. É como se houvesse um segredo que eu não consigo desvendar, uma fórmula mágica para a leveza e a alegria que escapa de minhas mãos. A sensação é quase física, um peso constante que parece me ancorar ao chão, tornando cada movimento mais árduo e cada momento de prazer um esforço consciente. Faço um esforço para entender, para imitar essas expressões de alegria, mas tudo parece vazio e forçado.
Queria poder socar a cara dos homens, possuir suas mulheres. Me seguro enquanto me controlo o podador de galhos. Fantasio cortar o pescoço desses troncos de mentira que são. 
Folhas voam. Galhos quebram.
Não. Eu não deveria pensar em algo assim, eu não posso.
Eu pensei que já tinha superado esses pensamentos ruins. Não quero voltar para lá... Me lembro do que foi dito naquela época.

"Vamos pensar nas consequências de agir impulsivamente durante esses momentos. Como isso pode afetar você e as pessoas ao seu redor?"
“Isso não faria bem nem para você quanto para os outros, certo? Precisamos que você se expresse e então depois devemos focar nas coisas positivas para você.”

Como eu me expresso?
Não sei escrever, nem desenhar ou tocar música.
Só posso descontar o que sinto cortando os galhos das árvores e as folhas das moitas.
Essa é minha expressão.

“Devemos focar nas coisas positivas para você.”
Não tenho coisas positivas. Apenas Priscil-
Esqueça.
Há dezenas, não, centenas, não, existem milhares como ela.


Para criar uma vida feliz preciso acabar com minha vida atual.
Matar minha identidade.
Matar a mim mesmo

Hoje eu morro.
Não sou mais eu.
Sou outro.

Não compro Marlboro na volta, mas passo no bar para beber uma breja. Após um tempo, a figura histórica da cidade, o velho bêbado com cabelo do Beethoven se aproxima, me jogo até ele. Ele me convida para sentar junto aos seus amigos.
Agora tomo partido nas discussões, participo. Até que não é tão ruim assim estar perto das outras pessoas. As conversas transitam de viagem, filhos, política, boatos sobre pessoas da cidade e até putaria. Falando em putaria, uma tiazinha quase nua com pedacinho de blusa que parece mais um sutiã e shorts curtos encavados na bunda rebola até o chão bêbada, rebola sincronizando com a sanfona estourada do forró vindo da caixa de som do dono do bar. Sentiria ânsia de vomito vendo tal mulher em estado degradante, agora sinto desejo, como os outros. A observamos e dizemos o que faríamos com ela na cama. 
- E você? Chegava nela como? – Ele se refere a mim.
- Acho que pagaria uma bebida. – Eu tento pensar na hipótese.
- Boa! Paga bebida pra ela e depois bota ela pra te devolver pagando um boquete!
Todo mundo da rodinha ri.
- O que faria com ela? Tipo, na cama. – O velho com cabelo do Beethoven continua montando o cenário. Os outros acenam e também estão curioso. Todos querem saber a respostas um dos outros.
- Olha, com este tremzão aí eu botava de quatro e metia até o saco esvaziar. – Eu digo me animando com a ideia disso, faço gestos com a mão dando ênfase.
Eles choram de rir e eu também.
- Botar o “meninão” pra chorar! – Um diz gargalhando cuspindo pingos de cerveja.
- É isso aí! – Outro velho diz, balança a cabeça sorrindo.
- Mas levava pro motel ou pra casa? – O velho Beethoven prossegue.
- Levar pra casa? Que nada. Levar pro motel? É caro, não vale a pena. Aproveito que essa cidade é cheia dos matagais e comia no meio do mato mesmo, que nem animal. – Sinto enorme excitação.
Todos eles soltam estrondosas risadas. Ainda mais alto que o som vindo da caixa de som. 
Imagino a cena na cabeça enquanto vejo a tiazinha indo até o chão, deliro e meu pau vaza na calça.
- Este menino é novo, mas entende muito das coisas! – Um deles me abraça, muito bêbado. 
- É isso aí, porra!
- Moleque esperto!
Não me reconheço mais, porém também nunca senti que eu tivesse identidade. Sempre fui ninguém, nunca um alguém. Sinto essa nova identidade me consumir como um espírito.
- Bora brindar mais, vamos beber até o bar fechar!
O dono do bar escutando isso traz mais bebida, se empolga com nossa embriaguez e entra para a rodinha. 

É tão fácil, estava bem na minha cara. Para acabar com meu sofrimento individual, bastava eu virar outra pessoa. Finalmente consegui. Sinto como se houvesse me libertado das correntes invisíveis que me prendiam ao passado e a mim mesmo. A sensação de renovação é quase eufórica, 

Todos riem e se divertem.
Por hoje, pela primeira vez, sou alguém.
Levanto o balde de cerveja como um atleta que exibe sua medalha.

NickLuska
Lucas Réver

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