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O Trilho do Trem (PT-BR)

Desencontros - Parte 3

Desencontros - Parte 3

Feb 25, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Drug or alcohol abuse
  • •  Mental Health Topics
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O homem-macaco sente alívio instantâneo, já ela não entende nada, só acena com a cabeça e tenta decifrar em seus pensamentos o que acontece. Penso que ela deve estar pensando que eu devo ter fugido porque ela agora está namorando outro homem. Bem, esse é um dos motivos também.
Cada passo é uma oração silenciosa, um pedido desesperado para que Tatiana não seja amiga de Priscilla, para que eu não seja tema da conversas das duas. Corro pateticamente de Tatiana como se minha vida dependesse disso, buscando refúgio na escuridão da mata que se estende pelo campo da universidade. Ela não consegue me alcançar e desiste. Volta para festa. Olho do escuro da mata Priscilla e seu namorado nojento entrarem na festa, estavam nos observando antes, me sinto um palhaço patético por tudo que aconteceu essa noite. Volto a correr, para a mais imensa escuridão deste campo. 

Fujo não apenas do presente, mas também do passado. 
No entanto, mesmo na densa vegetação que me envolve, não consigo escapar de mim mesmo. 

Meus pensamentos me perseguem como sombras implacáveis, lembranças indesejadas que se agarram a mim como garras afiadas. 

Deixar para trás todas as angústias e tormentos que me corroem por dentro. Exausto, me agacho no solo úmido e coberto de folhas secas da mata do campo. As lágrimas descem de meus olhos como o rio descontrolado ali perto, uma torrente de emoções que transborda sem controle. 
Encontro uma capivara esquartejada, suas tripas para fora emboladas como um nó. Nunca havia visto uma cena igual essa em todo esse tempo trabalhando, isso não era trabalho de um animal. Seu fedor me expulsa do local.

Caminho de volta para casa sob a fria e incomodadora noite. 
Os trilhos do trem ecoam ao meu redor com uma ferocidade nunca antes escutada. Eu que já tinha desacostumado e estava acomodado com seu antes mudado pacifico som, agora me assustava. Cada batida, cada estalo, parece cortar o ar como uma lâmina afiada, invadindo meus ouvidos com sua intensidade avassaladora. É como se o próprio trem estivesse chegando para mim, em minha frente, rugindo com uma fúria indomável, pronto para me esmagar sob seu peso colossal a qualquer momento. O som é tão estrondoso, tão opressivo, que sinto como se estivesse encurralado por ele, incapaz de escapar de sua presença avassaladora. Cubro meus ouvidos e grito para tentar o parar, não funciona. É indomável. Avalanche que é seu ruído, me ameaça engolir inteiro.
Chego em casa, os trilhos do trem martelam em meus ouvidos como um lembrete constante de minha fraqueza. Cada passo no piso da rua para minha casa é uma batalha contra a cacofonia ensurdecedora, uma luta desesperada para encontrar um pouco de paz em meio ao caos ensurdecedor.

Deito na cama sem jantar, não sinto fome. Sinto dor de cabeça e ressaca. Um vazio na cabeça e um tormento no coração por tudo que aconteceu essa noite. Continuo a ouvir o maldito trem, mesmo passando horas. O trem é infinito, seus vagões não tem fim e desencarrilham em ciclos. O trem é como Ouroboros . 

Amanhã é sábado, felizmente não tenho que ir para o trabalho, só de pensar que na segunda-feira vou ter que ver aquelas pessoas novamente... que droga, preciso de um tempo para me acalmar.

A imagem de Priscilla cruzando seu olhar comigo não sai da minha cabeça. 
Nem a outra nojenta imagem dela abraçada ao asqueroso macaco, sendo chamada de “amor” por ele. 

A horrorosa cena do banheiro. Devo excluir Tatiana agora mesmo de meus contatos...
Coloco a mão no bolso de minha calça, não sinto nada. Começo a estapear os bolsos. Nada. Estão vazias, exceto pela minha carteira no bolso traseiro.
Nada do celular nos bolsos. Fodeu. Eu esqueci meu celular na festa?! Coloco a mão no bolso de trás. Eu esqueci até minha carteira? Como eu fui só notar isso agora? Talvez pela bebida.. Aquela merda de celular custou mil reais, eu preciso até pro trabalho, uso para me comunicar com meu chefe. E na carteira tem um pouco de dinheiro.
Eu vou ter que voltar lá. Mesmo depois de tudo que rolou...
Caminho sob os restos das unidades e os maços de cigarro no piso do corredor do meu quarto até a cozinha. Olho para o relógio na parede, 02:49. A festa com certeza ainda deve estar rolando. 
E se eu não for agora? Não, devo ir agora. Tem muita chance de já terem até me roubado, aquele pessoal é bem capaz disso. Preciso ir logo. 
Sigo o caminho patético de volta para a patética festa, com um caminhar e semblante patético nessa patética noite de eventos patéticos. Patético.
Emerge das sombras da mata em volta da casa um ser digno de risadas, eu. Não tendo outra escolha, entro na festa. Uma sombra pálida insignificante, mas que nesse mesmo dia causou um show, está em meio à exuberância da festa. 
Rezo para que Tatiana, Priscilla e o homem-macaco estejam no mais profundo sono em suas casas, para que eu não tenha que as ver novamente aqui, não depois do que aconteceu.
Procuro onde estava na hora que deixei meu celular e fui ao banheiro, antes ao Bartender... ele ainda está lá em seu balcão, me encarando rigorosamente de longe. Minha vista está bem melhor agora, consigo ver as coisas em volta, há um número grande de pessoas, mas não a multidão que pensava ter com minha vista embaçada de antes. Quase não me notam, estão todos sonolentos e chapados. A festa já está chegando ao fim e seus corpos já estão cansados.
Então me lembro onde estava. Uma mesa no canto onde tem aquele quadro emoldurado esquisito. Caminho minuciosamente até a cadeira da mesa, ainda está vazia. Talvez as pessoas sintam medo de sentar em um lugar com uma pintura tão bizarra acima. Meu celular e minha carteira incrivelmente ainda estão lá, tem também uma nota de texto por cima.
“Caso seja o Álvaro lendo: Você deve ter entendido errado o que aconteceu e pode ter ficado com raiva de mim, peço que me ligue para conversamos e que eu me explique. : )”
Que texto porco. Ela não teve nem o esforço de levar o celular para sua casa, poderia ter pelo menos guardado em sua casa ou tentado continuar a me procurar, mesmo que saiba meu endereço. Bem, isso não importa mais. O que importa é que recuperei meu celular. Rasgo o textinho em pedaços e murmuro de raiva.
Uma menina de cabelo desengonçado largada no chão ri de longe.
- Sofreu alguma desilusão amorosa? – Pergunta enquanto inala o vapor de sua droga. – Se quiser eu divido com você, bonitinho. – Acena com a cabeça para o Narguilé fumacento.
- Vai se foder, drogada. – Guardo o celular e a carteira no bolso. Ela ri debochadamente, com um olhar vazio, como se não estivesse realmente ali, deve estar só vendo estrelinhas nesse momento. Ela não me leva à sério de jeito algum e isso me incomoda.
Minhas intenções nessa noite eram conseguir uma mulher para passar a noite, poderia conseguir isso agora com essa menina fora de consciência, mas depois de tudo que aconteceu... Estou de mau-humor. 
Essa fumaça me irrita, me lembra o maldito trem. Como fumei cigarro por tanto tempo? A fumaça me arde os olhos. Me encaminho para a entrada que também é saída.
Dentre os sonolentos viciados naquela vara de porcos, um grupinho gargalha irritantemente de bem longe. 
A risada de um deles me lembra a voz de alguém.
Uma risada feminina, fina e calma.
Me dou conta.

É Priscilla.

No meio daquela multidão de vícios e decadência, a mulher que um dia amei com uma devoção profunda, a quem idealizei com fervor no passado. Junto dela está seu novo namorado. Priscilla, a musa tão idealizada em meus sonhos e pesadelos, meus vícios e minha prisão ao passado. Quem eu estava a buscar durante esse tempo. Agora está ali, imersa na mesma sujeira e depravação que envolvem todos ao seu redor. Uma imagem desoladora, vê-la reduzida à sujeira que sempre desprezei. Ela, que uma vez foi a luz em meio às trevas, agora está mergulhada na escuridão, tão suja e corrompida quanto aqueles que a cercam. Meu símbolo de salvação que agora é em sua mais pura definição, depravação. É doloroso encarar a verdade. Ela, cujo sorriso costumava ser minha fonte de vida... enquanto a observo ali, não consigo deixar de sentir uma mistura avassaladora de mágoa e ódio. Já chega, vou embora. 

Priscilla e os outros não me notam.

Volto para casa.

Minha TV da sala estava ligada, curiosamente passa uma oração da Igreja que o Pastor proclama com poderoso fôlego. Ouroboros de ferro serpenteia em seu caminho interminável, seu rugido, a trombeta dos anjos que anuncia o Apocalipse. É o presságio inevitável que paira sobre o horizonte como a nuvem negra, ninguém deseja, mas vai vir. Anuncia macabramente que o fim de tudo está próximo. Espere. De tudo mesmo? Não, estou errado. Não é o fim de tudo. É o meu fim. Meu fim está chegando. O inevitável colapso que se avizinha. A frequência divina, um pai que me puxa a orelha e me recorda friamente da lembrança incessante da vida que escolhi com amargura viver, distante dos caminhos do divino. Estive distante de Deus. Cada repetição do apito perfura minha alma. Não tenho a orientação de Deus para guiar meus passos. Meu pai e mãe tinham razão, eu deveria ter buscado Deus. Enquanto o trem avança impiedosamente, levando consigo os destroços de minha existência vazia, sou confrontado com a dura realidade de minha própria alienação espiritual, essa muito mais importante que a social. Minha ausência com Deus tornou-se uma ferida aberta em minha alma, uma lacuna insuperável que me separa da fonte de toda verdade e redenção. Pego a pequena bíblia azul em minha casa, até então largada e empoeirada na estante da TV, a coloco no sofá onde me sento enquanto vejo o canal religioso da TV. Fecho os olhos e cruzo minhas mãos trêmulas em um gesto de súplica, implorando por uma iluminação do Divino que me dê um objetivo, o objetivo que será minha redenção. Escorrego e quase caio pelo solo arenoso sob meus pés instáveis, marcado pelo rastro de unidades e maços apagados de cigarro, testemunhas mudas de meus sofrimento e minha obsessão. Priscilla.
Olho para o teto, e um calafrio percorre minha espinha, como se um vento gélido tivesse penetrado nas profundezas de minha alma. Enquanto minha mente é tomada por um turbilhão de pensamentos tumultuados, um zumbido constante ecoa em meus ouvidos, como um apito agudo que se recusa a ser silenciado. Mas é o grito do trem que corta o ar, reverberando através das paredes de minha mente, enchendo o ambiente com sua presença avassaladora. Esqueço que a janela de casa estava aberta, o vento sopra agilmente, balança a bíblia e move suas folhas com aptidão, para em um determinado versículo. Seria a resposta de Deus? Chegou tão rápido, me sinto lisonjeado. Gênesis:22. 
Dois versículos se destacam aos meus olhos, 8 e 9.

“E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos.
“E chegaram ao lugar que Deus lhe dissera, e edificou Abraão ali um altar e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Isaque seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha.“

A revelação divina faz que tudo se torne claro em minha mente. Agora tenho sentido. Meu coração não mais sente o gélido vazio da vida, mas o calor confortante de se ter um objetivo em mente, um significado.
Deus me enviou minha missão final de redenção. 
Amém, o Pastor na TV proclama enquanto grita, como se visse minha iluminação.
Amém, o imito em trejeitos e expressões espelhadas.

09 de Dezembro, Sábado.
Iluminado.
Me dirijo à cozinha, pego uma bandeja de colo das que uso para almoçar e jantar, seguro a bandeja com minhas mãos e levo ao meu quarto. Situo a bandeja no chão e posiciono nela as várias unidades de cigarro, apanho apenas dois maços dos que guardei e os ponho a frente das unidades em pé, espelhados. O passado e o presente. Está sendo feito meu altar . Falta mais alguma coisa, olhando para a estante do meu quarto está aquele porta-retrato rachado que minha mãe havia me presenteado quando saí de casa, uma foto minha de quando eu era adolescente. Me ergo do chão e pego o porta-retrato, removo a foto e a guardo no guarda-roupas de casa. Lembro de uma foto física antiga que tenho dela, um fotógrafo a havia fotografado no casamento de sua irmã que fomos, busco nas pastas no guarda-roupa de meu quarto, o encontro após minutos de busca incessante. Boto na moldura desse antigo porta-retrato sua foto atual. Vou até a cozinha novamente e pego uma vela, a ponho dentro de um copo de vidro pequeno e a deixo na frente do retrato de Priscilla. Está provisoriamente concluído o altar.
Agora só é preciso sua oferenda.

Hiberno em paz de mente e espírito durante o final de semana, espero pela chegada da segunda-feira. Sem preocupações ou tormentos, agora livre.
Não escuto o trilho do trem passar no sábado ou domingo. Deve estar aguardando também.
A trilha sonora para a espera é Verklärte Nacht, de Arnold Schoenberg,
Compro um frasco de Clorofórmio 60% pela internet.

NickLuska
Lucas Réver

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