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O Trilho do Trem (PT-BR)

Noite Transfigurada - Parte 4

Noite Transfigurada - Parte 4

Feb 25, 2025

This content is intended for mature audiences for the following reasons.

  • •  Abuse - Physical and/or Emotional
  • •  Blood/Gore
  • •  Mental Health Topics
  • •  Physical violence
  • •  Cursing/Profanity
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- Álvaro, o que vai fazer? – Ela sussurra com medo.
Sem olhar para ela, me viro com passos lentos. Sinto seu olhar cravado em minhas costas, mas ignoro a presença dela enquanto vou. Chego ao banheiro, aquele espaço frio e sem vida, e pego o pano xadrez, o mesmo que eu deixei jogado antes. A escuridão da casa só é aliviada pela luz do poste, mostrada pela janela grande que tenho no banheiro. Respiro fundo e volto para a sala com o pano guardado em meu bolso. O som dos meus passos parece mais alto, ressoando na minha mente, um relógio que se aproxima do fim. Não há mais gritos, não há mais discussões. 
Só o silêncio, profundo e inquietante, que preenche o espaço entre nós. E, nesse silêncio, o destino que já não posso mais evitar que aconteça.
Mexo na TV enquanto busco um último som para Priscilla.. E para mim. Antes de escolher, minha atenção é atraída para o canto da tela, onde as horas aparecem em um relance discreto. 02:42. Um horário que parece deslocado entre os dias, suspenso entre o ontem e o amanhã. Desvio o olhar para o relógio digital, que confirma a passagem inevitável da noite. 
12 de Dezembro.
A data paira no ar, carregada de um significado que só eu conheço, um lembrete cruel do quanto nos afastamos do que um dia fomos. Tudo foi calculado, cada detalhe planejado por um destino implacável que me conduz até este momento, até este exato ponto onde não há mais volta. Um plano feito por Deus.
- Hoje fazem dois anos...
Ela me olha, confusa, tentando decifrar o que minhas palavras significam e há um breve silêncio que parece se estender por uma eternidade. - Dois anos do quê? - Ela pergunta com a voz trêmula. Ela não entende. Claro que não entende. Para ela já não importa mais, mas para mim, hoje é um marco. 
Dois anos desde que tudo desmoronou, desde que as coisas mudaram de uma forma que eu nunca mais poderia consertar. Dois anos desde o vazio, desde o último lampejo de algo que se partiu para sempre. 
Olho para ela, mas não respondo. As palavras ficam presas na garganta, porque sei que não adianta, ela não sentiria o peso dessa data como eu. Dois anos desde que eu me perdi, desde que nós nos perdemos. Deus, nos proteja diante do fim. 
Coloco o som de Beethoven, nona sinfonia, a sala se preenche. A música ecoa pelas paredes. 
Sinto nostalgia. A lembrança surge como um vulto distante, o velho Beethoven. Aquele senhor do bar com seus cabelos brancos desgrenhados que, por pura coincidência, parecia uma versão decadente do próprio Beethoven.
Sinto saudades daquele curto período divertido que passei no bar com aquelas pessoas, mas Deus fez outro plano para mim. Aquele não é mais meu lugar.
Tiro o pano escondido do bolso com minha mão. Priscilla vê o tecido xadrez encharcado de clorofórmio e é como se uma faísca acendesse seu pavor. Seus olhos se arregalam, dilatados pelo terror, e antes mesmo que eu possa me mover, ela começa a gritar. Cada palavra é um apelo desesperado, um pedido de ajuda, - Não! Alguém, por favor! Me ajude! - Ela se debate na cadeira, tentando se soltar das amarras que a prendem, o pânico dominando cada gesto, cada respiração. Seus gritos são selvagens, descontrolados, a súplica de alguém que sabe que está à beira de algo terrível e inevitável.
Sua voz é camuflada pela nona sinfonia.
Seus olhos encontram os meus, e mais do que medo, é uma súplica, uma tentativa de me convencer a desistir o que estou prestes a fazer. Estou além de qualquer apelo, o som de seus gritos só alimentam a tempestade que se agita em meu peito. Enfio o pano em sua cara. Tapo seu nariz e boca. Ela se contorce, puxa as amarras, o rosto tremendo em uma mistura de ódio, pânico e uma dor tão crua que chega a ser palpável. Desmaia.
Vou até a cozinha e pego a tesoura de podar e o serrote.
 
Em mãos, a tesoura de podar,  
instrumento que agora terá sua tarefa final para realizar,
corto carne enquanto preparo a oferenda de meu altar,  
com precisão, cada lâmina rasga em seu devido lugar,  
sacrifico com reverência triunfal,  
um rito de limpeza pura e cerimonial.

O serrote, em sua firmeza,  
serra com o propósito do divino,  
corta através da carne com clareza,  
o ato é purificar o que foi degenerado.

Cada lâmina desliza com graça,  
um despojamento perfeito,  
a carne se desfaz, a limpeza da massa,  
o serrote e a tesoura rasgam com ajeito.

Priscilla agora é livre,
de toda a sujeira que em seu corpo reside,
o astral supera o material.
Meu altar será seu memorial.
 
Penso nesse poema bruto enquanto rasgo a carne de Priscilla, a sensação visceral e brutamente real em contraste com a elegância austera da nona sinfonia que toca ao fundo. A música, grandiosa e sublime, ressoa pelas paredes da sala, suas notas elevando-se. A linda sinfonia de Beethoven se mescla com minha tarefa de purificação. Vejo beleza no que faço. Eu livrei Priscilla da sujeira da vida
Cotovelo, abdômen, peitos, braços, coxas, pés, tornozelos... Eu corto tudo, menos a cabeça. A cabeça precisa estar intacta.
Ao cortar o estômago, o serrote faz um movimento decisivo, e a lâmina atravessa a carne com um som seco e estrondoso. O sangue começa a jorrar, misturando-se com os fluidos digestivos que se acumulam. À medida que a abertura se amplia, algo inesperado se revela. No meio dos órgãos e do tecido, algo se destaca. Entre o emaranhado de intestinos e vísceras, vejo uma figura peculiar. Um broto. Com uma estrutura pequena e indefinida, mas claramente humana em sua forma rudimentar. Um feto, ainda envolto em uma membrana tênue, surge lentamente da cavidade abdominal, escondido no escuro do corpo de Priscilla. A visão é um choque. O pequeno feto, com seus contornos ainda mal formados. Uma prole maldita.
Puxo a pequena criatura e a jogo no chão. Pisoteio ao piso branco e o sujo com o interior espedaçado dessa coisa.
O filho de Priscilla... com Maurício.
Sinto uma energia sombria forte em volta de mim. Escuto um som distorcido parecendo vir de Priscilla, mas quando olho, não há nada. Ela já está morta... Há muito tempo.
A sala fede pelo cheiro de carne morta.
Com os músculos exaustos e o corpo drenado pela intensidade do trabalho, sinto o peso do esforço que coloquei em cada corte e rasgo. O cansaço é profundo, uma sensação de esgotamento físico que permeia cada fibra do meu ser. Ao olhar para Priscilla, percebo que já está pronta. A carne, desmembrada e exposta, revela o final de uma tarefa meticulosa e cruel. Cada parte de seu corpo, agora disposta em uma grotesca exibição, marca o fim do processo. 
Pego a cabeça de Priscilla, agora reduzida a uma forma minúscula e grotesca. O peso da cabeça em minhas mãos é surpreendentemente leve, quase etéreo, como se o ato de desmembramento tivesse também diminuído a sua importância física. Caminho pelo corredor com passos pesados e lentos, cada movimento carregando o peso da tarefa concluída. A cabeça, agora uma relíquia sinistra, é transportada com um cuidado quase reverencial, apesar da brutalidade que representa. O chão sob meus pés parece se estender interminavelmente, enquanto o destino da cabeça se aproxima. Entro no quarto, o olhar recai sobre o altar improvisado de unidades de cigarros e seus maços. É um santuário caótico, refletindo a própria desordem interna e a decadência que senti por todo esse tempo. Coloco a cabeça sobre o altar. Atrás de sua cabeça, uma vela que espera ser acendida e o retrato de seu rosto. A cabeça repousa no meio das unidades e suas cinzas. 
A bandeja, com esforço, segura tudo.
Tomo o que será meu último banho, a água quente caindo em cascata sobre meu corpo exausto e marcado pelo esforço. O sabonete espuma em minhas mãos, criando uma camada espessa de espuma que desliza pelo meu corpo. Enquanto me lavo, a água leva consigo as manchas de sangue. 
Enquanto tomo banho lembro de tudo o que aconteceu, lembro do trilho do trem durante as madrugadas. Nos últimos dias ele esteve quieto, nem lembro de o escutar ou o notar.
O banho é um momento de contemplação. Ao terminar, me sinto limpo.
Ao voltar pro quarto trocar de roupa, recebo uma mensagem em meu celular. Minha mãe. Uma hora dessas? Olho para o celular, são 06:08, como o tempo passou rápido assim...
Ela me manda uma foto minha de quando eu era criança, segurando um trem, um relógio e olhando pro nada.

“Piuí, Tic-Tac e o Eloah. Você lembra, filho?”

Quem diabos é Eloah?
As memórias da minha infância são distantes e vagas.
Não tenho para ficar conversando, preciso completar tudo logo.
“Não, mãe. Desculpa se eu não responder nas próximas horas, estou indo trabalhar e meu celular está pifando.”

Desculpe por tudo, mãe.

Pego um isqueiro e, com uma chama tremeluzente, acendo a vela. A luz suave ilumina o ambiente do meu quarto, lançando sombras dançantes nas paredes enquanto o aroma da cera derretida se mistura ao cheiro de cinzas velhas. Sento-me em frente à bandeja repleta de cigarros, a visão de maços e unidades criando um cenário ritualístico. O olhar se volta para o retrato de Priscilla, agora uma imagem estática assombrosa do passado, capturando um momento de sua vida que contrasta com a brutalidade do presente. A vela faz com que sua imagem pareça quase viva, como se estivesse observando o ritual com uma presença etérea. 

Com um suspiro profundo, começo o ritual.
Fecho os olhos e concentro minha mente nas palavras que são murmuradas, cada oração uma tentativa de encontrar sentido e redenção em meio ao caos. Oro por Priscilla, pedindo por paz para sua alma e um alívio. Oro por Maurício, mesmo sendo um. Oro pelo broto e então meu chefe. Oro por todos aqueles que estiveram envolvidos, diretamente ou indiretamente comigo. Finalmente, volto a atenção para mim, orando por mim mesmo nos meus últimos momentos. O ritual se desenrola em um misto de devoção e melancolia. Oro por Deus com mãos cruzadas e com minha oferenda, a cabeça de Priscilla.
Chegamos ao fim.

Um estrondo repentino quebra o silêncio denso do ambiente, um som forte e inesperado que reverbera através das paredes e do chão. O coração acelera, um peso de ansiedade se instala no peito. Olho disfarçadamente por cima do muro do canto do meu quintal, tentando discernir a origem do barulho. A visão do portão é perturbadora. Há uma movimentação frenética, sombras se movendo e vozes elevadas que não consigo distinguir claramente. A possibilidade de que seja a polícia me assombrando, uma ideia que se infiltra na mente com uma mistura de pavor e negação. Como foram parar aqui? Subo um pouco mais a cabeça, o movimento lento e cauteloso revelando a cena angustiante do outro lado do muro. Meus olhos encontram os policiais, suas figuras destacadas sob a luz dos faróis dos carros de patrulha que piscam intermitentemente. Um dos policiais, com a postura rígida e determinada, me avista através da brecha que deixei. Seu grito ecoa com uma autoridade que não pode ser ignorada, uma ordem que faz o pânico se instalar ainda mais profundamente em mim. 
- Ei, você aí! Parado!
O som do seu comando é seguido pelo estrondo das ferramentas de arrombamento contra o portão, cada impacto um lembrete brutal de que não há mais como fugir. O portão, agora ameaçado pela força bruta, começa a ceder, os estalos e rangidos crescendo em intensidade. 
Corro para dentro de casa, o coração batendo descontroladamente no peito, enquanto o som crescente da invasão dos policiais se aproxima. A sensação de urgência é esmagadora. Cada passo que dou é apressado e desordenado, o piso da casa ressoando sob meus pés enquanto me movo de um cômodo para outro. O pânico é palpável, uma força que empurra cada ação em um estado de desespero. Enquanto os policiais invadem a casa, o som de suas vozes e dos móveis sendo deslocados se torna cada vez mais intenso. O barulho do arrombamento e os gritos de comando são quase insuportáveis, misturando-se com o som de meu próprio fôlego ofegante e apressado.
Dirijo-me apressadamente ao banheiro, a adrenalina pulsando em minhas veias enquanto o barulho dos policiais se intensifica pela casa. O banheiro, com sua janela grande e vulnerável, oferece uma saída desesperada. Abro a janela com mãos tremulas e olho para o espaço abaixo, calculando a altura e a forma como vou escapar. 

NickLuska
Lucas Réver

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