Kaede ainda estava ali, parada na calçada, olhando diretamente para ele.

— Uh… oi, Kaede.  

Ela piscou algumas vezes e então suspirou.  

— Podemos conversar um pouco?  

Ele hesitou. Ainda estava confuso sobre tudo que estava acontecendo com Mami, mas algo no olhar de Kaede o fez assentir.  

— Claro.  

Os dois começaram a caminhar sem rumo, deixando o metrô para trás. Nenhum dos dois falava nada no início, apenas o som de passos preenchia o silêncio.  

Até que Kaede quebrou o gelo.  

— Você lembra de quando a gente se conheceu?  

Yamada sorriu de leve.  

— Claro que lembro. Foi no parquinho do bairro, né?  

— Sim. Você tentou subir no escorregador pelo lado errado e caiu de cara no chão.  

— Ei, achei que íamos lembrar de coisas legais!  

Kaede riu.  

— Mas foi legal. Foi engraçado.  

— Pra você! — Yamada resmungou. — Eu fui humilhado na frente de todo mundo.  

— Mas aí eu te ajudei a levantar.  

Ele olhou para ela e viu que Kaede sorria suavemente, sem provocação, apenas nostalgia.  

— Depois disso, a gente começou a brincar juntos todos os dias. Você me ensinou a jogar videogame.  

— E você sempre me ganhava nos jogos de luta…  

— Eu ainda ganho.  

Yamada suspirou, mas riu.  

— Tá, você ainda ganha.  

Continuaram caminhando, relembrando momentos da infância. O dia em que se perderam no shopping e acabaram achando um restaurante chique sem querer. O verão em que Kaede insistiu para eles venderem limonada, mas cobraram um preço tão alto que ninguém comprou. O inverno em que Yamada ficou doente, e Kaede levou sopa para ele todos os dias.  

Até que, em meio às lembranças, Yamada parou de repente.  

— Espera um pouco.  

Ele franziu o cenho, olhando para Kaede.  

— Agora que eu penso nisso…  

Ela piscou, confusa.  

— O quê?  

— Você sempre teve roupas boas, nunca parecia se preocupar com dinheiro, aquele restaurante chique que achamos… você agiu como se já conhecesse o lugar…  

Kaede desviou o olhar, um sorriso travesso nos lábios.  

— Hã… Kaede… você é rica?  

Ela riu, colocando as mãos nos bolsos.  

— Demorou pra perceber, hein?  

— O QUÊ?! 

Yamada ficou de boca aberta.  

— Como assim?! Você sempre agiu como uma pessoa normal!  

— O que você queria que eu fizesse? Andasse por aí com uma coroa na cabeça?  

Ele ainda estava tentando processar aquilo.  

— Mas… mas a gente brincava num parquinho público! Você poderia ter um no quintal da sua casa!  

— E qual seria a graça disso?  

Yamada colocou as mãos na cabeça.  

— Meu Deus… então aquele dia no shopping… você pagou nosso lanche com o que, cartão de ouro?!  

— Quase isso — Kaede disse, rindo. — Mas relaxa, sempre gostei de levar uma vida mais simples.  

— ISSO NÃO FAZ SENTIDO!  

Kaede riu mais ainda, se divertindo com o choque dele.  

Mas então, o sorriso dela suavizou.  

— Bom… acho que é por isso que vai ser estranho me mudar.  

A expressão de Yamada ficou séria na hora.  

— Espera… se mudar?  

Ela suspirou e olhou para o céu.  

— É. Minha família tá passando por alguns problemas financeiros. Não estamos falidos nem nada, mas… não dá mais pra manter o mesmo estilo de vida. Então, decidiram que o melhor pra mim é me mudar pra um colégio próximo do templo da minha avó.  

— Mas… mas isso significa que…  

Kaede sorriu, mas havia algo triste em seus olhos.  

— Eu vou embora, Yamada.  

O silêncio entre eles foi pesado. O vento soprou suavemente, bagunçando os cabelos de Kaede.  

Yamada abriu a boca para dizer alguma coisa, mas as palavras não saíam.  

— Quando… quando você vai?  

— Amanhã.  

— Amanhã?!  

— Eu queria ter te contado antes, mas… aconteceu tanta coisa nos últimos dias…  

Ela suspirou.  

— Quando vi você e a Mami… percebi que não podia mais adiar.  

Ela se virou para ele, com um sorriso suave.  

— A gente sempre foi amigos, né?  

Ele engoliu em seco e assentiu.  

— Sim…  

— Então, não quero despedidas tristes.  

Kaede levantou a mão para ele, oferecendo um toque de mão.  

— Só me promete que vai lembrar de mim.  

Yamada olhou para a mão dela. Por um segundo, pensou em puxá-la para um abraço, dizer que não queria que ela fosse embora. Mas então, sorriu.  

Levantou a mão e bateu na dela.  

— Como eu poderia esquecer?  

Kaede riu baixinho.  

— Bom… então acho que é isso.  

Ela deu um passo para trás.  

— Adeus, Yamada.  

Ele acenou para ela, sentindo o peito apertado.  

— Adeus, Kaede.  

Ela virou-se e começou a andar.  

Yamada ficou parado ali, vendo sua amiga de infância partir.  

No dia seguinte, a escola estava em alvoroço.  

Banners sendo pendurados, estandes sendo montados, professores correndo de um lado para o outro tentando coordenar os alunos. O festival escolar era um dos eventos mais esperados do ano, e todo mundo estava ocupado com os preparativos.  

Yamada, por outro lado, estava com a mente em outro lugar.  

— Ei, namorado!  

A voz animada de Mami trouxe Yamada de volta à realidade. Ele piscou algumas vezes antes de perceber que ela estava bem na sua frente, com um sorriso travesso.  

— Ah… oi, Mami.  

— Nossa, que energia! — Ela colocou as mãos na cintura. — Não me diga que tá pensando em outra garota?  

Yamada arregalou os olhos.  

— O-O quê?! Claro que não!  

Mami riu.  

— Relaxa, tô brincando. Mas sério, você tá muito aéreo hoje. O que tá pegando?  

— Só… não dormi muito bem.  

— Hmm… — Mami inclinou a cabeça, observando-o.  

Antes que pudesse questioná-lo mais, um grupo de alunos chamou por ela.  

— Mami, precisamos da sua ajuda com os cartazes!  

— Já vou!  

Ela olhou de volta para Yamada e sorriu.  

— Você vai ajudar com os preparativos também, né?  

Ele suspirou, mas assentiu.  

— Sim, sim…  

— Ótimo! Te vejo mais tarde, namorado.  

Ela piscou para ele antes de sair correndo para ajudar os outros alunos.  

Yamada passou o resto da manhã ajudando a montar estandes. Carregou caixas, organizou cadeiras, prendeu faixas decorativas. O trabalho o ajudava a manter a mente ocupada, mas toda vez que olhava para o lado e via Mami sorrindo, sentia algo diferente no peito.  

Era estranho. Ele nunca tinha pensado muito sobre isso antes, mas agora que estava “namorando” ela, cada pequeno gesto dela parecia ter um peso maior.  

No final da tarde, quando a maioria dos preparativos estava quase pronto, Mami o chamou para um canto mais afastado da escola.  

— Ei, vem cá um pouquinho.  

Yamada seguiu Mami até os fundos do ginásio, onde ninguém parecia estar por perto.  

— O que foi?  

Ela sorriu de um jeito misterioso.  

— Só queria te agradecer por hoje.  

— Agradecer? Pelo quê?  

— Por estar comigo. — Ela cruzou os braços e olhou para ele. — Eu sei que você ainda tá confuso sobre esse nosso “namoro”, mas… eu tô me divertindo.  

Yamada sentiu o rosto esquentar.  

— E-Eu também.

Mami riu.  

— Bom, então acho que merece uma recompensa, né?  

— Recompensa?  

Antes que ele pudesse perguntar o que ela queria dizer, Mami deu um passo à frente, ficou na ponta dos pés e…  

O beijou.  

Foi rápido, um selinho suave, mas para Yamada, parecia que o mundo tinha parado.  

Mami se afastou, com um pequeno sorriso nos lábios, e viu o olhar atordoado dele.  

— O-O que foi isso?! — ele exclamou, completamente vermelho.  

— Um beijo, ué. Não é isso que casais fazem?  

— M-Mas…  

Ela riu da reação dele e deu um leve empurrão em seu ombro.  

— Você fica muito fofo quando tá nervoso, sabia?  

Yamada levou a mão aos lábios, ainda tentando processar o que aconteceu.  

“Isso é um namoro de mentira… certo?”