Corri para dentro da casa, meu coração ainda acelerado. Peguei um band-aid no armário do banheiro e respirei fundo antes de voltar ao jardim. O que foi aquilo? Por que me senti tão nervoso de repente?
Quando voltei, minha tia ainda estava lá, observando o céu que começava a se tingir de tons alaranjados. Seus dedos ainda acariciavam o pequeno corte no dedo, mas sua expressão era tranquila.
— Aqui — falei, me abaixando ao seu lado.
Ela estendeu a mão, e eu cuidadosamente envolvi seu dedo com o curativo. Seu olhar estava fixo em mim, e por um momento senti que o tempo havia parado.
— Obrigada, Dylan — disse, sua voz suave como a brisa.
Eu sorri de leve, tentando afastar a estranha sensação que crescia dentro de mim.
— Você sempre teve essa mania de cuidar dos outros? — ela perguntou, brincando.
— Acho que sim. Ou talvez só goste de cuidar de você.
Ela piscou, surpresa, e desviou o olhar, rindo baixinho.
O silêncio se instalou entre nós, mas não era desconfortável. Ficamos ali por alguns minutos, apenas observando o pôr do sol. Então, Clarice soltou um longo suspiro.
— Sabe... Eu realmente não achei que voltaria para cá um dia — confessou.
Virei o rosto para encará-la.
— Por quê?
Ela hesitou.
— Muitas lembranças. Nem todas são boas.
Fiquei em silêncio, esperando que continuasse. Ela mordeu o lábio e abaixou a cabeça.
— Você perguntou se eu sinto falta do meu pai… E a verdade é que eu não sei.
Havia algo na sua voz que me fez prender a respiração.
— Eu... Eu não sei se estou pronta para falar sobre isso.
Coloquei minha mão sobre a dela, apertando levemente.
— Tudo bem. Quando você quiser, eu vou estar aqui.
Ela sorriu, mas seus olhos carregavam um peso que eu não compreendia completamente.
Antes que pudéssemos continuar, a porta da casa se abriu, e minha avó apareceu.
— Meus amores, está ficando tarde. Venham para dentro. Fiz banana caramelizada... Você ama, não é, Dylan?
Ri baixinho.
— Hahaha, você ama, não é, Nana?
O apelido "Nana" surgiu quando eu era criança. Eu amava banana, mas não sabia falar direito, então, ao pedir, sempre dizia "nana".
Minha tia, que até então parecia relaxada, de repente ficou séria. Sua expressão mudou completamente.
— Tenho que ir — disse, sem rodeios.
Minha avó segurou seus braços com delicadeza, um pedido silencioso em seus olhos.
— Não, minha filha... Dorme aqui.
Minha angústia voltou no mesmo instante.
— Não, mãe, preciso ir. Eu prometo que volto.
— Promete mesmo?
— Sim — ela respondeu, mas sua expressão era difícil de ler.
Engoli em seco e tentei não demonstrar minha frustração.
— Eu chamo um táxi pra você, tia.
Ela apenas concordou com a cabeça. Caminhamos até a porta em silêncio.
O táxi demorou a chegar, e eu continuei calado. Se abrisse a boca, sabia que imploraria para que ela ficasse.
Então, um carro preto se aproximou devagar.
Minha tia percebeu e, no mesmo instante, seu corpo enrijeceu.
Ela ficou paralisada.
O vidro do carro abaixou lentamente, revelando um homem que me era desconhecido.
Ele tinha uma aparência intimidadora: traços fortes, olhar frio e um leve sorriso que não trazia conforto algum.
— Boa tarde, dona Clarice.
A voz dele era firme e carregava um tom calculado.
Minha tia ficou pálida.
Ele a observou por alguns segundos antes de continuar:
— Meus pêsames pela morte do seu marido. Eu realmente sinto muito...
Houve uma pausa. O sorriso em seus lábios se desfez.
— Mas ele não me pagou tudo o que devia.
O silêncio se tornou pesado.
O homem inclinou levemente a cabeça e disse, em um tom baixo e ameaçador:
— Alguém vai ter que pagar.
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
Minha tia continuava imóvel, os olhos arregalados, como se estivesse presa em um pesadelo.
O que estava acontecendo?
Vejo que minha tia está completamente paralisada pelo medo. Seu rosto perde a cor, e seus olhos, arregalados, brilham com um misto de choque e terror.
Preciso tirá-la dessa situação.
— Ah, desculpe, senhor, mas já estamos de saída — digo rapidamente, tentando manter a voz firme. — O táxi já chegou, temos um compromisso importante.
O homem me encara por alguns segundos, depois dá de ombros, como se não se importasse.
— Tudo bem — diz, sua expressão séria. Mas antes de ir, lança um último aviso, suas palavras carregadas de ameaça:
— Alguém vai ter que pagar.
Ele acelera devagar e desaparece na escuridão da rua.
Minha tia solta um suspiro trêmulo e, como se suas forças tivessem se esgotado, cai de joelhos no chão.
— Tia! — corro até ela, desesperado.
Ela não responde. Seu corpo treme, e lágrimas silenciosas escorrem por seu rosto pálido. Seu olhar está vazio, perdido.
Seguro seus ombros, tentando trazê-la de volta.
— Calma, já passou… Já passou, tá bom?
Ela me olha desnorteada, os olhos cheios de medo, como se ainda estivesse presa àquele momento.
Eu a envolvo em um abraço forte, sentindo seu corpo trêmulo contra o meu.
— Vamos entrar, tia. Vou te dar um copo d’água, você precisa se acalmar.
— Não! — Ela recusa, a voz rouca e vacilante.
O som de um motor nos interrompe . O táxi finalmente chega.
— V-vamos, Dylan — diz ela, a voz rouca e fraca.
Tenta se levantar, mas suas pernas falham.
— Vem, eu te ajudo.
Seguro seus braços com cuidado e a ajudo a entrar no carro. Me sento ao lado dela sem nem pensar duas vezes.
Não posso deixá-la sozinha nesse estado.
O motorista nos encara pelo retrovisor.
— Para onde, senhora?
Minha tia hesita por um momento, ainda tentando recuperar o fôlego.
— Para… para casa.
O motorista aguarda mais detalhes. Ela respira fundo e finalmente diz:
— Rua Bela Cintra, número XXX.
Eu não sabia onde ela estava morando, mas agora sabia que ficava perto do centro da cidade.
O carro arranca, e eu continuo segurando sua mão, sentindo o quão gelada ela está.
Eu não sei o que está acontecendo, mas agora tenho certeza de uma coisa:
Minha tia está envolvida em algo muito maior do que eu imaginava.
Dylan sempre teve uma conexão especial com sua tia Clarice, cuja vida se torna sombria após seu casamento forçado. Ele sente a necessidade de protegê-la e, após a morte de seu marido, acredita que pode ajudá-la a reencontrar a felicidade.
No entanto, ao reencontrar Clarice, percebe que as feridas do passado ainda a assombram. Enquanto tenta curá-la, sentimentos complexos emergem, desafiando seus laços familiares e levando Dylan a confrontar o verdadeiro significado de seu amor por ela.
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