O sol da manhã refletia na neve macia que cobria as ruas de Hokkaido. Ja estavamos aqui a dois dias, grupos de alunos caminhava em fileiras dispersas, encantados com a paisagem branca e serena. O céu estava limpo, e o frio cortava como agulhas suaves no rosto, mas ninguém parecia se importar.
Mami estava colada ao lado de Yamada, vestida com um casaco felpudo branco e uma touca com orelhinhas de coelho. Ela parecia uma personagem saída de um anime de inverno, rindo e tirando fotos com o celular.
— Olha isso! — exclamou, apontando para uma loja cheia de bonecos de neve enfeitados com acessórios engraçados. — Você tem que tirar uma foto com aquele ali.
Yamada, enrolado até o nariz no cachecol, respondeu com um resmungo abafado:
— … Não.
— Vai ser fofo, vai lá! Eu tiro pra você.
— Eu não quero parecer “fofo”…
— Mas você já é, então tanto faz!
Antes que ele pudesse protestar, Mami já o empurrava gentilmente até um boneco de neve com um cachecol igual ao dele. Ela tirou uma foto rápida e mostrou pra ele com um sorriso orgulhoso.
— Viu? Um casal combinando!
Yamada suspirou, mas seus olhos brilhavam com uma pontinha de diversão.
Após passarem pelo mercado de rua e provarem um pouco de sopa de milho quente e doce, o grupo se dividiu em duplas e pequenos grupos para visitar um santuário famoso na região. Yamada e Mami subiram os degraus cobertos de neve, observando as lanternas vermelhas penduradas entre os galhos cobertos de gelo.
— Faz um pedido, Yamada — disse Mami, entregando a ele uma pequena plaquinha de madeira. — Mas tem que escrever de verdade, tá? Não vale fingir.
Ele pegou a caneta com um olhar cético, mas acabou escrevendo alguma coisa em silêncio.
— O que você pediu?
— Não posso dizer. Senão não se realiza.
— Hmm… romântico e misterioso.
— Nem tudo é sobre romance…
Mami riu. — Com você, é.
Foi então que Yamada ouviu uma voz familiar atrás de si:
— …Yamada?
Ele se virou devagar, surpreso, e quase não acreditou no que via.
— K-Kaede?!
A garota de olhos calmos estava ali, vestida com um casaco bege e uma câmera pendurada no pescoço. O rosto dela se iluminou ao vê-lo.
— Eu não esperava te encontrar aqui yamada!
— E-Eu… também não esperava te ver aqui…
Mami observava a cena com curiosidade, mas sem interferir. Kaede se aproximou e olhou de um para o outro.
— Ah… desculpa! Eu interrompi vocês?
— N-Não, a gente tava só… passeando.
Mami sorriu.
Kaede sorriu de volta, gentil.
— Eu tô morando em Hokkaido agora, Mas e vocês? Porque estão aqui?
— Viagem da escola.
— Que legal! Então... posso roubar o Yamada por uns minutinhos?
Mami olhou para ele e sorriu de canto.
— Claro. Mas devolve ele inteiro.
Os dois caminharam até um lado mais tranquilo do santuário, onde as pegadas já se perdiam sob a neve.
— Então… tá morando aqui agora? — Yamada perguntou.
— É. Tô com minha avó por um tempo. O templo dela fica logo ali perto.
— Você parece… diferente.
ela riu, baixinho.
Eles pararam perto de uma árvore cheia de fitas coloridas, tremendo levemente ao vento. Kaede olhou para cima, depois para ele.
— Eu pensei em você. Muito. Mesmo longe.
— Eu também.
Ela hesitou por um segundo, depois tirou um pequeno amuleto do bolso.
— Isso é pra dar sorte. Achei que combinava com você.
Yamada pegou o pequeno enfeite de tecido e sorriu, tocado.
— Obrigado, Kaede.
Ela não respondeu. Apenas olhou para ele, com algo calmo… e definitivo no olhar.
— Foi bom te ver de novo. Mesmo que seja só por hoje.
Ele ia perguntar o que ela queria dizer com aquilo, mas um barulho os interrompeu — pneus derrapando na rua escorregadia, seguido por gritos.
Yamada virou o rosto no mesmo instante em que ouviu o impacto seco.
O mundo ficou mudo.
Quando seus olhos encontraram Kaede novamente, ela não estava mais em pé.
O tempo parecia distorcido. O motorista do pequeno caminhão gritava algo, agachado ao lado de um corpo caído.
Yamada correu, escorregando na neve, com as pernas tremendo.
— K-Kaede…? KA—
Ela estava deitada de lado, os olhos semiabertos. Um filete de sangue escorria da boca, tingindo de vermelho o branco da neve.
— N-Não… não, por favor, não…
— Yamada… — a voz dela era um sussurro — …não esquece de mim, tá?
E então, os olhos se fecharam devagar.
A câmera dela caiu da mão, afundando na neve ao lado.
O som das sirenes chegou rápido. Alunos começaram a se aglomerar à distância, professores correram. Mas já era tarde demais.
Yamada ficou ajoelhado na neve, com as mãos sujas de vermelho. Mami chegou ofegante, parando de repente ao ver a cena. Por um instante, o mundo pareceu segurar o fôlego.
O resto do dia passou como um borrão.
A polícia fez perguntas, os professores tentaram manter os alunos calmos. Mami não soltou Yamada em momento nenhum — não disse nada também. Só ficou ali, ao lado dele, sentada nos degraus do santuário, segurando sua mão gelada.
Na volta para o hotel, o ônibus estava em silêncio absoluto. Nem mesmo os mais agitados arriscaram uma piada. A única coisa que se ouvia era o som baixo do motor e o rangido da neve sob os pneus.
Yamada sentou-se na última fileira, com o rosto virado para a janela, vendo as luzes distorcidas pela umidade nos olhos.
No colo dele, estava a câmera da Kaede.
Ninguém sabia como ela tinha ido parar nas mãos dele. Talvez alguém tenha entregue. Talvez ele mesmo tenha pegado. Só sabia que estava ali agora. Fria, levemente arranhada, mas intacta.
Quando chegaram ao hotel, Yamada foi direto para o quarto. Mami quis ir atrás, mas um professor a deteve com um olhar gentil. Ela parou, olhando para a porta se fechar atrás dele.
Lá dentro, Yamada ligou a câmera.
O visor acendeu devagar, exibindo as últimas fotos tiradas por ela.
Neve.
Lanternas vermelhas.
Um grupo de turistas sorrindo.
E por fim… uma foto dele. Ele, parado ao lado da árvore de fitas, olhando para longe. O foco estava um pouco torto, mas ainda assim… ele nunca pareceu tão humano numa foto.
Yamada segurou a câmera contra o peito e fechou os olhos.
Não chorou. Não conseguia. O peito doía de um jeito que as lágrimas não alcançavam.
Horas depois, alguém bateu na porta. Suave.
— Yamada…? — era Mami.
Ele não respondeu, mas a porta não estava trancada.
Ela entrou devagar, fechando atrás de si.
Ficou em silêncio por um tempo, depois se sentou ao lado dele na cama.
— A gente… nunca sabe quanto tempo tem com as pessoas, né?
Yamada encarava o chão. A câmera ainda estava entre as mãos.
— Ela me deu isso… — ele disse, finalmente.
— Então guarda. Como uma lembrança boa. Ela queria que você tivesse.
Ele assentiu levemente.
Mami se aproximou mais e apoiou a cabeça no ombro dele.
— Eu não vou dizer que “vai ficar tudo bem”… porque eu não sei. Mas eu tô aqui, tá?
Yamada fechou os olhos, o som da neve batendo contra a janela sendo a única coisa que preenchia o silêncio.
[Pode ter Spoiler]
Tá, eu definitivamente não esperava por isso... mas acho que igual o Yamada, me pergunto o que ela quis dizer com "Mesmo que seja só por hoje". Como ela sabia?
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