Ela começa a falar, e pela primeira vez, sinto que ela está confiando em mim. Ou talvez, simplesmente, tenha reunido coragem para finalmente desabafar.
— Quanto você precisa? — pergunto, sem pensar duas vezes. Faço qualquer coisa para ajudá-la.
Ela hesita, desviando o olhar. Está lutando consigo mesma.
— Dylan... É muito dinheiro.
— Quanto?
Ela engole seco, respira fundo e então solta, quase sem voz:
— Sessenta mil.
Sinto meu estômago revirar. Sessenta mil? O que esse desgraçado fez para afundá-la assim?
Mas eu não recuo.
Ela me olha como se eu tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo.
— Não! Isso não é responsabilidade sua! Você ainda está na escola!
— Então eu mudo para o turno da noite — digo, firme.
Ela balança a cabeça, parecendo perturbada.
— Eu… não quero ser um fardo.
Seguro suas mãos, sentindo sua pele fria.
— Você nunca foi, Clarice. Nunca.
Ela desvia o olhar, mordendo os lábios com força. Dá um passo para trás, como se tentasse fugir não só da conversa, mas da própria realidade.
— Você não entende, Dylan… Isso não é algo que se resolve com boa vontade. — Sua voz vacila, carregada de exaustão.
— Como você espera que eu simplesmente fique parado?
Ela aperta os olhos, as mãos tremendo.
— Porque é perigoso! Você não sabe com quem está lidando!
O coração acelera, mas eu não recuo.
— Eu não me importo. O que me importa é você.
Ela solta um riso amargo, carregado de dor.
— Certo, querido… Eu aceito que você me ajude um pouco, mas depois disso, esqueça essa história e apenas estude, ok?
Ela tenta soar firme, mas sua voz entrega um cansaço profundo. Sei que não é um pedido, e sim uma tentativa de me afastar.
— Digamos que eu te ajude… E o resto? Como você pretende pagar o que falta?
Ela desvia o olhar, e por um instante, o silêncio pesa entre nós.
— Vou continuar fazendo o que já fazia para quitar essa dívida.
Há algo sombrio na forma como ela diz isso. Meu peito aperta.
— ...O que você fazia?
Clarice abre a boca, mas nenhuma palavra sai. Seus lábios tremem levemente, como se a resposta estivesse presa em sua garganta. Seus olhos brilham sob a luz fraca, carregados de algo que não consigo decifrar.
Então, sem me encarar, ela vira de costas.
— Isso não é assunto seu!
Sua voz sai cortante, carregada de dor e frustração. Antes que eu possa insistir, ela se afasta, caminhando em direção ao corredor escuro.
Apenas observo a silhueta dela desaparecer na escuridão, deixando-me sozinho naquela bagunça que tenho que arrumar. O nó apertado na minha garganta é quase insuportável, e a sensação de impotência me consome.
De repente, meu celular vibra. Era uma avalanche de notificações de Viktor, meu melhor amigo. Mais de 100 mensagens. Fico surpreso, mas me sinto mais perdido do que nunca.
Decido ligar para ele e saio da casa para que minha tia não ouça, tentando dar um pouco de espaço à minha mente, que está uma verdadeira confusão.
Ele atende quase imediatamente, com a voz desesperada.
— Porra, onde você tava? Eu estava indo agora na sua casa.
Meus olhos ardem, e meu peito pesa. Não tenho forças para ser mais objetivo.
— Desculpa, é que… minha tia voltou.
— Espera! Aquela tia com quem você falava que queria se casar quando éramos pequenos?
Eu paro por um segundo, sentindo uma sensação estranha, como se tudo isso fosse uma piada absurda. Mas, não, era verdade.
— Eu ainda quero.
— An? Tá brincando, né?
A incredulidade na voz dele é quase engraçada, mas minha raiva começa a se misturar com a dor.
— Eu nunca brinquei sobre isso.
Ele fica em silêncio por um momento, claramente desconcertado.
— Mas, porra, ela é a sua tia!
— Fodase! Agora que ela voltou, eu não vou deixar ela sozinha.
Viktor fica quieto, o silêncio dele ecoa no telefone como um peso, tentando processar o que eu disse.
— Porra, o marido dela morreu, e o desgraçado deixou uma dívida de 60 mil. Eu preciso fazer alguma coisa.
— Você tá maluco, Dylan! 60 mil? Isso não é dinheiro que se arruma do nada! E ela é adulta, cara, ela que devia resolver isso.
— Você não entende… Ela não tem ninguém. Ninguém além de mim. E eu vi o estado dela, Viktor… Ela tá se destruindo. A casa, o olhar, o jeito como fala… como se estivesse desistindo. Eu amo ela de verdade. Não é brincadeira. É amor. E ver ela assim me destrói. Se eu não fizer nada… ela vai se perder.
— E você vai se perder junto?
— Se for pra me perder tentando salvá-la, então que seja.
Do outro lado da linha, Viktor fica em silêncio por alguns segundos. Eu quase consigo ver ele esfregando o rosto, tentando entender tudo.
— Tá… e o que você vai fazer? Vai trabalhar em três empregos? Vender um rim? Se endividar também?
— Se for o que eu tiver que fazer, então sim.
— Você enlouqueceu.
— Talvez...
— Só não desaparece denovo e fala comigo antes de fazer qualquer coisa.
Ele desliga.
Olho para o céu escuro e sinto o vento frio bater no meu rosto.
Entro e começo a arrumar tudo. Aos poucos, tento devolver um pouco de ordem ao caos. Enquanto recolho os papéis, os cacos e as garrafas vazias, meu celular vibra. É uma mensagem da minha mãe, perguntando por que ainda não voltei pra casa.
Olho para o relógio e percebo que já é tarde. Suspiro, sentindo um peso estranho no peito, e reúno coragem para ir até o quarto dela me despedir. O corredor estava completamente escuro, sem nenhuma lâmpada. Caminho devagar, guiado apenas pela luz fraca vinda da sala. Paro diante de uma porta, torcendo para que fosse o quarto certo. Bato duas vezes, mas não recebo resposta.
Respiro fundo e decido entrar.
O quarto está mergulhado na escuridão. Acendo a luz devagar, e então a vejo. Ela está ali, deitada, encolhida no canto da cama como uma criança assustada. Mesmo assim, não deixava de parecer um anjo adormecido.
— Tia... eu já vou — minha voz sai baixa, como se tivesse medo de quebrar o silêncio.
Ela não se mexe. Talvez esteja dormindo, talvez apenas cansada demais para responder.
Me aproximo da cômoda, pego um pedaço de papel e deixo um bilhete com o meu número de celular, caso precise de mim.
Dou uma última olhada antes de sair. Meu peito aperta como se algo estivesse ficando pra trás. Mas eu sabia que, mesmo indo embora, uma parte de mim ficaria ali com ela.
Dylan sempre teve uma conexão especial com sua tia Clarice, cuja vida se torna sombria após seu casamento forçado. Ele sente a necessidade de protegê-la e, após a morte de seu marido, acredita que pode ajudá-la a reencontrar a felicidade.
No entanto, ao reencontrar Clarice, percebe que as feridas do passado ainda a assombram. Enquanto tenta curá-la, sentimentos complexos emergem, desafiando seus laços familiares e levando Dylan a confrontar o verdadeiro significado de seu amor por ela.
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