Do lado de fora ainda atordoado tento digerir a situação, é incrível como não consigo ter dias normais. Mattew fala mas estou tão desatento que não entendo nada que ele diz, apenas consigo notar sua expressão cheia de preocupação. Mesmo assim, ele parece tão heróico que é difícil de rastrear as suas emoções. De repente ele lança um celular contra o muro, será que era o celular da garota de olhos azuis? -Esses caras, o que eles têm na cabeça ?! Filmar alguém assim é desumano. Ele agacha e se aproxima de mim, estou sentado no meio fio vendo alguns carros passarem por nós. -Ei, você tá bem? Quem eram aqueles caras? Indaga ele. Sinto que não tenho razões para mentir, então respondo honestamente. -Sendo sincero nem sei o que sentir, ser tratado pelo próprio irmão assim é…eu não sei. Acho que estou magoado mas não deveria, afinal não é a primeira vez. Ele se aproxima mais um pouco. -Achei que estaria tudo bem quando o tempo passasse, mas não tá. Nunca tá! Ele nunca vai me perdoar. As lágrimas acompanham minhas frases. -Eu só queria proteger ele, ninguém quer ver o irmão se afundando nas drogas. Mas ele não queria que ninguém soubesse, eu não tinha escolha, tive que contar para nossos pais. Depois dessa confissão não consigo parar, começo a contar tudo que aconteceu no verão passado e como era a relação com meu irmão. Estou tão cansado e agoniado que algumas coisas que saem da minha boca não fazem sentido. Entretanto Mattew escuta atentamente. Ele acaba rindo assim que termino de surtar e explicar tudo. -Sabe somos parecidos. Eu olho confuso. -Nós nos culpamos por coisas que não são culpa nossa. O garoto sorridente agora tem um semblante melancólico, aquelas poucas palavras levantam alguns pequenos sentimentos os quais não verbaliza. Coisas que assim como eu não consegue contar, ele finalmente se senta no meio fio. O desespero vira um silêncio agridoce que contamina nós dois. Não trocamos nenhuma palavra só é possível ouvir a voz doce de Mattew cantarolando uma música a qual não conheço.
-Acho melhor você ir. Quebro o silêncio enquanto o sol se põe, me dando conta de que horas são. -Como assim? Pergunta Mattew parando de cantarolar. -Bom tá ficando tarde e o pessoal da escola deve estar saindo. Se eles te verem comigo… Tento levantar mas não consigo, Mattew me puxa pelo braço. -Então é verdade o que eles disseram? -É. Respondo cabisbaixo. -Acho que todos sabiam antes de mim, mesmo assim quando eu descobri de repente tinha alguma coisa errada comigo. Por isso, vai enquanto ninguém nos viu ainda. -Não vou! O garoto rebatendo com firmeza. -E se começarem a falar que tu é gay também?! Falo tentando fazer com que ele mude de ideia. -Eu não ligo. Reafirmando sua decisão. Por fim, ele se levanta. -Vem. Fala Mattew estendendo a mão para me levantar, boto a mão sobre a dele e sou puxado, ficando em pé também. Ele é realmente muito forte -penso. -Para onde vamos? Digo confuso. Ele me olha como se fosse óbvio. -Pra minha casa né. Não vou te deixar perto do teu irmão depois do que aconteceu. -mas… Tento me manifestar mas sou interrompido -Ou prefere dormir na rua? Ele ri e uma risadinha minha escapa. -Vamo então. Diz ele me pegando no colo, tento escapar mas já estou longe do chão. -Não precisava. Enuncio numa voz falha. -Nesse estado dúvido que tu iria conseguir me acompanhar. Sei que não quer que nos vejam, então vai ser assim.
O garoto ainda comigo nos braços dispara a correr, além de forte ele é muito rápido. Injusto- Penso. Ele corre tão rápido pelas ruas que me surpreende que não tenhamos caído, noto alguns olhares vindo da varanda de algumas casas. Porém todos ocupados demais para se preocuparem, afinal somos só garotos sendo garotos. Quando fecho os olhos sinto o quanto queria guardar para sempre essa sensação comigo, pois apesar de sentir dor não consigo parar de sorrir. Esta é a dor mais reconfortante que já senti.
Érico, um garoto gay e introspectivo, vive uma vida complicada em um cidade do interior do Rio Grande Do Sul. Se sente sufocado pela família e deslocado na escola, seu único refugio é criar histórias e fazer análises de mundo pessimistas. Em uma noite, decide escrever um personagem com tudo aquilo que mais despreza, secretamente inveja, mas e se ele não fosse só um personagem e ,sim, alguém real. Será que Érico ainda o odiaria? A resposta virá de forma turbulenta.
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